Ela começou a carreira cantando, mas acabou se tornando atriz. Catarinense de nascimento, escolheu a Bahia como morada e não esconde o seu encantamento pela terra. Confira nosso bate papo exclusivo com a atriz Neusa Borges, que comemora mais de 60 anos de carreira e coleciona personagens marcantes ao longo da sua trajetória artística.
NJ: Neusa, em que momento da vida você decidiu que queria ser artista?
Neusa: Eu estudei com as irmãs Salesianas e naquele tempo a gente era obrigado a cantar. Comecei cantando no coro da Igreja e percebi desde cedo que queria ser artista.
NJ: De onde vem essa paixão pela Bahia e como você veio parar aqui?
Neusa: Em 1969 estive em Salvador para apresentar uma peça no Teatro Castro Alves e foi fantástico! Sempre me disseram que Salvador tinha um colorido diferente, um clima diferente. E eu sempre quis muito conhecer a Bahia porque para mim era um pedaço da África. Era meu sonho e quando cheguei aqui, enlouqueci! Nós ficamos hospedados no SESC e naquele tempo, só tinha mato em volta. O Pelourinho era só mangue, mas já era maravilhoso e eu consegui sentir o colorido da Bahia. A partir dali voltei muitas vezes para apresentações como cantora e como atriz. A Bahia foi entrando na minha mente, nos meus poros. Eu queria muito trazer minha mãe pra cá, mas infelizmente não deu tempo. Com a morte dela, vim pra cá passar 15 dias e nunca mais voltei. Isso já faz mais de 20 anos.
NJ: O que descobriu na regressão?
Neusa: Fiz duas vezes regressão e descobri o meu lado cigano. E ainda tenho isso muito forte. Se quiser brigar comigo é só falar mal de cigano! Por isso deu tão certo quando fiz a cigana Carmen na novela. Tenho muito respeito pelo povo cigano. A cultura é encantadora: o canto, as roupas o povo.
NJ: Qual é a sua religião?
Neusa: Sempre fui espírita kardecista. Mas na Bahia todo mundo é ecumênico rsrs.
NJ: É verdade que você costuma desenhar os seus sonhos?
Neusa: Sim. Porque tem sonhos que transmitem mensagens. Quando percebo que tive um desses sonhos, desenho pra não esquecer.
NJ: Você já passou por alguns sustos em relação a sua saúde, teve a queda do carro alegórico em 2003, o AVC durantes as gravações “Da Vida Da Gente”. Como cuida hoje do corpo e da mente?
Neusa: Eu continuo tomando minha cervejinha estupidamente gelada! rsrs. Eu faço tudo que não posso, mas sou extremamente feliz, amo a vida! Meus amigos brincam que o mundo pode estar caindo na minha cabeça e eu estou sempre sorrindo, graças a Deus!!! Na lavagem do Bonfim do ano passado, me senti mal e fui parar na emergência. Quando saí, ao invés de ir pra casa, fui aproveitar a noite com meus amigos no Porto da Barra. São esses momentos que levamos da vida e eu não me arrependo. A minha mãe já dizia “quando a Neusa morrer, não coloque vela na mão dela, põe um copo de cerveja que ela ressuscita”. Eu já fugi do hospital pra chegar em casa e tomar a minha gelada!
NJ: Como está o coração agora?
Neusa: Tá quietinho, tudo está nas mãos de Deus. Eu acredito no amor, sou pisciana, sou romântica. Mas não venha homem nenhum dizer “você é minha”. Eu não sou de ninguém, sou de Deus. Não vem com esse papo de posse pra cima de mim, não. Casei 09 vezes, mas não fui de marido nenhum.
NJ: Desde criança, sua vida foi pautada em desafios. Qual foi a maior dificuldade que enfrentou em relação a carreira?
