Arlindo Lopes

Ele é ator, produtor e diretor. Viveu o Cezinha de “Da Cor do Pecado”, da Rede Globo, personagem que formou um divertido e  inesquecível trio com Vanessa Gerbelli e Matheus Nachtergaele.  Em sua primeira produção no teatro, atuou ao lado de Glória Menezes, na peça “Ensina-me a Viver”. Recentemente dirigiu  “Ombela – A Origem das Chuvas”, um espetáculo pra toda a família. É com Arlindo Lopes que conversamos agora.

Lu: Recentemente você dirigiu “Ombela”. Conte-nos um pouco sobre a peça e sua satisfação pessoal de atuar nesse projeto.

Arlindo: “Ombela – A Origem das Chuvas” é uma adaptação do livro homônimo de um autor angolano. A gente queria fazer uma adaptação musical, queria muitas músicas. Essas músicas foram escritas pelo próprio autor do livro e a adaptação é assinada por  Mariana Jaspe e Ricardo Gomes. Eu  queria trazer a mitologia Iorubá, a mitologia  bantu para o universo infantil, mas também queria fazer algo que fosse pra toda a família. E na temporada, a gente pôde ter a confirmação de todos esses nossos objetivos. Foi um espetáculo que emocionou as pessoas, divertiu as crianças. As músicas empolgavam a plateia, foi um espetáculo muito feliz. Foram três meses de muito sucesso, de crítica, de público.

Lu: Conte-nos um pouco sobre o texto.

Arlindo: “Ombela” conta a história de uma  menina africana que não entende os sentimentos que a acometem, não entende o choro. Então, descobre que as suas lágrimas são muito importantes para a continuação do mundo.  Suas lágrimas de tristeza são as lágrimas salgadas  e caem sobre o mar formando os mares. Já as  lágrimas doces, de felicidade e emoção, caem sobre a terra e formam os rios, as cachoeiras. Quando ela vem à  terra, encontra vários deuses da mitologia Iorubá, que vão explicar a importância desse movimento, de deixar fluir o sentimento, de deixar as lágrimas saírem. Pra a gente, era muito importante falar sobre isso,  sobre a preservação do meio ambiente, visitando essa mitologia. E também falar sobre a importância dos sentimentos, de se permitir chorar, se permitir emocionar, de deixar as lágrimas saírem.  E acho que “Ombela” tem a chance de mostrar isso de uma forma lúdica, criativa, sensível. Foi muito bonito, também,  ver as crianças entendendo várias coisas sobre a preservação do meio ambiente. A gente fala sobre as queimadas, sobre a sujeira nos mares e dos rios, sobre os vazamentos de petróleo, de combustível, de esgoto. E fala também sobre a importância de os adultos também se permitirem  chorar e deixar as emoções fluírem. Tivemos muitos adultos na plateia chorando e se emocionando. Isso foi muito bacana, espero que a gente consiga voltar com essa peça. 

Lu: Seu papel mais recente na TV foi Getúlio de “Malhação – Vidas Brasileiras”. Qual é a sua avaliação sobre esse trabalho e como foi a repercussão nas ruas?

Arlindo: Olha, a “Malhação” foi uma oportunidade muito bacana. Eu já tinha trabalhado com as três diretoras e elas me conheciam bem, mas  a sinopse da Patrícia Moretson, não tinha claramente um personagem que eu pudesse fazer, que elas me enxergassem de cara. O Getúlio era um personagem de 22 anos,   era primo do  Érico, mas  a Patrícia  gostou do meu teste e resolveu transformá-lo em tio do Érico, aumentando dez anos à idade dele. Foi bacana porque senti que com a minha vivência pude trazer uma profundidade maior  para o personagem que, de repente, um ator mais jovem não conseguiria porque faltaria experiência. Comecei como um vilão e a própria trama, foi transformando o personagem. No começo, as pessoas não tinham nenhuma simpatia por ele, a repercussão nas ruas era algumas vezes muito agressiva, as pessoas me maltratavam, me distratavam, era meio esquisito pra mim, que sempre vinha fazendo personagens carismáticos e até engraçados . Mais na frente meu personagem fez uma dupla com o personagem da Ana Beatriz Nogueira e formaram um casal engraçado, um casal de trambiqueiros. Mais na frente, acabei me aproximando da Mel, filha da Camila Morgado, personagem da Maria Rita, que é uma atriz de 11 anos e a gente ficou muito parceiro em cena, o que trouxe mais simpatia ainda para o meu personagem e as pessoas torciam pela amizade dos dois. Imagine, o ex pilantra ficando amigo de uma criança. Foi um personagem que me trouxe muitos desafios. Pude ser vilão, pude ser engraçado, pude trazer a ternura na amizade dele com a menina, foi o máximo, uma experiência muito feliz e sou muito grato por esse trabalho. 

