Joe Arthuso

Joe Arthuso

Ele descobriu a paixão pela escrita quando viveu em Itabira e conheceu de perto a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Recentemente teve um livro de poemas publicado pela Editora Penalux: “A Besta Essência”, onde narra de forma poética a luta diária contra os próprios impulsos, vícios e fraquezas. É com o poeta Joe Arthuso que conversamos agora.

NJ: Joe, como nasceu a paixão pela escrita?

Joe:  Acredito que tenha sido junto com a alfabetização. Minha mãe é professora, e antes mesmo que eu entrasse para escola, ela comprometeu-se a ensinar-me a ler e a escrever.  Seu método de alfabetização era bem didático. Uma mistura de solavancos e puxões de orelhas acompanhados de afetivos gritos maternos: “Presta atenção, menino!” Porém, ao final de cada dia, com intuito de aperfeiçoar minha caligrafia e gramática, ela pedia que eu escrevesse pequenos contos sobre meu cotidiano em um caderno de capa dura azul.  Acredito que ali ingressei na literatura brasileira: escrevendo sobre jogos de biroscas, cabeças de pombos enterradas e análises táticas da pelada do bairro.

NJ: Qual é a importância de Carlos Drummond de Andrade na sua formação como escritor?

Joe: Na adolescência, morando em Itabira, íamos depois da aula na fazenda do Pontal (onde Drummond foi criado) para fumar uns cigarros escondidos e contemplar a paisagem. Lá, além de ganhar um odor de Marlboro, fui ficando mais familiarizado com sua literatura. Posso dizer que Drummond foi o total responsável por eu ter virado poeta.  Com ele, apreendi que a poesia é uma forma escatológica de refletir sobre a realidade de uma época. O habito de fumar cigarros e escrever poemas tem muito em comum: os dois são cancerígenos, e libertadores.

NJ: Como funciona o seu processo criativo e de onde busca inspiração para os seus poemas?

Joe: Não sei se tenho um processo criativo. Gosto de escrever poemas porque é algo muito visceral. Quando vejo algo belo ou trágico os versos já começam a ser esquematizados dentro da minha cabeça. É como uma patologia que só precisa de alguns gatilhos para apresentar seus sinais e sintomas. Acredito que todo bom poeta tem um transtorno obsessivo-compulsivo.

NJ: A autocrítica interfere na criatividade?

Joe: Interfere positivamente.  O autor é seu primeiro leitor e crítico. A sua autocrítica deve estar bastante alinhada com sua linguagem literária, seus objetivos e sua visão de mundo.  Eu apago poemas todos os dias, rasgo folhas, rabisco parágrafos inteiros de um conto. “Escrever é a arte de cortar palavras.” Quem disse isso mesmo? aposto que sabia o que estava dizendo!

NJ: Por que escolheu “ A Besta Essência” como título do seu livro de poemas?

Joe: Eu estava pesquisando muito sobre a palavra abstinência. Queria uma obra que refletisse sobre desejos e  abstenção dos mesmos. Meu intuito nesse livro era narrar de formar poética minha luta diária contra meus impulsos, meus vícios, minhas fraquezas; enfim, as minhas tragédias humanas. Pensando nisso, fiz um trocadilho: Abstinência, a Besta Essência. É preciso se bestificar ao máximo para chegar a verdadeira essência.

NJ: Depois de dois anos de postagens diárias e mais de 600 poesias, seu livro foi publicado. O que o levou a esperar todo esse tempo?

Joe: Eu sempre fui um escritor  de internet. Lembro que com 15 anos eu lancei um blog com o titulo “Nossa Poesia de Cada Dia”. Depois tive páginas  de poemas no Orkut e Facebook. Mandava poemas para todas as revistas digitais de literatura que eu descobria. Era só um garoto com um Windows 95, com acesso a uma banda larga discada da IG, e uma enorme vontade de expor  o que eu escrevia. Não pensava em publicar um livro porque não conhecia ninguém que havia publicado, não existia referências ou incentivos. Eu achava que livros eram para os clássicos. Caras como Ginsberg, Pessoa, Álvares de Azevedo, Drummond e etc.  Certo dia comecei a trocar mensagens com o escritor baiano Matheus Peleteiro. Tivemos uma afinidade em estilos literários. Ele foi o grande incentivador de “A Besta Essência” ter virado um livro. A culpa é dele!

NJ: Como você avalia a era digital? Meios eletrônicos são uma forma de divulgação moderna que ameaça o livro impresso?