Neusa: A Globo me colocou em uma “geladeira” e eu fiquei sem trabalho por 4 anos. Fiquei sem dinheiro até para comprar os meus remédios de pressão. Não podia nem comprar miojo para as minhas filhas comerem. Foi aí que o Jornal Extra fez uma matéria comigo abordando essa dificuldade e fui ao programa da Sônia Abraão. Depois disso, aprendi a poupar, a gente nunca sabe o dia de amanhã. Eles dizem que não tem perfil pra mim, mas entra uma novela atrás da outra, gente nova, gente velha e só pra mim não tem papel. Por quê? Só porque sou negra? É pra se pensar.
NJ: Na sua opinião o preconceito maior é em relação a cor ou a idade? Tenho visto muitos atores brancos, mais velhos, também reclamando da escassez de papéis para eles.
Neusa: Ah meu amor, o preconceito maior é em relação a cor. Porque ficar encostada e ter um contrato milionário com um salário enorme caindo na conta todo mês é uma coisa. Mas ficar sem trabalho e sem salário é outra completamente diferente e foi isso que aconteceu (e ainda acontece) comigo. Tem muito global que reclama com barriga cheia. Podem ficar um tempo fora da TV, mas com contrato e com salário certinho mensal. Minha realidade é outra, preciso trabalhar porque não tenho contrato. Muita gente acha que eu sou contratada da Globo e não sou. Tanto que fiz a participação em Escrava Mãe, da Record. Por isso que fico chateada quando me chamam de atriz global. Não sou global, sou de quem me der oportunidade para trabalhar.
NJ: Como está o seu relacionamento hoje com a emissora?
Neusa: Eu amaciei com a Globo depois da queda do carro alegórico. As pessoas tem mania de dizer que a “Globo é uma mãe” e eu sempre dizia que pra mim ela estava mais para madrasta. Mas depois da queda, ela foi mãe, foi companheira, foi marido, foi tudo. Se hoje eu estou aqui, conversando com você na NOSSA JANELA, foi por causa da Globo. Se não fosse por ela eu podia estar em uma cadeira de rodas, com muletas, sei lá… podia até ter morrido. Eles fizeram tudo, bancaram tudo. Eu tenho hoje uma bacia reconstruída com 22 parafusos, 3 placas, uma prótese na cabeça do fêmur. Fiquei 1 ano e 8 meses de cama, com home care, com enfermeira dia e noite. Tudo pago por eles.
NJ: Por que decidiu processar a Unidos da Tijuca?
Neusa: Eu não ia processar, dizia sempre que foi um acidente, uma fatalidade, uma tragédia. Mas as pessoas falavam muito em processo e a escola colocou uma nota dizendo que minha família queria ganhar dinheiro às custas deles. Aí eu fiquei chateada e realmente processei a Unidos da Tijuca. O carro deles realmente quebrou, já saiu com defeito. Eles disseram que iriam voltar para arrumar, mas não voltaram. Eu sentia dores fortíssimas, de gritar. Hoje, as escolas tomam muito mais cuidado, obedecem às regras, são obrigadas a usar cinto de segurança. Minha recuperação levou 5 anos. Eu ia cair de cabeça e na hora dei uma virada, não sei bem. Só sei que a mão de Deus me segurou. O Ney Latorraca fala isso, o acidente aconteceu bem na frente do camarote dele e ele assistiu tudo. Naquela hora, entrei no túnel e vi a luz. Foi aí que pensei “Seja o que Deus quiser” e soltei o meu corpo. Deve ter sido exatamente nessa hora que o meu corpo virou. Perdi completamente os sentidos. Quando puseram as mãos em mim, gritei e desmaiei de novo. Os atendimentos foram a base da morfina porque as dores eram muito fortes. A Globo mandou buscar de helicóptero o Dr. Pedro Ivo, o melhor ortopedista do país. Ele estava em Búzios, passando o carnaval com a família.
NJ: Depois do acidente você já voltou ao sambódromo?
Neusa: Quando tive o AVC, estava no Rio gravando “A Vida da Gente” e o médico não me deixou viajar para Salvador para passar o carnaval. Então, fui para o Sambódromo acompanhar o desfile das escolas de samba. Fiquei no camarote da Grande Rio.
