Cyria Coentro voltou a se destacar na TV como a sertaneja Piedade, da novela Velho Chico, da Rede Globo. Em um bate papo exclusivo, a atriz baiana fala sobre a composição da personagem, a paixão por poesia, o início da carreira e o monólogo Love.
NJ: Cyria, você sempre quis ser atriz ou tinha outros planos?
Cyria: Desde os 7 anos comecei minha carreira com as amigas do prédio em que morava, fazíamos teatro, números de dança, dublagem, produzíamos tudo, figurino, trilha sonora e ingressos que vendíamos para os moradores. Sempre desejei ser artista.
NJ: Quais lembranças guarda do espetáculo “Los Catedrásticos”? Foi ali que tudo começou?
Cyria: Foi o começo de tudo. Em 1989. Posso dizer que foi o primeiro espetáculo profissional pois me profissionalizei em cena. Primeira vez que subi no palco para grandes plateias. Era apenas uma aluna da escola de teatro. Los Catedrásticos é a minha casa artística. Aprendi quase tudo que eu sei nesses anos todos de convivência com esse grupo, que até hoje, graças a Deus, ainda faz parte da minha vida. Há 27 anos nos divertimos e trabalhamos juntos. Somos grandes amigos, irmãos. Eu, Jackson Costa, Ricardo Bittencourt e Maria Menezes.
NJ: Você já interpretou várias mulheres sofridas. Prefere o drama ou a comédia? Recorre a memórias afetivas para conseguir chorar com tanta facilidade?
Cyria: Eu amo os dois, mas sei que tenho mais facilidade com o drama. Não recorro a memórias afetivas porque se for lembrar de alguma coisa minha, vou me desconcentrar do texto e não vou chorar na hora certa. Eu sou uma pessoa muito crédula e na hora de interpretar, acredito que sou aquela pessoa, que vivo naquele lugar e estou sentindo aquilo. Na hora que leio o texto, tem sempre uma palavrinha que é a chave da minha emoção e toda vez que eu falar a palavrinha, já sei que irei me emocionar. Eu desenvolvi a minha própria técnica, que começou com uma facilidade natural. É um mecanismo que aciono e se quiser chorar, eu choro.
NJ: Você disse que é uma pessoa muito crédula. É religiosa?
Cyria: Eu sou espirituosa, mas não sigo nenhuma religião. Tenho muita fé, acredito em coisas do candomblé, em coisas da religião católica, em coisas do espiritismo. Tenho as minhas crenças, tenho fé nas energias, fé nas entidades. Eu não acredito muito é no ser humano que vira um pastor, que vira uma mãe de santo, porque todos nós somos seres humanos e passíveis de erros. Não consigo depositar a minha vida nas mãos daquela pessoa. Então, essa pessoa sou eu mesma, são as forças que eu puxo pra mim, são as boas ações, são os bons fluídos, os bons pensamentos, é isso que me protege. Eu sou espirituosa nesse sentido, mas não sou religiosa porque não pratico nenhuma religião.
NJ: Qual foi a importância do Prêmio Braskem de teatro pela atuação no monólogo “ Love” na sua carreira?
Cyria: “Love” é um manifesto de amor ao amor, ao exercício de amar e se relacionar a dois. Amei ganhar esse prêmio, primeiro porque foi no dia do meu aniversário, literalmente um presente. E depois porque Love é um projeto inteiramente idealizado e realizado por mim, meu primeiro solo, foi uma validação de que o meu discurso contribui, acrescenta, e isso me estimula, me encoraja. Foi um conforto ser premiada por ele.
NJ: Um projeto cujo roteiro foi assinado por Elisa Lucinda, dirigido por Jackson Costa e estrelado tão brilhantemente por Cyria Coentro só poderia ser um sucesso. Conte-nos um pouco sobre a parceria com eles.
Cyria: Minha parceria com Jackson vem de muitos anos. Desde 1988 quando entrei na escola de teatro, participamos de um espetáculo infantil chamado “A Lenda do Piuí”, onde eu fazia o papel da Lua e ele do Sol, antes mesmo do Los Catedrásticos, que começou em 1989 e nos deu uma intensa convivência ao longo de todos esses anos. Elisa também é uma amizade muito antiga, nos conhecemos no início dos anos 90. A admiração sempre foi recíproca, mas nunca havíamos trabalhado juntas.
Love foi um processo fluido, estava rodeada de amigos íntimos, talentosos e muito queridos.
NJ: Por que escolheu o amor como tema do seu primeiro monólogo?
Cyria: É o assunto mais importante da vida e o mais bem retratado pela linguagem poética.