Lu: Não dá pra entrevistá-lo e não lembrar de Cezinha de “Da Cor do Pecado” que pertencia aquele núcleo cômico maravilhoso com Matheus Nachtergaele e com Vanessa Gerbelli. Quais são as lembranças que guarda desse personagem?

Arlindo: “Da Cor do Pecado” foi um trabalho muito especial em minha vida. Uma novela que reprisou algumas vezes e continua muito viva na memória das pessoas. Vira e mexe sou abordado na rua por alguém que lembra do Cezinha e eu fiz muitas outras coisas na televisão, mas acho que o Getúlio e o Cezinha foram os  meus dois personagens que mais repercutiram. Eu e o Matheus ficamos um mês e duas semanas em São Luís do Maranhão para filmar as nossas primeiras sequências e ficamos muito amigos.  Na trama, a personagem da Taís Araújo vinha para o Rio de Janeiro e tinha uma incerteza do que aconteceria com a gente, porque nossos personagens ficaram meio soltos na história. Mas o João Emanuel Carneiro peitou de continuar com a gente em São Luís e era super engraçado porque a gente já não tinha nenhuma ligação com a trama, eventualmente rolava uma ligação de telefone da Preta para o Pai Helinho (personagem da Taís para o personagem do Matheus). Mas a gente ficou muito solto e com isso, entrou a Vanessa Gerbelli que foi uma aquisição maravilhosa, foi outra parceira incrível e também o Francisco Cuoco, um cara muito legal que tem toda essa representatividade  desde os primórdios da televisão, uma pessoa tão emblemática para a televisão brasileira. A gente ensaiava as nossas cenas, a gente se reunia na casa do Matheus, uma vez por semana, a Vanessa levava o bolo, o Matheus passava o café e a gente ensaiava as cenas, pensava nas improvisações, em sugestões de marca, chegavamos no estúdio ou nas externas com propostas, os diretores achavam engraçado, A Denise, a diretora geral da novela, dizia “nossa, qualquer dia eles vão chegar com as cenas gravadas e a gente vai só linkar com as outras cenas do capitulo (risos). Foi um trabalho muito feliz, eu adorei ter feito, tenho muito carinho pelos encontros que a novela me proporcionou e pela repercussão positiva que chegou a alcançar 52 pontos de Ibope, uma marca que é muito difícil voltar a alcançar porque a televisão mudou muito, hoje temos outras plataformas. Mas na época a gente tinha mais ibope que a novela das 9. Foi um sucesso muito estrondoso e foi maravilhoso para o João Emanuel Carneiro, porque foi a primeira novela dele. Isso deu um selo de qualidade para as tramas dele e foi um trabalho muito especial. Eu amo rever sempre. 

Lu: Você gosta de trabalhar com humor?