NJ: Como você enxerga a polêmica criada em torno de “Sexo e as Negas” do Miguel Falabella?
Neusa: O Miguel é o único que dá oportunidade aos negros. Ele e Jayme Monjardim. Era como o Herval Rossano que sempre dizia “Negro tem que brilhar”. O Miguel escreve para negro. Essa série tinha 4 protagonistas negras, 4 mulheres guerreiras, mulheres negras. Tinha tudo para ter outras temporadas e não teve por causa dessa confusão toda. Quem perde com isso somos nós, os negros. Porque os artistas perdem a oportunidade de trabalho e o público, a representatividade.
NJ: Qual importância da Glória Perez na sua trajetória artística?
Neusa: Muitas pessoas achavam que eu era contratada da Glória e se não fosse por ela, eu não teria feito tantas coisas na TV. Eu tenho que agradecer muito a Glória pelo que ela fez por mim. Sem dúvidas, ela é um anjo que Deus colocou na minha vida.
NJ: Além da Glória, mas alguém do meio te estendeu a mão em algum momento?
Neusa: Elymar Santos, Alexandre Pires e Déo Garcês. Essas três pessoas me tiraram do fundo do poço em um dos momentos mais difíceis da minha vida.
NJ: Vamos falar de Escrava Mãe?
Neusa: Ah! Eu adorei fazer a participação em Escrava Mãe! Adorei a casa (Record), as pessoas, foi uma experiência maravilhosa. Escrava Mãe tem duas fases e eu gravei a participação especial na 1ª fase, que foi o navio negreiro chegando ao Brasil. Foi um cartão de visitas fantástico, mas foram poucos capítulos. Essa novela é uma super produção! As roupas, os acessórios, tudo veio de fora. As únicas coisas que foram produzidas aqui foram algumas roupas dos escravos.
NJ: Você costuma assistir seus trabalhos na TV?
Neusa: Não. Eu quase nunca assisto novela, gravo e pronto. Algumas vezes vou assistir muito tempo depois. Inclusive, quando acabo de gravar, eu rasgo o texto. Se precisar gravar a mesma coisa no outro dia, preciso decorar de novo porque eu esqueço logo depois de gravar. Eu estava fazendo isso com alguma coisas da minha vida, foi a maneira que encontrei de superar algumas coisas. Sabe aquela coisa de missão cumprida? Pois é.
NJ: Dentre os inúmeros trabalhos que você já fez na TV, no Cinema e no Teatro, qual mais lhe deixou saudade?
Neusa: Ah, com certeza a “pombajira” da Carmen rsrs
NJ: Como você enxerga o preconceito hoje no Brasil?
Neusa: O Brasil é um país racista. Depois que inventaram o moreno jambo, o pardo e etc, é difícil uma pessoa dizer que é negra. Muito negro quer casar com branco para “clarear a raça”. E isso vem até hoje. O negro perde a cultura, perde a identidade e é preciso acordar pra isso. Eu acho que a pessoa pode usar o cabelo da cor que quiser, alisar, cachear, até colocar peruca. Eu mesma faço isso. Mas o que não quero é perder a minha identidade, as minhas raízes. Eu sei o que meus antepassados passaram e eu pertenço a essa história. Fico chateada com essa negrada sem vergonha que faz pose e diz que o racismo não existe no Brasil. O salário negro é sempre o último da escala.
NJ: Como é a sua relação com o público infantil?
Neusa: Eu já sou uma senhora de idade, já estou “nega velha” rsrs. Mas as crianças me adoram, sempre foi assim, isso me acompanha. Acho que o que deu certo pra mim é que todo trabalho que faço atinge todas as idades. Eu não disputo nada com ninguém, só faço o meu trabalho. E não gosto de artista que tira onda, que come sardinha e arrota caviar. Quando eu comecei, existia um prazer em estar junto, em fazer teste junto. Hoje, a amizade no meio é mais difícil, existe muita concorrência. Os testes são escondidos, camuflados. Tem muita gente que faz pose e diz “na Globo eu trabalho até de graça”. Mas é fácil dizer isso quando se tem papai e mamãe para pagar as contas.
