Ele está lotando o Teatro dos Quatro, no Rio de Janeiro ao lado de Antônio Pitanga com o espetáculo “Filho do Pai” e ainda hoje é lembrado pelo personagem Pescoço, da novela “Salve Jorge”, da Rede Globo. Batalhador e devoto, não tem dúvidas que São Jorge o ajuda a vencer os dragões do cotidiano. Foi com muita alegria, espontaneidade, carinho e bom humor que o ator e comediante Nando Cunha nos recebeu em seu camarim para um bate-papo super animado.
SNJ: Nando, você está em cartaz com “Filho do Pai” no Shopping da Gávea. Como define o espetáculo?
Nando: É um espetáculo minimalista e dramático que explora o conflito entre pai e filho. Trata-se de um relacionamento universal e bem complicado.
SNJ: Conte-nos um pouco sobre o texto.
Nando: O texto de Mauricio Witzac é bem denso e rico nos diálogos. A encenação flerta com a metalinguagem, na medida em que o cenário proposto é o próprio palco de um teatro onde o filho está ensaiando a peça Hamlet. Ele faz um paralelo com o universo de Hamlet para contar a história. O espectador não sabe se o diálogo é com Hamlet ou com o pai.
SNJ: Como funciona a parceria com Antônio Pitanga no palco?
Nando: Dividir cena com Pitanga é um privilégio, uma honra e um orgulho muito grande. Ele é um ícone do cinema e do teatro, um artista completo, uma figura extremamente generosa e sábia. Está sendo um aprendizado diário trabalhar com ele.
SNJ: Além de ser um momento para apreciar a arte cênica, com quais sensações espera que o público saia do teatro após assistir ao espetáculo?
Nando: Quando realizamos um trabalho pensamos sempre em tocar a pessoa através dele. A arte tem essa função de transformar, de fazer com que a pessoa entre de um jeito e saia de outro. Nossa arte sempre teve e sempre terá um papel transformador na sociedade. Apesar de alguns setores da sociedade nos demonizar, sempre seremos e sempre nos faremos necessários.
SNJ: Quais são as principais dificuldades de fazer teatro hoje no país?
Nando: Hoje a dificuldade maior é de fazermos a sociedade acreditar que somos cidadãos dignos e trabalhadores e não um bando de maconheiros. É claro que a dificuldade financeira também pesa, mas não posso deixar de alertar que a partir do momento que começaram a demonizar a classe artística, o público passou a se afastar mais do teatro e essa também é uma dificuldade séria.
SNJ: Qual personagem mais lhe deixou saudade e por qual motivo?
Nando: Acho que todos deixaram um pouco de saudade pois cada um tem uma história, uma época, um momento.
Dizer que a gente estava “mamando nas tetas do governo” é não entender como funciona a Lei Rouanet e o quanto esses incentivos são importantes para manter viva a cultura no nosso país.
SNJ: Um dos seus personagens mais marcantes foi o “Pescoço” de “Salve Jorge”. Quando leu a sinopse já esperava toda aquela repercussão?
Nando: Aconteceu uma coisa curiosa, o personagem da sinopse não era aquele, era um encanador do Alemão que ia ter um problema nos rins. Só fui saber do Pescoço no meio do processo e fui construindo o personagem durante a novela. Ele significou muito, abriu portas. Sou muito grato ao diretor Marcos Schetmam e a Glória Perez pela oportunidade, generosidade e confiança.
SNJ: Como enxerga a política cultural brasileira e os incentivos destinados à arte no nosso país?
