Foto: Karol Freire
O câncer de mama é o câncer que mais mata mulheres no Brasil e no mundo. Para falar sobre prevenção, sintomas, fatores de risco, importância da realização de consultas de rotina, auto-exame e notoriedade de campanhas como “Outubro Rosa”, conversamos com a mastologista Marisa Queiroz.
NJ: Dra. Marisa, quais são os principais sinais de alerta de que pode haver algo de errado com as mamas?
Dra. Marisa: Sempre que a mulher começar a sentir algo de diferente do habitual nas mamas, deve ser investigado. Então, uma dor mamária localizada de forte intensidade que vem piorando e não cede, a saída de secreção quando aperta, quando a paciente tem alguma área de mama mais avermelhada ou mais endurecida, se conseguir apalpar algum nódulo, quando há alteração de pele. Tudo isso é sinal de alerta. Na dúvida, procure um especialista o quanto antes.
NJ: Qual a frequência ideal para realizar exames de rotina nas mamas?
Dra. Marisa: Para as mulheres que não tem história familiar, o ideal é começar aos 40 anos a mamografia e o ultrassom. Caso os resultados sejam normais, os exames devem ser repetidos anualmente e caso venha com alguma alteração, a gente vai precisar ter uma conduta mais individualizada. Para as mulheres que tem história familiar de câncer de mama, a gente começa dez anos antes do familiar acometido, mas não antes dos 35 anos, exceto no caso de pacientes que possuem mutações genéticas comprovadas, que sofreram radiação pra tratamento de linfoma ou alguns outros casos mais especiais.
NJ: Exames como ultrassonografia de mama e mamografia são suficientes para detectar o câncer de mama no estágio inicial?
Dra. Marisa: Geralmente sim. Porém tem alguns tipos de câncer de mama que são dificilmente diagnosticados nesses dois exames, como por exemplo, o carcinoma lobular que geralmente a gente identifica através da ressonância. Esse tipo de câncer apresenta lesões que não aparecem na mamografia e na ultrassom e quando a gente pede a ressonância por outras queixas da paciente, descobre-se o câncer. Mas na grande maioria os exames de rotina já são suficientes.
NJ: O que é o câncer de mama?
Dra. Marisa: O câncer de mama na verdade é uma proliferação desgovernada de células da glândula mamária com o DNA alterado.
NJ: Como a doença se desenvolve?
Dra. Marisa: Existe uma unidade na glândula mamária que é a unidade ducto- lobular terminal. É nessa unidade que as lesões iniciam e aí acontecem a proliferação. Existe um grupo de células que são as “stem cells”, células totipotentes e que seriam as iniciadoras do câncer. Como se fossem células pluripotentes, elas podem se transformar em tudo e erroneamente acabam se transformando em câncer. Na verdade é como se fosse assim: uma célula alterada começa a se dividir, se proliferar e gera o câncer.
NJ: Os tumores malignos não doem. Se há uma dor na mama não pode ser câncer. Mito ou verdade?
Dra. Marisa: Isso é um mito. A forma mais frequente de abertura de sintoma não é dor, mas câncer de mama dói. Uma dor que preocupa a gente é uma dor de surgimento recente, localizada de médio a forte intensidade que não cede e que torna-se frequente.
NJ: Reposição hormonal, uso prolongado de anticoncepcionais e tabagismo aumentam a possibilidade de desenvolvimento de câncer de mama. Mito ou verdade?
Dra. Marisa: Tabagismo ainda não tem relação comprovada com o câncer de mama. No ano passado foi publicado um estudo em relação ao uso de anticoncepcionais que revelou que para as mulheres com história familiar de câncer de mama, o uso prolongado de anticoncepcionais por mais de dez anos aumenta sim, o risco. Já reposição hormonal é algo muito discutido. Se a gente faz com hormônios (hormônios idênticos aos naturais), não tem tanto risco.
NJ: Mulheres que ingerem muito frango têm mais chances de desenvolver o câncer de mama. Mito ou verdade?
Dra. Marisa: Mito. Hormônio de frango, uso de desodorantes, soutiens com bojos e aros não causam câncer. Tudo isso é mito.
NJ: Câncer de mama tem sintoma? Quais são eles?
Dra. Marisa: Sim. Paciente pode evoluir com dor mamária, saída de secreção, alteração de pele, presença de nódulos. Este último não é sintoma pois sintoma é tudo que a pessoa sente, mas é um sinal importantíssimo. E tudo isso serve para investigar e detectar o câncer de forma precoce, no período inicial da doença.