NJ: Como foi a experiência de participar do clip da Maria Gadu da música Dona Cila? Como surgiu o convite?
Neusa: Ah foi muita choradeira. A música é linda, o clip é lindo e tinha uma história por trás de tudo. A avó da Gadu era minha fã e por causa disso ela já tinha um enorme carinho por mim. Aquela cena que ela se pintava de preto aconteceu de verdade, ela fez muito isso na infância porque queria se parecer mais com a avó, que era negra. Eu participei do clip a convite dela, como uma homenagem à avó. Tenho certeza que aonde ela estiver, ficou muito emocionada.
NJ: Como surgiu a ideia de montar o Brechó Canto De La Borges?
Neusa: Na verdade a loja é da minha filha, a Ondina. Eu recebi a indenização do carro alegórico e decidi comprar um canto pra eu não depender mais de aluguel. Então, comprei o apartamento que eu moro e uma casinha para minha outra filha que mora no Rio. Além disso, coloquei essa loja para Ondina, pra ser o sustento dela e do filho. Nos meus tempos de cantora, ganhei por dois anos seguidos o título de mais elegante e as minhas roupas eram todas de brechó. Mas eu não queria montar um brechó de quinquilharia. Queria montar um espaço com roupas novas e semi novas, roupas finas, e é o que venho fazendo ao longo desses 4 anos. Não é todo mundo que pode comprar roupa em shopping e aqui eu vendo 3x mais barato que lá. Foi a minha maneira de fazer algo pelas pessoas dessa terra que me recebeu tão bem.
NJ: Um sonho
Neusa: Conseguir trabalhar e me sustentar do meu trabalho, sem essa coisa de “não tem perfil pra você”.
NJ: Um lugar
Neusa: Bahia. A Bahia é o ar que eu respiro, o lugar que escolhi para viver.
NJ: Neusa Borges por Neusa Borges
Neusa: A Neusa resume tudo: A Neusa mãe, a Neusa artista, a maluquice rs. Ela é tudo. E ela sou eu. Eu sou a Neusa Borges, a nega Borges. Não tenho papas na língua.
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6 Comments
Dalia Leal
8 de novembro de 2016 at 21:43Neusa Borges é grande exemplo de simplicidade!
Atriz mto competente e sempre foi brilhante em todas as suas atuações!
Que maravilha que conseguiu recuperar-se após aquele terrivel acidente.
Eu diria q hoje ela é mais baiana q catarinense, rsrsrs
Luciana Leal parabéns pela perfeita entrevista! que bela galeria de fotos!♥★
Paulo Sergio Ribeiro
8 de novembro de 2016 at 22:07Há mto tempo acompanho os trabalhos de Neusa Borges!
Talento lhe é peculiar!
Gostei mto da entrevista e fotos! Parabéns Lu!
Maria Do Carmo Bita
9 de novembro de 2016 at 06:02Talentosa,amo seu trabalho.Deus lhe proteja!
Vanusa Kamphorst
9 de novembro de 2016 at 06:02Nossa ela é uma mulher incrível, sou super fã. Um bju para as 2
Lúcia Lima
10 de novembro de 2016 at 20:13Muito legal Lulú!!!
A Neusa é uma atriz determinada, alegre, guerreira. Tem muito do nosso povo, por isso se identifica com os baianos.
A sua trajetória artística sempre foi marcada por papéis fortes, alegres, carismáticos.
Só temos que agradecê-la pelo carinho que tem pela Bahia e de modo especial por nossa gente que também tem motivos para aplaudi-la quer na TV ou no teatro.
Obrigada por mais um trabalho de qualidade.
Eliete Britto
17 de janeiro de 2017 at 20:28Uma atriz maravilhosa ,dotada de um talento fantástico ,acompanho e admiro sua profissão como atriz, como pessoa é excelente amiga de todos! Mora em Salvador é muito abordada pelos fãs! Talento não lhe falta, saudades de vê-la na TV !