Foto: Adeloya Magnoni
A paixão pela arte começou ainda criança ao ensaiar números de dança, música e teatro para apresentar aos velhinhos do Abrigo Dom Pedro. Ganhou projeção nacional ao interpretar o personagem Sete Voltas na novela “Gabriela”, da Rede Globo. Desde 2006 faz parte da Cia de Teatro Gente e se prepara para estreia da peça “Balada de um Palhaço”, em setembro. Conversamos com o ator, professor, diretor e produtor Everton Machado sobre história, arte, apropriação cultural e sua trajetória artística.
NJ: Everton, quando e como foi o se primeiro contato com a arte?
Everton: Acho que aos seis ou sete anos. Eu fazia parte do grupo de jovens da minha rua que coletava alimentos, produtos de higiene pessoal e presentes para os velhinhos do Abrigo Dom Pedro, na Cidade Baixa. Sempre ensaiávamos uma peça teatral, um número de música ou dança para fazer a felicidade naqueles dias de visita. Os velhinhos amavam e nós também.
NJ: Você é ator, professor, diretor e produtor. Como se dá a articulação nessas diferentes esferas de atuação?
Everton: Na verdade todas elas dialogam, pois, todas as funções se encontram no fazer teatral. O fato de eu agregar essas funções no meu labor venho pela necessidade do fazer, para mostrar o meu trabalho ao público e as pessoas que trabalham com teatro. Foi a forma que encontrei de existir, de ser visto e de fazer acontecer. Faço parte da Cia de Teatro Gente, e desde 2006 comecei a me envolver em outras funções além da de ator com o objetivo de fazer acontecer. De 2006 até agora estamos ativos e produzindo na cena baiana.
NJ: Como analisa a política cultural brasileira?
Everton: O cenário não é dos melhores. Vivemos a era do “NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM”, do “JUNTOS SOMOS MAIS FORTES”. O que podemos perceber em meio às notícias de cortes, contingenciamentos, extinção de órgãos, esfacelamento das estruturas e da manipulação das instituições é que não temos uma política cultural brasileira. Aliás, nesse atual governo parece que a principal política cultural é mesmo não tê-la. Marginais ignorantes assaltaram o poder desde sempre aqui no Brasil. As poucas conquistas que vislumbramos foram em meses destruídas… então nunca houve de fato conquista. O Brasil precisa de política de Estado para que de governo em governo elas se fortaleçam (mas isso é conversa para um futuro). Agora a lei e a ordem precisam ser a retomada da soberania nacional e a prisão dos abutres invasores da Pátria Amada Brasil.
NJ: Como a oportunidade de interpretar Lucas Dantas o transformou como ator e professor?
Everton: Em primeiro lugar, essa oportunidade me transformou como ser humano, inclusive, falo disso na introdução da minha futura (risos) tese de doutorado. A oportunidade que tive em interpretar este grande homem que viveu aqui em Salvador foi um divisor de águas na minha vida. Sou grato a Gideon Rosa e ao diretor Paulo Dourado pelo convite. Na época, aos meus vinte e sete anos não sabia o que tinha acontecido aqui na cidade no ano de 1798, tão pouco o que a Igreja e a rainha de Portugal realizaram no ano seguinte (1799): a conspiração dos alfaiates. Sendo eu formado professor, concursado há um ano pelo Estado e prestes a iniciar o mestrado pela pós Graduação em Artes Cênicas da UFBA (que tinha por tema a Revolta dos Malês) não sabia dessa história. Por que? Por quem? decidi que dali por diante onde me fizesse presente ressoaria essa descoberta e assim surgiu a dissertação de mestrado com o tema: Lucas Dantas – um herói de Búzios: A pedagogia do ensino do Teatro em cumprimento à Lei 11.645/08 (Clique AQUI). Hoje, dou continuidade aos estudos no doutorado pela pós graduação em Educação da UFBA, pensando Búzios como uma metodologia de Ensino do teatro em cruzamento com a história da luta do negro prol libertação na Bahia. Interpretar Lucas Dantas foi um chamado ancestral!
NJ: Como você explica o enforcamento de Tiradentes ser tão valorizado enquanto os negros enforcados no movimento da Revolta de Búzios mal são citados?
Everton: Acho que a própria pergunta já traz a resposta. Aqui na Bahia, na Praça da Piedade em Salvador, após passarem pela Igreja da Piedade e terem a benção de Deus, os quatro heróis de Búzios foram enforcados em praça pública, espetáculo a céu aberto, acreditava-se, em nome de Deus. Enforcaram, esquartejaram seus corpos e os penduraram aos pedaços como mensagem para que negro mais nenhum ousasse se rebelar. Na pergunta você diz qual a cor de Tiradentes? era negro? (risos). Não. Ele não era socialmente visto ou entendido como negro. Perfeito para a imagem de um herói. Só que não. Justiça aos poucos sendo feita, um salve a nossa honrada ex Presidenta Dilma Rousseff que sancionou a Lei que os tornou heróis da Pátria.