NJ: O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais comum entre mulheres no Brasil. E o que mais mata. Quais fatores podem ser apontados como causadores ou colaboradores para o surgimento da doença? Agrotóxicos presentes nos alimentos estão entre eles?
Dra. Marisa: O câncer mais comum entre mulheres é o de pele do tipo não melanoma, mas o câncer de mama realmente é o que apresenta índice de maior mortalidade. Ou seja, é o segundo mais frequente, mas é o que mais mata. Existem alguns fatores clássicos de câncer de mama já documentados: mutações genéticas e a radiação (do tipo bomba atômica, radioterapia, essas coisas). Radiação de exame não é considerada fator de risco). Já os fatores colaboradores são aqueles fatores de risco: álcool, obesidade (principalmente na pós menopausa), terapia de reposição hormonal de longo período, história familiar frequente de câncer de mama, menarca cedo (primeira menstruação), menopausa tardia, ausência de gestações. Em relação a agrotóxicos, ainda não tem nada comprovado.
NJ: Qual é a prevenção correta para o câncer de mama e qual profissional deve ser procurado inicialmente?
Dra. Marisa: Prevenção primária de câncer de mama é tirar os fatores de risco modificáveis. Claro que não se pode alterar a idade, sexo da paciente, história familiar e mutação genética. Mas existem aqueles fatores de risco mutáveis que podem ser diminuídos através da prática de atividade física, diminuição da obesidade, redução do álcool, redução de reposição hormonal. A prevenção correta é retirar ou reduzir uma maior quantidade dos fatores de risco. O profissional a ser procurado inicialmente é sempre o mastologista.
NJ: De que maneira a mulher deve proceder após o diagnóstico e como funciona o tratamento?
Dra. Marisa: O tratamento é feito em conjunto com o mastologista, que é o médico cirurgião, o oncologista que é o médico que prescreve as medicações de quimioterapia e radioterapia. A gente recebe a paciente e vai estagiando, vendo o grau de avanço da doença. A depender de qual grau ela se encaixa, o tratamento pode começar por cirurgia ou quimioterapia. A gente vai adequando o melhor tratamento e o acompanhamento é sempre individualizado.
NJ: Quais são as principais diferenças entre o tratamento com radioterapia e o tratamento com quimioterapia?
Dra. Marisa: Radioterapia é aquele famoso “banho de luz” que os pacientes falam. É um tratamento para controle de recorrência local que pode ser feito tanto na mama quanto na axila. A quimioterapia são as medicações venosas ou orais, é um medicamento sistêmico, que tende a tratar o corpo inteiro e portanto dá mais efeitos colaterais. Radioterapia as vezes dá um pouquinho de alteração na pele, a paciente pode ter a sensação de a pele estar queimada e um pouco de cansaço durante as sessões. Já a quimioterapia dá todos aqueles outros efeitos colaterais: diarreia, vômitos, náuseas, queda de cabelo e tantos outros que a depender da medicação que o oncologista escolha pode trazer um efeito colateral ou outro.
NJ: A possibilidade de recuperação de mulheres com câncer de mama quando detectado no início, é bastante alta. Mas o que deve ser feito para evitar a reincidência da doença?
Dra. Marisa: Existem vários tipos de câncer de mama. Então, ao detectar um determinado tipo, a gente já tem como prever se há ou não a chance de ter recorrência. E havendo uma recorrência ou metástase, quais são os órgãos mais acometidos e a frequência com que isso ocorre. O tratamento é sempre individualizado e se a gente já sabe que aquele subtipo de câncer de mama, por exemplo, o luminal A, dá pouca recidiva, é um câncer de replicação lenta e quando acontece de metastizar, metastiza mais para os ossos, então a gente sempre presta mais atenção nas queixas ósseas da paciente. E assim segue o tratamento. Existem também medicações redutoras de risco que são as denominadas profiláticas. No caso dos luminais, a gente pode lançar mão dos bloqueadores hormonais que também diminuem o risco de recidiva.
NJ: Mulheres que não tiveram filhos ou que não amamentaram têm mais risco de desenvolver o câncer de mama. Mito ou verdade?
Dra. Marisa: As mulheres que tiveram filhos até os 35 anos e aquelas que amamentaram por mais de dois anos, tem um bônus. Ou seja, tem um benefício em ter amamentado, em ter tido filhos. o que não quer dizer que quem não teve ou não amamentou está com risco aumentado. Se a gente colocar as pacientes com os mesmos fatores de risco a câncer de mama, pacientes iguais e uma amamentou ou teve filho antes dos 35 e a outra não, está um pouco mais protegida, o que não quer dizer que a outra que não amamentou está em risco.