Joe: Eu cresci acompanhando toda essa evolução. Tive a experiência de viver sem a era digital e, agora, onde já podemos observar uma saturação do acesso. Eu não sou nenhum profeta  do Apocalipse vestido de saco vegetal, com sandálias jesuítas e usando uma máscara do Zygmunt Bauman. Acho que o livro impresso está sendo ameaçado pela preguiça, pelo comodismo e pelo consumo exagerado. Se dez por cento da sociedade tivesse lido e entendido Thoreau, teríamos um mundo melhor para viver.  Ultimamente tenho parado para analisar a eficácia dos meios eletrônicos como forma de divulgação de literatura. Na internet tudo pede uma velocidade e  praticidade irreal. Com isso, surgiu uma nova forma de linguagem: a literatura fast food, ou lacradora. E onde tem produto, tem mercado. As pessoas querem versos bonitinhos e de fácil reflexão para compartilhar em suas redes sociais e ganhar uns likes.

NJ: Em um dos seus poemas você diz que “paredes brancas são o espelho dos meus olhos”. Por quê?

Joe: É uma tentativa de não afirmação.  Paredes brancas ou folhas brancas têm inúmeras possibilidades de serem preenchidas com ideias e arte. Eu quero refletir algo novo todos os dias.

NJ: Qual a sua opinião sobre os audiobooks?

Joe: É algo que está sendo muito discutido nos últimos tempos. Eu pesquisei muito sobre a melhor forma de utilizar sem que atrapalhasse no processo de absorver o que eu estava lendo.  Eu tenho uma grande demanda de leitura de artigos científicos, livros, jornais e revistas que me auxiliam em minha formação acadêmica. Os audiobooks surgiram como uma alternativa para ajudar com a correria do cotidiano. Uma dica que eu dou é ouvir enquanto pratica exercícios que não necessitam de muita atenção cognitiva ou motora. Eu acordo cedo e vou caminhar ouvindo algum  audiobook ou podcast.

NJ: Qual era a visão que tinha do Brasil quando começou a fazer poesia? Essa opinião se modificou ou continua a mesma?

Joe: Posso dizer que quando eu comecei a escrever poesia minha visão  sobre o Brasil era parecida com as ideias de Vladimir Maiakovski, hoje está mais para Roberto Piva  (risos).  Gosto do Brasil. É um palco propício para uma grande obra literária. Lembra muito “Os miseráveis” de Victor Hugo.

NJ: Entre todos os seus poemas, qual trecho melhor retrataria seu momento atual?

Joe: No meio da trilha,
quando volto da capinada,
deixo aberto uma armadilha.
Sem que eu perceba
a contradição
das mãos calejadas,
capturo a mim mesmo.

NJ: Cite dois ou três poetas brasileiros que você considera bons.

Joe: Joe Arthuso, Alvares de Azevedo e Carlos Drummond de Andrade .

NJ: Jaime Rocha declarou que “o olhar do poeta é o primeiro e o último possível”. Como interpretaria esse argumento? Concorda com o poeta?

Joe: Acho que não! O olhar do poeta  não é o primeiro e nem o último, ele é apenas único.  Um trabalhador na janela do ônibus é só um trabalhador.  Um trabalhador na janela do ônibus com uma ideia na cabeça é um poeta.

NJ: Você declarou que gosta da poesia que é pouco lida. Por quê?

Joe: Não gosto de medidas quantitativas para dar credibilidade a literatura. Tem um poeta, cantor e andarilho daqui de Minas que tem uma canção que diz: “Isso é só para loucos, isso é só para os raros, caretas não.”  Quem você conhece que já leu Carl Solomon? o fato de não ser muito lido, não retira o fato de ele ser o maior poeta dos beats.

NJ: O que o deixa mais feliz?

Joe: Tomar um vinho e escutar um disco, rodeado dos meus cães.

NJ: Quais são as lições que você tem aprendido ultimamente e o que gostaria de aprender mais?

Joe: Beber menos,  praticar exercícios,  ser mais presente com a família, ouvir mais as pessoas. Gostaria de apreender a meditar melhor!

NJ: Uma frase

Joe: “Viver e mudar as coisas me interessa mais!”

NJ: Um sonho

Joe: Uma casa no campo.

NJ: Um lugar

Joe: Ipoema, Minas Gerais.

NJ: Um livro que gostaria de ter escrito

Joe: “Misto Quente”,  Charles Bukowski .

NJ: Uma música que o faz sorrir

Joe: “Dia Lindo”, Terno Rei.

NJ: Uma saudade

Joe: Meu cachorro, Salvador.

NJ: Joe Arthuso por Joe Arthuso

Joe: Apenas um rapaz latino americano.

NJ: Joe, muito obrigada por participar da Nossa Janela.

Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

2 Comments

  1. Avatar
    Dalia Leal
    23 de julho de 2019 at 14:53 Reply

    Excelente entrevista c Joe Arthuso! e vc Luciana Leal parabéns pela matéria! amei! 👏☀️🌜🌟💋❤

  2. Avatar
    Matheus Peleteiro
    12 de agosto de 2019 at 14:52 Reply

    Joe possui uma sensibilidade incrível, e sua poesia é uma das mais potentes que já tive contato. Um prazer ler um pouco mais sobre aqui no portal!

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