Arlindo: Eu gosto de fazer humor, mas também gosto de fazer drama. Eu acho que eu sou um ator que gosta de passear pelos gêneros e não gosta de ficar preso a uma coisa só. Logo no começo da minha carreira, senti que as pessoas queriam me colocar nesse lugar do humor e eu relutei um pouco, porque tinha interesse em personagens dramáticos e achava que se eu ficasse só na linha do humor causaria um estranhamento quando fosse fazer algo dramático. Quando resolvi produzir teatro, por exemplo, a minha primeira peça foi “Ensina-me a Viver”.  Eu queria muito fazer essa peça porque era um desses personagens dramáticos que eu tinha me apaixonado e queria muito que as pessoas me vissem também como um ator dramático. Então,  comprei os direitos da peça, convidei a Glória Menezes, o João Falcão pra dirigir e ficamos seis anos em cartaz. Foi um sucesso! E na época até ganhei um prêmio como ator de drama. Depois, eu voltei a fazer personagens engraçados na televisão, voltei em “Geração Brasil”, fazendo um indiano, braço direito do Murilo Benício e isso foi muito legal porque voltaram a me chamar pra fazer comédia. Um ano depois, voltei a fazer “Ensina-me a Viver” e mais uma vez, drama. Então passei a ser chamados para fazer personagens dramáticos em longas. Foi assim com “A Voz do Silêncio” (dirigido por André Ristum), que eu faço o filho da Marieta Severo, um jovem soropositivo, um  personagem bastante dramático. Eu fiz também uma participação no filme do Murilo Benício “O Beijo no Asfalto”, onde eu faço o morto, o famoso morto que pede o beijo ao personagem do Lázaro Ramos. Então, acho que de uns três anos pra cá, os trabalhos estão bem misturados, o que me agrada muito. Eu gosto realmente de passear pelos gêneros. 

Lu: Como foi pra você participar do o musical  “Cauby! Cauby!” sobre a vida de Cauby Peixoto?

Arlindo: “Cauby Cauby” foi um projeto que caiu no meu colo muito inesperadamente. Existia um outro ator fazendo o personagem, mas a direção não estava gostando muito e abriram um teste,  já com um mês de ensaio. Eu tinha acabado de fazer “Da Cor do Pecado” então, o Diogo Vilela lembrava de mim por causa da novela.  Eu fazia um Jornalista que invadia a casa do Cauby para entrevistá-lo e por conta dessa entrevista,  a peça começava a se desenrolar na Rádio Nacional, na época que o Cauby se descobriu um grande cantor e que começou a ter uma legião de fãs. Era um espetáculo muito emocionante porque o Cauby era uma pessoa muito apaixonante. A gente pôde conhecê-lo quando a peça foi para São Paulo e ele era muito carinhoso com as pessoas. Ele já estava com a idade bem avançada e era impressionante como a voz dele continuava impecável. E tinha um amor incrível  pela arte,  abdicou de várias etapas da vida para se dedicar integralmente  ao trabalho. A vida amorosa não foi uma vida feliz, acho que  teve amores, mas não podia se dedicar muito a isso porque  tinha a carreira como foco principal e naquela época ser gay era muito complicado. Ele poderia de alguma forma entristecer as fãs, porque era uma outra época e ele estava muito preso a isso. E a peça falava sobre isso também, sobre ele abrir mão desses amores para se dedicar ao grande amor da vida dele,  que era a carreira. Era um espetáculo muito emocionante, foi uma experiência muito emocionante pra mim porque era uma geração muito distante da minha e poder ver aquela plateia lotada de pessoas da terceira idade que cantavam a música junto com Diogo Vilela,  era muito incrível. O elenco era muito incrível: Sylvia Massari, Maria Bravo, Stela Maria Rodrigues, Rodrigo França, Carlos Gregório. O Diogo fazia super bem o Cauby. Foi uma peça que não durou muito tempo, não durou nem um ano, mas era um espetáculo caro. Depois voltou com um elenco diferente,  só com o Diogo e a Sylvia do elenco original. Mas foi uma experiência muito feliz e enriquecedora. 

Lu: Em 2007 você estreou o espetáculo “Ensina-me a Viver” onde protagonizava  a improvável história de amor entre Harold – um jovem de 19 anos – e Maude – uma senhora de 79 anos. Como foi produzir e contracenar  com Glória Menezes no teatro por mais de cinco anos? Foi difícil se despedir desse trabalho?