NJ: O uso de próteses de silicone pode ter alguma relação com o câncer de mama? A prótese pode dificultar a visualização de nódulos e tumores?
Dra. Marisa: Se a prótese é colocada sobre o músculo, atrás da glândula, reduz em até 25% a detecção do câncer de mama, mas isso não impacta em mortalidade. Pacientes não morreram mais porque detectaram a doença um pouco depois. Existe um subtipo de câncer de mama que é o linfoma de células grandes, um câncer específico, de baixa frequência, aquele que acabou de sair na mídia e que está relacionado a próteses. Mas isso é bem específico, é um subtipo muito raro mesmo e que nem vale a pena prolongar muito.
NJ: Nos casos em que é necessária a retirada da mama pode-se fazer a reconstrução mamária imediatamente? Os planos de saúde cobrem? Como conseguir realizar essa cirurgia de reconstrução pelo SUS?
Dra. Marisa: Sim, desde que a paciente deseje fazer e tenha condições clínicas para a reconstrução. Essa reconstrução pode ser feita tanto com retalhos musculares, quanto com próteses. Os planos de saúde cobrem, sim. A gente já tem até uma lei que cobre também a simetrização da mama contralateral. Esse tipo de cirurgia na Bahia, quando realizada pelo SUS acontece no Hospital da Mulher, em Salvador. A paciente tem que ser encaminhada pela secretaria do próprio município e passar em consulta com a equipe de lá.
NJ: Atualmente, algumas mulheres, como a atriz norte-americana Angelina Jolie, têm adotado a mastectomia preventiva como forma de evitar o surgimento de um possível câncer de mama. Essa prática é indicada? A que grupo de mulheres ela é recomendada?
Dra. Marisa: Até o ano passado era recomendado para as mulheres que tinham mutações BRCA tipo 1 e tipo 2 que são mulheres que carregam a mutação genética nos genes e isso as estaria predispondo a desenvolver o câncer de mama. Era dito que a cirurgia reduzia o risco em até 90 % . Só que hoje a gente já está vendo que não traz mais tanto benefício, principalmente para as portadoras de BRCA 2 . Inclusive, há 4 meses foi publicado um estudo em relação a isso. Então, é um grupo muito específico e é uma cirurgia com inúmeras complicações, que deve ser feita também associada a retirada dos ovários, então não é uma cirurgia tão simples.
NJ: Qual é a sua avaliação acerca de campanhas como o “Outubro Rosa”? Elas de fato trazem resultado?
Dra. Marisa: Na verdade o “Outubro Rosa” é uma campanha mais voltada a detecção precoce da doença, mas não se fala tanto em prevenção. Alerta quanto a necessidade de mamografia, do auto-exame, de fazer ultrassom. Essas campanhas trazem muito resultado porque servem de alerta, de conscientização, principalmente em comunidades que não tem tanto acesso a médicos e exames. Mas a gente precisa destacar mais a prevenção que é a redução dos fatores de risco.
NJ: Ao contrário do que algumas pessoas pensam o câncer de mama também pode ser desenvolvido por homens. Nesse caso, quais são os sinais?
Dra. Marisa: Sim. Mas é muito raro. Menos de 1% dos homens são acometidos pelo câncer de mama. Geralmente são homens que já tem síndromes genéticas ou que carregam algum tipo de mutação. A forma mais frequente de diagnóstico é ele apalpar algum nódulo na mama. Não há uma campanha de rastreamento para mama masculina , então, quando a gente abre os quadros, geralmente já abre mais avançado. Os sintomas geralmente são nódulos mamários.
NJ: Antes de concluir, por favor, deixe uma mensagem para os leitores desse site.
Dra. Marisa: Sempre que a gente fala de doença, a gente deve pensar sempre em como prevenir. E como foi abordado anteriormente, existe a possibilidade de redução dos fatores de risco mutáveis e a gente tem que dar esse passo antes, mudando o estilo de vida, reduzindo a obesidade (principalmente na pós menopausa), reduzindo o consumo de álcool, realizando sempre o auto-exame, procurando os médicos especializados para acompanhamento e realização de exames de rotina. Essa consciência de se preservar e prevenir faz com que a gente diminua o risco de doenças em geral. Essa é a minha mensagem: prevenção sempre!
NJ: Marisa, muito obrigada! Espero poder contar com a sua participação outras vezes nessa Janela que também é sua. Muita saúde sempre!
Dra. Marisa: Eu que te agradeço, sempre que precisar estou a disposição.
1 Comment
Dalia Leal
17 de outubro de 2019 at 21:49Excelente a entrevista c Dra Marisa! importantíssimos esclarecimentos! Luciana Leal parabéns!☀️🌜🌟👍👏