NJ: No palco não há edições e a apresentação tem que ser a mais precisa possível. Isso torna o teatro um desafio maior do que o cinema e a TV?
Cyria: No que tange a exposição, sim. No teatro você tem que ter jogo de cintura para o imponderável, seja ele, um branco (quando o ator esquece o texto), uma queda, a interferência da platéia e por aí vai. Essa presença cênica, como chamamos, é o maior desafio do teatro. Mas, no quesito artístico, são desafios diferentes, em veículos diferentes, e cada um exige diferentes habilidades, apesar de trabalharem com os mesmos instrumentos.
NJ: Qual é a importância da poesia em sua vida?
Cyria: Amo. E há muitos anos sonho em fazer um espetáculo apenas com poesias.
NJ: Como começou a parceria com Jayme Monjardim?
Cyria: Começou em Viver a Vida, em 2010. Fui escalada para o papel e nos conhecemos no estúdio. Deu tudo tão certo que foi naquela ocasião que ele me convidou para fazer o filme “O Tempo e o Vento”, 2012. Dai vieram “Flor do Caribe”, 2013, “Em Familia”, 2014 e “Sete Vidas”, 2015.
NJ: Como foi atuar em “Viver à Vida?”
Cyria: Foi a primeira vez que participei de uma novela inteira. Até aí havia feito apenas participações. Foi quando comecei a ter intimidade com a linguagem e a forma de fazer televisão.
NJ: Como foi viver a mãe do Rei do Baião, uma personagem que oscila entre a doçura da maternidade e a postura firme da matriarca familiar do sertão nordestino, no longa “Gonzaga de Pai Pra Filho”?
Cyria: Essas aparentes contradições enriquecem a personagem e a colocam na dimensão da vida. Na aridez daquela realidade é comum encontrarmos nas personalidades a dureza que reflete a secura da paisagem e a doçura que quer compensá-la. Como toda obra de arte é um recorte, o desafio é saber onde encaixar cada uma dessas características.
E acima de tudo, foi uma grande honra representar a mãe de um artista que eu tanto admiro e amo.
NJ: Você fez parte do elenco de “3 Histórias na Bahia”, filme que reinaugurou a produção do cinema baiano. Qual é a sua opinião sobre a realidade cinematográfica na Bahia?
Cyria: Baiano não nasce, estréia! Já diz o ditado. A Bahia exporta atores para o centro cultural do Brasil, que é o Sudeste. Sinto falta de um pólo cultural efervescente aqui no nosso estado, principalmente em Salvador, que é a capital. Não só na área do cinema, onde a produção local é praticamente inexistente, mas da TV também, temos muito pouco, quase nenhuma dramaturgia local. Falta incentivo. Verba. União dos artistas, produtores, diretores. Sonho com a criação de um centro criativo de integração das artes. Com uma TV que produza mais material local. Com mais projetos para o cinema daqui. Mesmo o teatro que é a vertente que mais produz, ainda fica aquém, na minha opinião, da capacidade do nosso potencial artístico. Lamento bastante essa nossa realidade cultural.
NJ: Em “Sete Vidas” você interpretou a Marlene, que representava as mulheres com mais de 40 anos que, de alguma forma, tinham dificuldade em acreditar no seu poder de sedução. Você sentia essa identificação do público?
Cyria: As crises e questões das mulheres com a idade são universais. E as mulheres tem dois grandes embates hormonais na vida, na adolescência, com a chegada da menstruação, uma avalanche, e na maturidade com a despedida dela e a chegada da menopausa, uma queda brusca. Esse segundo momento é bem delicado para a maioria. O corpo muda, o humor fica bastante instável. Sedução não é a palavra que rege esse momento. A identificação desse público com a Marlene foi inevitável.
NJ: Seu papel mais recente na TV foi a Piedade de “Velho Chico”, mulher sertaneja com perdas difíceis a superar. Como se deu a construção da personagem?
Cyria: Foi muito emblemático e significativo esse convite porque foi o meu reencontro com o diretor Luiz Fernando Carvalho, 23 anos depois. Eu havia trabalhado com ele em Renascer, a minha primeira novela na Globo. Ele propicia aos atores uma preparação nada usual na TV brasileira. Nós tivemos, os atores da primeira fase, dois meses de preparação, com aulas de corpo, voz, prosódia, canto e improvisação. Um luxo. Nesse espaço e período tivemos tempo de pesquisar e experimentar formas e linguagens para construção das nossas personagens. Os atores da segunda fase também tiveram seu período de preparação. Além disso, foi um trabalho representando a minha região, eu estava no meu espaço com um sotaque parecido com o meu. Foi uma experiência incrível! Piedade é uma mulher de fibra que tem o sofrimento nos olhos e a força nas atitudes.
