Na celebração dos 20 anos da Fliporto — Festa Literária Internacional de Pernambuco — o evento cruza o Atlântico e chega a Portugal, reafirmando sua vocação de unir culturas pela palavra. Nesta entrevista exclusiva, o idealizador Dr. Antônio Campos reflete sobre os desafios e conquistas de levar a Fliporto a um novo público, reforçando a importância da língua portuguesa como elo entre nações e gerações. Um diálogo que revela não apenas o poder da literatura, mas também o papel transformador da leitura na construção de uma identidade lusófona viva, diversa e afetiva.
Lu: Dr. Antônio, a Fliporto celebra 20 anos no Brasil e agora chega a Portugal. Qual o maior desafio e a maior realização de levar essa festa literária para um público internacional?
Dr. Antônio : A maior realização é ver a Fliporto atravessar o Atlântico e consolidar-se como uma plataforma de diálogo entre as culturas lusófonas. Levar este projeto a Portugal, depois de duas décadas de história no Brasil, é uma forma de fechar um ciclo e abrir outro, mais abrangente. O maior desafio foi adaptar a estrutura e a proposta de um evento de grande dimensão ao contexto europeu, sem perder a alma pernambucana e o espírito de partilha que sempre nos caracterizou.
Lu: O senhor destacou a língua portuguesa como fator de união entre países lusófonos. De que maneira eventos como a Fliporto contribuem para fortalecer essa conexão cultural e literária?
Dr. Antônio : A Fliporto é, antes de tudo, um espaço de reencontro. A língua portuguesa é o fio condutor que nos liga, mas é através da literatura que essas vozes se entrelaçam e se reconhecem. Ao promovermos o encontro de escritores de Portugal, Brasil, África e outras geografias da lusofonia, estamos a reforçar uma identidade comum, feita de diversidade e afeto. A língua, quando vivida em comunidade, transforma-se em património vivo.
Lu: A literatura contemporânea portuguesa e brasileira tem diálogos cada vez mais próximos. Na sua visão, quais tendências ou movimentos literários atuais poderiam ser potencializados por iniciativas como a Fliporto?
Dr. Antônio :Vejo um fortalecimento da literatura de identidade, das vozes femininas e das narrativas que abordam temas como pertença, memória e território. A Fliporto pode servir como amplificador dessas tendências, criando pontes entre autores e editoras, e promovendo a circulação de livros e ideias. O diálogo entre as literaturas portuguesa e brasileira é fértil porque ambos os países partilham inquietações semelhantes, ainda que em contextos distintos.
Lu: A entrega do Prémio Guerra Junqueiro a Dulce Maria Cardoso marca o início da Fliporto Portugal. Que critérios são considerados na escolha dos premiados e como o prêmio ajuda a valorizar a produção literária lusófona?
Dr. Antônio : O Prémio Guerra Junqueiro reconhece autores cuja obra dialoga com os grandes temas da língua portuguesa e que contribuem para o fortalecimento do imaginário literário lusófono. Dulce Maria Cardoso representa uma escrita de grande maturidade estética, com profundo sentido de identidade e universalidade. A distinção é uma forma de homenagear não apenas a autora, mas também o poder da literatura portuguesa em projetar a lusofonia no mundo.
Lu: O senhor comentou sobre o papel de cada cidadão na preservação da língua portuguesa. Quais ações concretas poderiam incentivar o público jovem a se engajar mais com a literatura e a leitura?
Dr. Antônio :Precisamos tornar a leitura uma experiência viva, não uma obrigação. Programas de mediação literária, clubes de leitura em escolas e universidades, e o uso das redes sociais como espaços de diálogo literário são caminhos possíveis. A juventude responde bem a iniciativas que associem literatura a criatividade, arte e expressão pessoal. A língua portuguesa tem de ser vivida como um instrumento de liberdade e não como um exercício de nostalgia.
Lu: A parceria com Lucinda Marques foi destacada nos bastidores do evento. Poderia nos contar mais sobre como ela contribui para a projeção da literatura brasileira em Portugal?
Dr. Antônio :Lucinda Marques tem sido uma ponte essencial entre os mundos editorial brasileiro e português. À frente da editora IMEPH, ela tem promovido autores brasileiros em Portugal com uma visão contemporânea e inclusiva. A sua colaboração na Fliporto reforça o espírito de intercâmbio que queremos cultivar: o de uma lusofonia sem fronteiras, onde o livro é o principal embaixador.
Lu: Além dos prêmios e palestras, que experiências literárias ou culturais a Fliporto oferece ao público para tornar a leitura mais acessível e envolvente?
Dr. Antônio: A Fliporto sempre apostou na interdisciplinaridade. Temos performances literárias, concertos, risoterapia, residências artísticas e encontros com escolas. A ideia é fazer da literatura um ato coletivo, vivido em comunidade. Queremos que cada participante sinta que faz parte de uma história em construção.
Lu: Como o senhor vê a relação entre literatura e outros campos culturais, como música, cinema e artes visuais, especialmente na promoção da língua portuguesa no exterior?
Dr. Antônio :A arte é um sistema de vasos comunicantes. A literatura não vive isolada: dialoga com a música, com o teatro, com o cinema e com as novas linguagens digitais. Quando essas expressões se encontram, a língua ganha novas formas de ressonância. O português cantado, encenado ou filmado é uma forma poderosa de diplomacia cultural.
Lu: Eventos como a Fliporto podem servir como espaço de diálogo sobre identidade cultural. Na sua perspectiva, como a literatura lusófona contribui para a construção de uma narrativa compartilhada entre Brasil e Portugal?
Dr. Antônio :A literatura é um espelho de quem somos e do que desejamos ser. Brasil e Portugal, apesar das suas diferenças históricas, partilham uma herança simbólica e afetiva que a literatura tem o poder de reinventar. Os escritores lusófonos constroem, em conjunto, uma narrativa de pluralidade, mostrando que a língua é um território comum, capaz de conter todas as geografias.
Lu: Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para leitores, autores e estudantes que participam da Fliporto, especialmente nesta edição internacional?
Dr. Antônio :Quero dizer-lhes que a Fliporto é mais do que um festival: é uma celebração da imaginação e da palavra. Ler é um ato de resistência, escrever é um gesto de esperança. Nesta edição internacional, convido todos a reconhecerem-se uns nos outros através da língua que nos une. Que continuemos a falar, a criar e a sonhar em português.
Lu: Dr. Antônio, obrigada pela generosidade e profundidade de suas reflexões, e à Fliporto, por seguir inspirando leitores e escritores a atravessarem fronteiras com o poder da literatura.
- Amélia Dalomba , Avelina Ferraz (Organizadora da Fliporto Porto) , Antônio Campos – Escritor e Fundador da Fliporto em Pernambuco em 2005 , Olinda Beja (escritora de Porto Príncipe) e Lucinda Marques Editora Imeph (Ce).
- Dulce Gomes, consul-geral de Angola; Olinda Beja; Alexandre Faria; Antônio Campos; Amélia Dalomba; José Manuel Diogo;Ígor Lopes; Avelina Ferraz; e Ivo Furtado





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