Nando: São importantes todos os incentivos apesar da desinformação que foi espalhada na época das eleições. Dizer que a gente estava “mamando nas tetas do governo” é não entender como funciona a Lei Rouanet e o quanto esses incentivos são importantes para manter viva a cultura no nosso país. A nossa política cultural está muito ameaçada com essa política conservadora da extrema direita que entrou. Mas a arte resistiu até mesmo dentro das ditaduras e vai continuar resistindo. Quem gosta de teatro vai continuar indo ao teatro, quem gosta de cinema vai continuar indo ao cinema. O mais difícil será fazer arte, mas como a gente sempre resistiu com firmeza, acredito e tenho esperança que isso não será um problema para nós. Foi na diversidade que a gente mais criou e foi nela que a cultura mais cresceu. A gente sempre sobreviveu e vai sobreviver a mais essa.
O que tem que mudar é a visão dos realizadores e dos autores que precisam entender que a única diferença entre o ator branco e o ator negro é a oportunidade. A arte não tem cor, não tem gênero. Arte é arte.
SNJ: Como você avalia a dificuldade do reconhecimento multirracial por parte da dramaturgia?
Nando: O reconhecimento multirracial por parte da dramaturgia é muito ruim, quase todas as produções no país são brancas, eles querem clarear o quanto podem. A partir do momento que todos os produtores, diretores e realizadores passarem a nos enxergar como atores e não como atores negros, será mais fácil e teremos mais oportunidades. A dificuldade vem porque nos olham como atores negros e nos dão aqueles papéis estereótipos de sempre. Por isso o que tem que mudar é a visão dos realizadores e dos autores. Eles precisam entender que a única diferença entre o ator branco e o ator negro é a oportunidade. A arte não tem cor, não tem gênero. Arte é arte.
Essa peça que estou fazendo no teatro da Gávea é uma realização minha, produção minha. E um negro colocar uma peça dentro de um shopping de elite, com recursos próprios e sem nenhum patrocínio, já é uma vitória.
SNJ: Como avalia a sua trajetória artística?
Nando: Eu sou um cara negro que veio do subúrbio e conseguiu conquistar tudo que tem hoje. Eu tenho um apartamento próprio conquistado através da minha carreira, da minha arte. Eu me considero um vencedor. Essa peça que estou fazendo no teatro da Gávea é uma realização minha, produção minha. E um negro colocar uma peça dentro de um shopping de elite, com recursos próprios e sem nenhum patrocínio já é uma vitória. Olhando pra trás, analisando tudo que passei, vejo que combati um bom combate e continuo combatendo. Nunca desisti. Sou um vencedor!
SNJ: Você declarou que viver Grande Otelo foi uma honra. Ele foi uma referência no início da sua carreira?
Nando: Grande Otelo sempre foi uma referência para mim. Ele era um gênio que não foi valorizado como deveria. Foi muito discriminado, mas mesmo assim, conseguiu vencer barreiras. Foi um ator versátil, fazia tanto humor quanto drama, era bom tanto no cinema quanto no teatro.
SNJ: Seu carinho com as crianças é notório. Inclusive, minha filha Nina está encantada com você desde que chegou aqui no camarim. Como é a sua relação com Davi e o que a paternidade mudou na sua vida?
Nando: Minha relação com crianças sempre foi a melhor possível, inclusive sempre fui ligado aos meus sobrinhos. Mas minha visão mudou após a chegada do meu filho Davi. A gente é tomado por um amor que não tem tamanho e a gente vai entendendo a criança verdadeiramente. Mas o mais importante foi o amor. É um sentimento inexplicável, maior que a gente e maior que tudo. Eu realmente fiquei bem emocionado com a chegada dele e o meu olhar para o mundo hoje é outro, graças a ele.
SNJ: Qual é a importância do Samba para você?
Nando: Eu gosto de outros estilos de música também, mas com o samba tenho uma ligação bem forte, talvez por causa da minha ancestralidade. É um gênero musical que influenciou muito os outros gêneros e tem uma importância muito grande pra mim por falar da nossa alma.
SNJ: O que o deixa verdadeiramente emocionado?
Nando: Muitas coisas me deixam emocionado. Principalmente a verdade, as pessoas verdadeiras. O sentimento verdadeiro é uma das coisas que mais me deixa emocionado na vida.