Arlindo: Então, o “Ensina-me a viver”  foi um sonho que eu acalentava por muitos anos, eu queria muito interpretar o Harold e aquela história. Eu vi o filme quando tinha dez anos e fiquei muito intrigado com aquela história de amor entre um jovem de 19 e uma senhora de 79, com o humor, a poesia. Eu queria muito produzir, sabia que era o caminho natural de um ator no Brasil.  Foram seis anos em cartaz, de 2007 até 2012 ininterruptamente e depois voltamos em 2015 para mais um ano de peça. Foi um estrondo, uma experiência que eu jamais tinha vivido na minha vida. Mas a Glória é a Glória. Os teatros eram enormes e sempre estavam lotados. As pessoas se emocionaram demais com o espetáculo, choraram muito. A gente tinha um público que costumava voltar muitas vezes para assistir a peça. Algumas dessas pessoas seguiam a peça pelo Brasil. Foi uma coisa muito maravilhosa na minha vida, uma experiência enriquecedora. A Glória falava muito que aquilo que a gente estava vivendo era uma coisa muito rara e me pedia pra aproveitar, dizendo que na carreira dela toda nunca tinha tido um sucesso tão estrondoso no teatro e olha que a Glória teve muitos sucessos. Foi difícil me despedir, claro. Mas quando a peça acabou, eu também tinha a sensação de dever cumprido, superou as minhas expectativas. Eu tinha muito certeza que a gente iria ficar em cartaz pelo menos uns dois anos e meio e a gente ficou seis anos em cartaz, superou tudo que eu havia pensado ou programado para a peça. E quem sabe a gente não volta em cartaz? tô lançando isso pra o universo, acho que é um desejo da Gloria também e pode ser que um dia a gente volte. 

Lu: A peça era recheada de mensagens. Qual delas ainda toca seu coração?

Arlindo: Pois é, a peça tinha muitas mensagens de otimismo, de olhar  a vida com positividade, falava sobre a liberdade de ser você mesmo , de não querer responder a padrões da sociedade. Então, a mensagem que mais fica pra mim era o otimismo da Maude a personagem da Glória que insuflava a vida no Harold que era um personagem deprimido. Tinha dias que eu entrava no palco meio triste e saia com a alma lavada, sabe? Era muito bom fazer esse caminho, do sombrio para a luz. Muitos jovens vinham falar comigo e dizer que se identificavam com o Harold e essa pra mim foi a mensagem principal da peça: de otimismo e amor. Acho que nesses tempos, o que a gente mais precisa é de amor. A peça é mais atual ainda, nesse nosso momento de polos tão opostos, de muita segregação e raiva. Acho que a gente precisa repensar a vida o tempo inteiro e acho que a Maude é uma personagem que inspira isso. Muitas senhoras também saiam muito tocadas, muito emocionadas, querendo ser a Maude.

Lu: Em 2015 fez a sua estréia como diretor e adaptador no musical infantil “As Aventuras do Menino Iogue” que garantiu os prêmios de melhor direção, adaptação, atriz coadjuvante, ator coadjuvante, luz, design de som, visagismo, direção musical e direção de movimento. Como foi pra você ganhar os prêmios de melhor adaptação e direção já nesse primeiro trabalho como adaptador e diretor?

Arlindo: “Menino Iogue”  foi uma surpresa em minha vida! eu tinha ido até a casa de um casal de amigos, o Antônio Tigre (que é o idealizador do projeto) e a esposa dele, a Juliana Terra, que foi minha parceira na direção. O projeto não tinha nenhum dinheiro, o Antônio investiu do próprio bolso dele e a gente conseguiu uma equipe incrível, eram pessoas que eu tinha muita vontade de trabalhar e elas toparam. A peça estreou e foi um sucesso, a gente fazia sessões duplas lotadas, assim como no “Ombela”. Eu acho que pra esse começo de carreira como diretor foi muito abençoado. E era uma peça que falava sobre ioga, ansiedade, respiração e meditação para as crianças. Os adultos também ficavam emocionados com a peça, foi muito especial. Ficamos muito felizes com a quantidade de indicações (foram 15). Ganhou 7 prêmios, além desses que você citou. Fiquei muito feliz, tenho até hoje esses prêmios aqui em casa, fico orgulhoso de ter feito parte desse trabalho. 