NJ: Em sua opinião, quando uma pessoa branca se apropria efetivamente de um elemento da cultura afro? Insistir na ideia de apropriação, de alguma forma pode reforçar uma separação de raças?
Everton: Olha, essa coisa da apropriação, realmente existe. Mas ela não é individual e sim estrutural. Não é que exista uma censura cultural onde negros não utilizam elementos na cultura branca e vice-versa, eu entendo a reflexão por outro ângulo. A denúncia é sobre a tentativa estrutural, capitalista de silenciamento da cultura, é a negação da própria história. Um exemplo clássico de apropriação aqui em Salvador é o ofício da baiana de acarajé. Muitas evangélicas vendo que o comércio é forte instituíram suas bancadas de acarajé, porém para justificar socialmente o seu labor, tentaram ressignificar o bolinho de feijão frito no azeite, prato da Orixá Oyá (popularmente conhecida por Iansã) e resolveram chamar de bolinho de Jesus, ora veja… isso é apropriação cultural sim! indevida. Não é separação. É respeito.
NJ: Como você avalia as conquistas do movimento negro na Bahia e no Brasil?
Everton: Recentemente tivemos uma grande vitória coletiva aqui em Salvador, no caso da Escola de Teatro da UFBA que está em construção de um Termo de Conduta Antirracista para a Universidade, haja vista as ações políticas do Coletivo Dandara Gusmão. Ao passo que as redes sociais se apressaram para enforcar em praça pública os estudantes, todos negros, do coletivo, a EAUFBA deu uma lição de educação e pedagogia. Pois o problema do racismo não é um problema nosso, dos negros. O problema do racismo é uma esquizofrenia do branco, um distúrbio, algo a ser estudado amplamente e exposto para que este equívoco de supremacia humana se extinga. De todo modo, os índices assustam. As vitórias são importantes e comemoradas, mas genocídio negro é ligeiro e silencioso. Ao passo que grita!
NJ: Qual é a sua análise sobre o sistema de cotas nas universidades?
Everton: Importante. Estou no doutorado pelas cotas, inclusive aprovado após recurso. Lá, no doutorado, vejo o quão é importante a minha presença e o quanto esse espaço me enriquece ao tempo que eu me torno parte da sua construção. E a quantos irmãos por décadas
foram negados os espaços? Quantos? ora, discutir e pensar sobre o fim de uma política como essa é, por si, um ato de racismo… O chato desse mimimi é que na conversa parece “ nhenhenhe” mas na real quem está morrendo aos montes são os de melanina acentuada.
NJ: Quais são as lembranças que guarda do seu trabalho na novela “Gabriela”, da Rede Globo?
Everton: Lembranças muito boas. Primeiro foi um momento de guinada na minha vida, onde meu trabalho passou a ganhar projeção nacional e é muito bom evidenciar que com trabalho e dedicação podemos muito. Conviver por oito meses entre artistas consagrados, entre cafés da manhã com as rainhas Laura Cardoso e Neusa Maria Faro, o riso solto no set com Clara Paixão, Juliana Paes, Mateus Solano, Humberto Martins… sim, um trabalho de muito aprendizado.
NJ: Há um provérbio árabe que diz que adversidades são grandes oportunidades. Como você lida com as adversidades que aparecem no seu caminho?
Everton: Elas são a oportunidade divina de crescimento pessoal e espiritual. Eu topo! e aceito todas de bom grado. Procuro ir para cima e resolver.
NJ: Em sua opinião, a arte pode funcionar como uma válvula de escape para manter um maior equilíbrio emocional tanto daqueles que a consomem quanto dos que a produzem?
Everton: Total. Para mim que faço, tenho sessões de cura garantidas. O teatro é psicólogo e psiquiatra (risos). Cada personagem nos dá esse prazer, da reverberação do sentir e da expurgação das energias densas. Teatro é vida para quem vê e para quem faz. Aliás, num governo decente, ele seria obrigatório na formação de todos os indivíduos.
NJ: Quais são os seus planos profissionais para esse segundo semestre?
Everton: Vamos estrear “Balada de um Palhaço” em setembro no Festival e em sequência a temporada nos meses de outubro/novembro.
NJ: Conte-nos um pouco sobre “Balada de um Palhaço” .
Everton: Balada será a segunda montagem da Cia de Teatro Gente de texto do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos. A primeira montagem aconteceu em 2006, com o espetáculo Barrela sob a direção também de Nathan Marreiro. Iniciamos o processo de criação há um ano, estreamos em junho deste ano no Festival Nacional de Teatro de Teófilo Otoni e em setembro realizaremos apresentações aqui em Salvador no FILTE- Festival Latino-americano de Teatro. Com Barrela tive a honra de ser laureado pelo Prêmio Braskem de Teatro na categoria Melhor Ator Coadjuvante. Barrela foi meu primeiro espetáculo profissional, antes disso havia feito teatro por seis anos com o professor Nathan Marreiro no curso de formação teatral Viver com Arte, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia.