SNJ: Como nasceu a devoção por São Jorge?
Nando: A devoção por São Jorge é uma coisa hereditária porque meu avô nasceu no dia 23 de abril (dia de São Jorge) e era devoto. Essa devoção foi passada pra minha mãe e posteriormente para mim. Então, desde o meu primeiro trabalho como ator passei a fazer uma feijoada para agradecer a ele e não parei mais. A feijoada é realizada todo dia 23 de abril em homenagem ao Santo Guerreiro. Já acontece há mais de 15 anos e ele me ajuda a vencer os dragões do dia a dia, o racismo, as dificuldades que a gente enfrenta na carreira e tantas outras. A gente realmente mata um leão por dia e só com ele pra conseguir seguir em frente.
SNJ: Daqui a 100 anos, quando alguém pensar em Nando Cunha, como gostaria de ser lembrado?
Nando: Gostaria de ser lembrado como um cara que resistiu, lutou muito e foi um realizador.
SNJ: O que diria para os atores que estão iniciando a carreira? Talento basta?
Nando: Não basta. Além do talento é preciso dedicação e persistência. Tem que estudar muito e não desistir.
SNJ: Um sonho
Nando: Transformar pessoas através da minha arte, como ela me transformou.
SNJ: Nando Cunha por Nando Cunha
Nando: Nando Cunha, um operário da arte.
SINOPSE
No palco é revelado o encontro entre um pai e seu filho, que está ensaiando a peça Hamlet e, a partir desse encontro constrangedor entre pai e filho, que nitidamente parecem dois estranhos, é estabelecido um duelo de palavras, que aos poucos vai desvendando a tensa relação entre eles. Um passado sombrio e diversos conflitos mal resolvidos vêm à tona.
Além de mergulhar no mais profundo e íntimo dessa relação parental e revelar o quanto o amor pode ser assombroso ou libertador, o texto faz uma homenagem a um dos principais personagens da dramaturgia mundial: Hamlet.
SERVIÇO
FILHO DO PAI
Teatro dos Quatro
Temporada: De 06 de novembro a 05 de dezembro
Terças e quartas às 21:00
FICHA TÉCNICA
Elenco: Nando Cunha e Antônio Pitanga
Autor: Mauricio Witczak
Direção: Clarissa Kahane
Produção Executiva: Rafael Braga
Direção de Produção: Simone Nascimento
Stand In: Marcelo Capobiango
Iluminador: Aurélio de Simoni
Direção Musical: Isabela Vicarpi
Cenário e Figurino: Desirée Bastos
Assistente de Direção: Rose Lima
Assistente de Produção: Priscila Gomes
Transporte: Reinaldo Cunha dos Santos
Catering: Luciene Santos
Mídias Sociais: Letícia Bueno
Realização: Criamos Produções e NC Produções
3 Comments
Dalia Leal
3 de dezembro de 2018 at 16:40“A gente realmente mata um leão p dia e só c ele p conseguir chegar em frente”. Amei essa referência ao São Jorge guerreiro q coloca os inimigos encarnados e desencarnados debaixo das patas do seu fiel ginete! Nando Cunha ainda chegará mto longe, pois a fé transporta obstáculos!
Parabéns Luciana Leal pela entrevista! Parabéns tbém pela galeria de fotos! vendo aí sua princesinha comendo ameixa e entrando no clima e se dando bem na coxia!☀️🌜🌟👏👏👏
Antônio Carlos
5 de dezembro de 2018 at 12:15Parabéns por mais uma linda matéria, de grande qualidade. Que Deus lhe abençoe e lumine sempre, para que possamos compartilhar de outras matérias iguais a essa. Um beijo para Nina.
Erotildes
5 de dezembro de 2018 at 12:17Lu, você é uma excelente repórter, suas matérias são maravilhosas. Está no caminho certo. Parabéns!!