Lu: Qual é a grande diferença em trabalhar para o público infantil e o público adulto no teatro?

Arlindo: Claro que há uma diferença porque  você tem que ter um olhar sobre a formação daqueles indivíduos, daquelas crianças que estão indo assistir. Então,  tem um olhar sobre a educação, sobre a mensagem que você tá querendo passar pra que elas cheguem nas crianças. Tem que ter um cuidado muito grande sobre tudo, sobre o texto, o figurino, o cenário, as marcas, tem que ter um olhar muito cuidadoso sobre essa formação. Eu amo o tema infantil, amo desenho, amo bonecos, brinquedos. Mas também é legal lançar um olhar sobre a obra também pensando nos adultos. Então,  eu penso no que os adultos também irão gostar de assistir,  para que os pais queiram voltar e que a peça tenha mensagens que, muitas vezes, os pequenos não vão captar mas são mensagens para que os adultos captem. Então, esse é um trabalho que eu acho mais elaborado, mas difícil porque você tem que pensar nessas duas vertentes e tentar alinhar sem que o espetáculo fique uma coisa boba. Que ele tenha humor, que toque o coração das pessoas, que ele tenha personagens carismáticos, que conversem diretamente com as crianças,  mas que também cativem os adultos. É um trabalho muito especial de fazer. Em “Ombela” a gente tinha os Orixás, as divindades da mitologia iorubá, então, um dos objetivos era apresentar Oxum, Iemanjá, Iansã, Nanã, Xangô, Oxóssi, Oxalá para as crianças e despertar nelas o interesse e a admiração por esses deuses sem qualquer questão religiosa. Conectar essas crianças com esses Orixás e representá-los para os adultos que entendem de mitologia. A mesma coisa aconteceu no “Menino Iogue” que a gente tinha as divindades indianas e o objetivo era aproximá-las de Ganesha, do Krishna, do Sheeva.  Eu amei poder fazer esses dois projetos, quero muito continuar fazendo espetáculos infantis que são espetáculos para a família toda e que toque a todos. 

Lu: Pra você, qual é a importância do teatro como ferramenta de ascensão social e como ele pode transformar a realidade de uma criança?

Arlindo: Pra mim, o teatro infantil tem um papel muito importante de formação. Você tem a chance através do entretenimento, de um cenário, de uma atuação, de um elenco, de músicas, de figurino, aproximar aquele tema para que algumas mensagens fiquem na cabeça delas  e as transforme em algum momento da vida.  Eu lembro de duas coisas que chegaram pra mim de retorno recentemente sobre “Ombela” que foi quando teve o vazamento de petróleo do mar e uma criança disse pra mãe depois que acabou de assistir a peça: “Mamãe, Iemanjá deve estar triste, né?” e no nosso espetáculo, Iemanjá fala muito da poluição dos mares  e o quanto isso afeta a vida. E eu pensei:  “nossa! ela entendeu! “. E uma outra mãe postou no instagram da gente dizendo a minha filha falou “mamãe, “Ombela” deve estar feliz, porque tá chovendo aqui”,  que é a tal da chuva doce. Então, isso foi muito lindo de ver. E outra coisa que a gente percebeu logo depois da nossa estreia,  foi uma menina negra que queria ir para a escola vestida  de deusa, de Ombela. Então, ela pediu a mãe pra fazer a maquiagem, as maria chiquinhas e isso pra mim foi muito importante porque é a representatividade, é aquela menina se ver representada no palco. Ela ver tantos atores, artistas negros lindos, contando um pouco da histórias dos ancestrais dela, apesar de ela ainda nem ter essa consciência. E ao mesmo tempo, pra as crianças brancas também é importante a gente poder mostrar tantas divindades negras, as suas belezas e elas ficarem encantadas com isso. Elas não estão tão acostumadas a ver isso porque infelizmente a cultura e o  entretenimento oferecem poucos projetos com essa representatividade. E pra a gente era importante um espetáculo que tocasse nisso também. Então,  pra mim, essa é a grande questão. E isso fica no coração das pessoas e reverbera positivamente.