NJ: Qual é a importância de Nathan Marreiro na sua trajetória artística?
Everton: Nathan foi meu primeiro professor de teatro, hoje meu diretor na Cia de Teatro Gente, amigo pessoal, Irmão de Santo, Padrinho e Filho Pequeno. Um homem, um educador, um artista a quem sou grato pelo encontro de trocas recíprocas nesta passagem terrena.
NJ: Como costuma cuidar do corpo e da mente?
Everton: Procuro manter uma alimentação balanceada e uma rotina de exercícios para cuidar do corpo. Muito alongamento para os ensaios de teatro e partidas esporádicas de vôlei são boas pedidas para os cuidados com o corpo! Para mente: eu sou filho de orixá. Feito. Assentando. É lá que busco sempre estar em equilíbrio. Eu fui escolhido por pai Odé e mãe Oyá Tagenã.
NJ: Por falar nisso, como é a sua relação com a religião?
Everton: Religião é meio que ópio. Hoje está revestida de novas ideias, mas sua história é sangrenta e tola. Vejo o Candomblé como uma filosofia de vida, como elo de ligação ancestral. Precisamos nos firmar por religião para nos impor perante o olhar racista e excludente que ousava tentar nos diminuir a “ ceita” atrelando sempre um olhar maligno para as coisas dos negros. Passamos disso. Somos ancestralidade africana. Orixás.
NJ: Qual é a lembrança mais forte da sua infância?
Everton: Minha mãe. Eu estive com ela até os meus nove anos.
NJ: O que o deixa mais feliz?
Everton: Meu trabalho de ator.
NJ: Uma frase
Everton: “Não há mal que dure para sempre e nem há bem que para sempre perdure!”
NJ: Um sonho
Everton: Ver o povo brasileiro viver dignamente.
NJ: Um lugar
Everton: Chapada Diamantina
NJ: Um livro
Everton: História da Sedição Intentada na Bahia Em 1798 – Luís Henrique Dias Tavares
NJ: Uma comida
Everton: Moqueca
NJ: Uma música que o faz sorrir
Everton: Qualquer uma à voz de Elis.
NJ: Everton Machado por Everton Machado
Everton: Um guerreiro!
NJ: Antes de concluir, gostaria de falar de mais algum projeto?
Everton: Em 2020 irão estrear dois longa-metragem que tive a honra de participar: “Longe do Paraíso” do cineasta Orlando Senna, onde interpreto “Manel”, um líder sem terras. E “Café, Pepi e Limão” um filme de Pedro Léo com direção dele e de Adler Paz, onde interpreto “Kelly”, uma travesti com uma história bem emocionante.
NJ: Everton, muito obrigada por participar da Nossa Janela!
6 Comments
Renata Oliveira
28 de agosto de 2019 at 16:00Adorei e sou muito fã desse ser maravilhoso chamado Everton Machado. Mil bjus !!
Que os orixás ilumine e guarde seus caminhos.
Renata Oliveira.
Érica Cristina Nascimento de Oliveira
29 de agosto de 2019 at 09:05Arrasou muitas verdades, que Deus te abençoe e continui te abençoando e clareando o sua caminhada de muito sucesso .
Tatiana Santos
29 de agosto de 2019 at 09:26Que lindo você merece todo sucesso do mundo que Deus e os orixás te proteja imensamente luz no seu caminho beijos
nathanmarreiro@ciadeteatrogente.com.br
29 de agosto de 2019 at 10:36Então que linda entrevista, ator politizado é outro nível, pura arte, maravilha poder acompanhar a carreira de sucesso de Everton o nosso Tom…. talento, dedicação, estudo e estudo lançados na prática, um homem de Teatro, um intérprete, criativo, emocionante. Vê-lo em cena brilha, como uma estrela….sou fã…..um ser que nasceu bora interpretação pela sua sensibilidade e profundidade na alma humana e acima de TUDO espiritualizado e respeitoso a sua existência. Sucesso força na luta e muito trabalho artístico em sua carreira com paz saúde e sabedoria…um cheiro e muito axé.
ADRIANO WAGNER DOS SANTOS MIRANDA
30 de agosto de 2019 at 13:53Conheço há pouco tempo. Um super profissional, sempre procura a excelência no que faz. Não é a toa que tem uma carreira brilhante e um futuro promissor
José jorge
30 de agosto de 2019 at 22:16Sou fã do intelecto e da arte de EVERTON MACHADO!
atualizado e sensível…
Ótima entrevista.