NJ: E a Cyria, de onde busca forças para transpor os obstáculos da vida?
Cyria: No otimismo e no amor. Sou uma pessoa positiva e amorosa. Venço as dificuldades acreditando que a vida sempre dá certo.
NJ: Quem são as suas referências na dramaturgia?
Cyria: Fernanda Montenegro é meu grande exemplo como artista e como pessoa. Amo o talento e o estilo de interpretação dela. E o comportamento no âmbito social, pra mim, é exemplar.
NJ: Qual é a sua opinião sobre a atual política cultural brasileira?
Cyria: Absolutamente ineficaz. O ministério da cultura, que foi tão requisitado de volta, serve a muito poucos. Tenho 28 anos de carreira, participei de mais de trinta espetáculos, nenhum sequer com patrocínio do Ministério da Cultura. As leis de incentivo demandam tanta burocracia que não é coisa de artista. Não favorece. Não facilita. É um país que germina tanto talento. Que fecunda tantos artistas verdadeiramente espetaculares, com uma política cultural tão pobre e limitada. É lamentável e muito triste.
NJ: Qual foi o seu maior desafio como atriz até aqui?
Cyria: Estar sempre atenta para servir à arte e aos personagens e não ao meu ego e vaidade.
NJ: Quais são os cuidados que costuma ter com a saúde e com a alimentação?
Cyria: Sou, atualmente, uma pessoa bastante focada nos cuidados com a saúde. Faço exercícios com certa assiduidade, só não quando a rotina do trabalho não me permite, e tenho o mesmo procedimento quanto à alimentação.
NJ: Como você lida com as críticas?
Cyria: Se a crítica for no espaço da criação, feita pelo diretor, acato sem melindres. Amo ser dirigida e amo o desafio de alterar minha forma para me adequar ao olhar da direção. Esse, pra mim, é o grande deleite dos ensaios. Ajustar. Errar até acertar. Pesquisar, experimentar. Agora, fora isso, sem demagogia, acho bem difícil administrar críticas não favoráveis. É sempre um soco no estômago da vaidade. Mas, não mata, fortalece. E faz evoluir.
NJ: Com as redes sociais, a relação com o público acaba se tornando mais próxima. Como você vê essa nova era digital?
Cyria: É um auxílio luxuoso para divulgação do nosso trabalho. Ferramentas que nos dão mais autonomia e nos deixam menos à mercê dos meios de comunicação, que surrealmente, também não funcionam a favor dos artistas, mas do dinheiro e do poder.
NJ: Você é mais do mar, da terra ou do ar?
Cyria: Amo altura, mas fiquei menos corajosa depois que me tornei mãe, e sou do fogo e das águas, principalmente das águas doces e calmas.
NJ: O que a maternidade mudou na sua vida e como é a sua relação com as duas princesas?
Cyria: Desde o tempo que eu ainda era uma criança, eu já dizia que queria ser mãe. A melhor pessoa que mora em mim é a mãe , meu namorado me diz que eu devia tratar o mundo como eu trato minhas filhas. Eu não sou a melhor mãe do mundo, apesar das minhas filhas me dizerem isso, não acredito, mas consigo ser uma ótima pessoa na função mãe. E elas trouxeram o sentido para minha vida. Acredito que minha arte me revela e me completa, mas o amor que elas me ensinaram a sentir justifica a vida e explica o mundo.
NJ: Tem medo de envelhecer?
Cyria: Tenho a impressão de que tenho mais medo de envelhecer do que de morrer, não tenho certeza de nada porque só comecei a envelhecer agora e nunca morri, mas como já ouvi por aí, não me recordo aonde, é a melhor opção que nós temos. Envelhecer. Então, o que não tem remédio, remediado está. Tento viver a vida sem grandes neuroses. Acho que venho conseguindo.
NJ: Uma característica marcante
Cyria: Intuição
NJ: Uma mania
Cyria: Arrumação
NJ:Uma frase
Cyria: All you need is love
NJ: Um lugar
Cyria: Minha casa
NJ: Uma Música:
Elephant Gun do grupo Beirut
NJ:Cyria Coentro por Cyria Coentro
Cyria: Teimosa, intolerante, egoísta, solidária, justa, corajosa, preguiçosa, porém determinada, vaidosa, mas nem tanto, amorosa, super mãe, feliz, caseira, etc, etc, etc…
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1 Comment
Acacio
28 de outubro de 2016 at 21:10Como sempre,excelente entrevista.
Passei a gostar com mais intensidade da Cyria. Simplicidade e segurança.
É uma atriz que já tive a oportunidade de assisti-la três vezes, maravilha.
Abraçaço!