Lu: No cinema você fez filmes marcantes como “Cazuza O Tempo não Para” e “O Beijo no Asfalto”. No teatro a resposta é imediata, a TV demora um pouco, mas  você ainda consegue ter essa resposta durante o trabalho,  até pra modificar alguma coisa. Mas no cinema, essa resposta só vem depois que o projeto foi finalizado, o filme já rodado, editado, distribuído. Isso torna o cinema um desafio maior que o teatro e a TV?

Arlindo: Sem dúvida o cinema é muito diferente nesse sentido porque você faz um projeto e só dois anos depois é que você vai poder conferir o seu trabalho e isso sempre gera uma certa apreensão. Por exemplo, “A Voz do Silêncio” que eu fiz o filho da Marieta Severo, a primeira vez que assisti o filme foi em Buenos Aires, porque ele estreou primeiro lá. E eu lembro que  estava muito nervoso porque não sabia o que ia ser do meu trabalho no projeto. E eu fiquei tão feliz, tão aliviado,  depois que assisti . Mas foram dois anos sofrendo, toda vez que pensava no filme. Claro que o filme teve uma repercussão muito positiva na Argentina, ficou três meses em cartaz, com muitas críticas positivas. Aqui no Brasil, infelizmente, a gente só ficou três finais de semana em cartaz, o que é muito triste para o cinema brasileiro. A gente ficou em cartaz junto com “Os Vingadores” e a quantidade de salas disponíveis eram muito poucas.  Então, o filme teve uma vida muito curta no Brasil e o maior público do filme é a Argentina, mas a gente teve críticas muito positivas aqui. O filme ganhou em Gramado, melhor direção e melhor montagem. Cinema é realmente uma caixinha de surpresas, porque você nunca sabe como vai ficar o seu trabalho e não faz ideia da repercussão do filme. Às vezes você tem o alívio de constatar que o seu trabalho foi bacana e uma frustração por o trabalho não chegar até as pessoas. Esse é um grande desafio. Atualmente, nós temos outros desafios no cinema, que é inclusive conseguir produzir com a Ancine parada, as pessoas querendo censurar os projetos, querendo colocar uma regra de quais serão os temas abordados nas produções, o que é um grande absurdo. A gente tem agora uma luta pra poder manter o nosso cinema vivo porque esse governo atual quer censurar as obras e isso é um absurdo. 

Lu: Se você tivesse o poder de modificar uma única coisa no Brasil, o que seria e por qual motivo?

Arlindo: Eu acho que o meu desejo é que o nosso povo acorde, sabe? que as pessoas que escolheram esse novo governo entendam que elas erraram e que a gente precisa lutar pra mudar o país porque no caminho que vai é um caminho preocupante, que nos entristece. Não à toa, a rejeição ao novo governo aumentou e eu espero que as pessoas acordem cada vez mais e que elas entendam que erraram, mas que ainda tem solução. Vamos mudar o Brasil porque o país está em um caminho de retrocesso que é alarmante, a forma como estão destruindo a natureza, como estão atacando a educação, a cultura, a gente precisa urgentemente lutar pelo nosso país, pelas nossas riquezas, pela nossa cultura, pela nossa educação, pelos nossos jovens.

Lu: Existe um ditado árabe que diz “Não declares que as estrelas estão mortas porque o céu está nublado”. Em algum momento o céu já esteve tão nublado a ponto de você não conseguir ver as estrelas?

Arlindo: Sim, na minha vida já tive vários momentos descrentes da minha carreira, que achava que não estava dando certo. Eu lembro que no “Ensina-me a Viver”, até eu conseguir captar os primeiros patrocínios, muitas e muitas vezes fui  pra o meu quarto e chorei muito. Mas também, não me permitia ficar muito tempo assim, não. Meia hora depois eu levantava, voltava a ligar para as pessoas e apresentar o projeto. Acho que a carreira do artista é uma carreira muito instável porque você vive sucessos estrondosos e depois você tem um ano vivendo na incerteza de saber qual vai ser o seu próximo trabalho. Então, por isso assumi essa posição de produzir os meus projetos porque essa coisa de aguardar os convites é muito desesperador e muitas vezes você põe em cheque seu talento, sua competência, é quando você fica mais inseguro. Então,  eu já tive meus momentos de insegurança, sim. E já li entrevistas de grandes atores que eu admiro e que também tiveram esse momento achando que iam largar tudo.  De uns anos pra cá, tenho procurado estar mais seguro, mais certo das minhas ideias, dos meus projetos e sigo firme. Mas é normal você passar por esses processos de incerteza, de dias nublados. 

Lu: Como é a sua relação com a religião? E a relação com Santa Terezinha?

Arlindo: Eu tenho uma relação de respeito muito grande com a religião, acho que não sou um grande praticante, eu tive uma formação no espiritismo de Alan Kardec, li muitos livros, é uma assunto que me instiga. Acho lindas as religiões de matriz africana, acho que tem uma simbologia, uma ligação com a natureza,  que me emociona, acho que a gente evolui através das nossas conquistas e também através da conexão com a natureza. E a umbanda, o candomblé estão muito ligados a esses elementos da natureza. A gente pôde abordar isso no “Ombela” apesar de livre de espiritualidade, a gente fala mais sobre essas mitologias. Eu gosto muito da mitologia indiana, sobre a respiração, essa coisa de controlar a ansiedade. Me tornei admirador de Santa Terezinha porque fiz novena pra ela pra fazer o “Ensina-me a Viver” e com isso, as pessoas começaram a me presentear muito com Santas, e hoje já tenho uma mini coleção de Santas Terezinhas. E sempre que eu vou rezar, penso nela, falo com ela. Dos santos todos da igreja católica, ela é quem eu mais tenho proximidade no sentido de ter lido o livro da vida dela. Ela estava desenganada e se dedicou a vida católica como promessa dos pais. Morreu jovem, aos 24 anos. Ela me passa muita paz. 

Lu: Uma frase 

Arlindo: “Quanto mais se roda em volta do amor, mais o amor se expande!” ( Walter Benjamim).

Lu: Um sonho

Arlindo: Viver dos meus projetos de teatro, cinema e TV.

Lu: Um lugar

Arlindo: A minha casa.

Lu: Um livro

Arlindo: “Meu Menino Vadio”, de Luiz Fernando Vianna, que conta a relação do autor com seu filho autista. Um dos temas de um projeto que tenho. 

Lu: Uma comida

Arlindo:  Tudo que é vegetariano. 

Lu: Uma superstição

Arlindo: Preciso dormir com o texto dos personagens debaixo do travesseiro.

Lu: Uma música que o faz sorrir

Arlindo:“Magamalabares”,  de Marisa Monte.

Lu: O que o deixa verdadeiramente emocionado? 

Arlindo: Uma boa história.

Lu: Arlindo Lopes por Arlindo Lopes

Arlindo: Sou um artista que tenho orgulho do meu ofício e verdadeira paixão por tudo o que faço. Quero sempre com o meu trabalho tocar o coração das pessoas e de alguma forma poder transformá-las.

Lu: Arlindo, muito obrigada por participar da Nossa Janela. E parabéns por “Ombela”. A oportunidade de assistir ao espetáculo com minha filha no colo, explicando no ouvididinho dela que ali estão nossos ancestrais, tocou meu coração de  forma muito forte e representativa.  Muito, muito obrigada. 

Arlindo: Eu quem agradeço, Lu. É uma alegria tê-las aqui hoje.

Fotos: