Simone: Apesar de eu malhar diariamente e fazer aulas de dança, Sylvia sempre me deixa dolorida no início porque exige muito de mim corporalmente. Mas depois de uma semana, a gente acostuma (risos). Eu observo muito os cachorros, porque amo animais e também porque sabia que interpretaria uma cachorra humanizada. Levei alguns anos estudando isso, afinal foram quatro anos do momento em que eu adquiri os direitos autorais até conseguir levantar a peça. Os movimentos, o olhar, o comportamento. Aí eu fui convidada para a estreia de Sylvia em 2015 na Broadway com Annaleigh Ashford, que é simplesmente maravilhosa! Uma das grandes atrizes das novas gerações. Pronto! Desafio lançado a essa capricorniana: não dava para estudar mais ou menos essa personagem, não só porque eu jamais entregaria qualquer trabalho de forma mais ou menos, mas porque eu tinha que entregar – no mínimo – um trabalho com a mesma qualidade artística que ela. Sylvia é uma personagem que exige muito de qualquer atriz. Corporalmente, emocionalmente, psicologicamente… sem falar que você tem que estar desprovida de qualquer vaidade porque não é qualquer atriz que gosta de interpretar uma cachorra por mais humanizada que ela seja. E quando eu tenho um papel para interpretar, eu estudo. Eu faço aulas, eu leio, eu observo, eu fico dias e horas andando pela casa, pesquisando um movimento, experimentando… é um processo que no começo é mais difícil, mas com a repetição vai se tornando mais orgânico. Não é fácil – mesmo porque eu não gosto do que é fácil – mas o processo é delicioso. Ainda mais ao lado de amigos que admiro.
Lu: O que a peça “Sylvia” traz de especial e relevante para o público nos dias de hoje?
Simone: Muito mais do que se pode imaginar. Sylvia traz tanta coisa que eu digo que é preciso assistir ela mais de duas vezes para entendermos tudo o que a peça fala. Ela retrata o lado selvagem que temos, o quão primitivo podemos ser, fala da importância de termos um olhar mais cuidadoso com o outro, das tentativas da ressignificação constantes de nossas vidas, o fato de sermos seres individuais, com sonhos e vontades próprias e da importância de se respeitar essa individualidade – seja nossa ou só outro; fala de liberdade, de amor incondicional… Sylvia traz reflexões importantíssimas para os dias que estamos vivendo, e principalmente sobre a importância de se ter um cachorro.
Lu: Você mencionou que “Sylvia” é uma peça divertida, emocionante e que faz o público sair do teatro pensando. Poderia nos contar um pouco mais sobre como a peça equilibra esses elementos de comédia e reflexão?
Simone: Se pararmos para pensar sobre nossas vidas, muitas situações que nos fazem refletir podem ser inicialmente dramáticas, tristes ou até trágicas. Com o passar do tempo, vamos dando menos importância ao lado negativo de tudo e até rimos de certas situações. A vida é assim. O tempo trata de equilibrar tudo. E vamos amadurecendo, evoluindo… sem darmos tanto peso a tudo. Tudo vai ficando mais leve. Como a vida, esse texto consegue equilibrar essas situações. Desde que comecei a me auto produzir no teatro eu faço questão de produzir peças que façam o público refletir. Não sou uma grande amante de comédias rasas que nos tiram risadas sem nos trazer reflexões. Eu acho que o papel da arte é esse: despertar dúvidas, curiosidades, reflexões, debates. Nos trazer inquietações. Sylvia faz isso com o público. E se o público sair pensando em um único assunto desses que Sylvia aborda, o teatro cumpriu seu papel e eu fico extremamente feliz.
Lu: “Sylvia” aborda temas como a importância de ter um cachorro e a necessidade de ouvir uns aos outros, especialmente em relacionamentos familiares. Em um mundo cada vez mais acelerado e digital, como você acha que podemos aplicar
essa lição no nosso dia a dia?
Simone: É uma pergunta que não é difícil de responder, O difícil é colocar a resposta em prática. Estamos vivendo em uma época em que, se não tomarmos cuidado, podemos nos tornar escravos das redes sociais. Hoje, as mídias sociais desempenham um papel significativo em nossa comunicação, na divulgação de produtos, no trabalho e na prestação de serviços. Infelizmente, parece que não há volta atrás nesse fenômeno. A velocidade e o alcance das redes sociais são impressionantes. No entanto, vejo isso com um certo pesar, porque as redes sociais têm seus aspectos positivos, mas também trazem consigo muitos aspectos negativos.
A maior parte do conteúdo compartilhado nas redes sociais não é uma representação completa da realidade, e isso tem afetado a saúde mental de muitas pessoas. Além disso, acredito que muitas vezes é uma perda de tempo e foco. Pessoalmente, prefiro muito mais dedicar meu tempo à leitura de um livro do que à criação de conteúdo. Não tenho grande interesse em acompanhar a vida dos outros, nem sou fã de danças ou tutoriais. No entanto, reconheço que, profissionalmente, isso pode afetar minha visibilidade, já que, hoje em dia, a popularidade e a presença nas redes sociais são consideradas medidas de sucesso. Apesar disso, não me sinto disposta a usar horas da minha vida criando conteúdo para um público que não conheço. Não enxergo um propósito nisso. Acredito que precisamos encontrar um equilíbrio em todas as coisas. Embora eu use as redes sociais, faço questão de controlar o tempo que passo nelas e o que compartilho. O tempo é o nosso recurso mais valioso, e eu não trocaria a oportunidade de passar tempo com minha família, ler um bom livro ou simplesmente desfrutar de momentos preciosos por horas dedicadas às redes sociais.
Acredito que, quando as pessoas param para refletir sobre isso, conseguem reconhecer que o que realmente importa não está nas redes sociais. A vida é efêmera demais para perdermos tempo longe de abraços, conversas, olhares, toques e risadas. Preocupo-me especialmente com a geração que cresceu nos anos 2010 e 2020, bem como com as gerações futuras, que estão imersas em um mundo digital acelerado desde o nascimento. Se essas gerações não tiverem referências sólidas de convivência, relacionamentos familiares e amizades, temo que possamos ter adultos mais frios, distantes, práticos e carentes de empatia no futuro. Quando as pessoas reconhecem o que é verdadeiramente importante, conseguem perceber e apreciar melhor o que está ao seu redor.
Lu: No elenco de “Sylvia,” você atua ao lado de colegas como Cássio Scapin, Vera Zimmermann e Thiago Adorno. Como tem sido a troca com o elenco e de que forma isso enriquece o espetáculo?
Simone: MARAVILHOSA! Além de serem amigos e profissionais que eu admiro muito, nos divertimos demais trabalhando. É prazeroso demais! É agregador! Além disso, temos na direção mais amigos e que também admiro muito, como nosso diretor Gustavo Wabner e Jessé Scarpellini, que assina como diretor assistente. E uma equipe técnica, criativa e de produção afinadíssima conosco. Profissionais excelentes, competentes, do bem! Temos o que chamamos de coxia perfeita! E isso é essencial no teatro. Me sinto realmente honrada em trabalhar com pessoas tão queridas, excelentes no que fazem, que agregam e que me ajudam a fazer esse trabalho acontecer.
Lu: A peça toca em temas como a crise de um homem de meia idade e a síndrome do ninho vazio. Como você acredita que essas questões podem se conectar com diferentes faixas etárias de espectadores?
Simone: Eu acredito que quem está vivendo isso ou passando por isso, se identifica. Para aqueles mais jovens, acredito que a maioria conhece alguém passando por isso. Então , acredito que o público se conecta sim com essas questões. Para aqueles que não vivenciam isso ou não conhecem ninguém que esteja passando ou já tenha passado por isso, um dia acredito que entenderão e se lembrarão de Sylvia.
Lu: A peça aborda a relação entre humanos e animais de estimação, em particular, a relação entre Greg e Sylvia.Eu sei que você, Simone, é apaixonada por cachorros na vida real. Então, de que forma sua experiência pessoal com animais de estimação influenciou sua interpretação desse papel?
Simone: Ela determinou a escolha dessa peça para eu produzir. A primeira vez que li o texto, eu estava num avião indo de Nova Iorque para Los Angeles fazer um teste. Durante o voô eu já comecei a experimentar expressões, gestos, olhares. Quando o avião aterrizou, fechei os direitos autorais por telefone. Para mim, os cachorros fazem parte da família. São seres evoluídos, que só doam amor e não pedem nada em troca. Tenho cachorros desde bebê. Recusei um patrocínio de uma marca de ração porque o gerente de marketing da empresa me disse que cachorro tem que ser tratado como cachorro e não como parte da família. Nem perdi meu tempo em responder. Agradeci, me levantei da mesa e saí. E o intuito dessa peça era fazer com que as pessoas que não tinham cachorros passassem a tê-los. Se eu não tivesse essa relação com os cachorros, talvez eu não tivesse escolhido esse texto.
Lu: Qual mensagem ou sentimento você espera que o público leve consigo após assistir a “Sylvia – Uma Comédia Romântica”?
Simone: Que todo mundo deveria ter um cachorro, e que se permitisse viver a transformação que o sentimento que eles nos despertam causa.
Lu: Além de atuar, você também é conhecida por suas contribuições como tradutora e autora de traduções de peças teatrais. Poderia compartilhar um pouco sobre esse aspecto de sua carreira e como ele se relaciona com sua atuação em “Sylvia”?
Simone: Traduzo peças de teatro que eu produzo e já traduzi algumas que alguns amigos produziram, pois morei muito tempo fora durante minha infância e falo espanhol e ingles nativos. Para mim é algo prazeroso. Sou daquelas que gosta de seguir o texto exatamente como ele é. Sou contra mudanças num texto pois ele tem um autor. Se alguém quer modificar um texto penso logo que a pessoa deve escrever o seu texto e não usar o texto de outra pessoa. Ser autor é uma profissão. Para isso pagamos por direitos autorais. Quem escreveu aquele texto quer ser conhecido mundo afora e como tradutora, produtora e atriz respeito muito isso. Se eu fosse autora e visse um ator colocar um caco no meu texto, mataria a personagem rapidinho (risos). Acho que esse aspecto da minha carreira se relaciona muito com a forma com a qual eu encaro tudo na minha vida: com seriedade, com respeito, com disciplina, retidão e dedicação. E posso dizer que encaro meus trabalhos como atriz dessa maneira.
Lu: Você poderia compartilhar algum momento memorável ou engraçado que aconteceu nos bastidores das preparações ou das apresentações de “Sylvia”em temporadas anteriores?
Simone: Tenho duas histórias muito engraçadas e uma muito especial, todas memoráveis. Todas aconteceram no dia 15 de julho de 2019, quando Sylvia estreou para convidados no Teatro das Artes em São Paulo. O elenco incluía eu, Cássio, Françoise e Rodrigo, e a plateia era composta por quase novecentas pessoas da classe artística, imprensa e familiares.
Naquela noite, eu tinha convidado José Possi Neto, um dos diretores que mais admiro e com quem sonho em trabalhar. Possi é conhecido por ser muito seletivo com o que assiste, o que tornou sua presença um verdadeiro presente para mim. Eu sabia mais ou menos onde ele estava sentado na plateia. Quando a cortina se abriu, pela primeira vez, inexplicavelmente, minha boca secou completamente, e meu lábio superior subiu, fazendo-me parecer Tatá Werneck no Lady Night em um dos seus quadros. Eu juro que não estava nervosa no início, mas comecei a ficar. Naquele momento, nem me lembrava mais do Possi. Porém, houve um momento em que eu simplesmente não conseguia mais falar, meu lábio teimava em não descer, e fiquei quase 15 minutos tentando disfarçar o que estava acontecendo. Cássio e Françoise não entendiam o que estava acontecendo, e de repente, me lembrei do Possi na plateia. Foi quando comecei a entrar em pânico. Pensei que estava tendo um AVC e imaginei: “Vou fingir um desmaio e eles vão fechar a cortina”.
Finalmente, consegui sair do palco e ir para os bastidores, onde pude beber um pouco d’água. Depois desse susto inicial, as coisas se acalmaram, e o restante da apresentação correu muito bem. No entanto, em determinado momento da peça, o personagem do Cássio deveria jogar uma bolinha para Sylvia pegar, e, justamente naquela noite, a bolinha ficou presa em um local da coxia a quatro metros de altura. O contrarregra não conseguia encontrar a bolinha reserva. Na cena, Sylvia trazia a bolinha para o personagem Greg, e, com metade da equipe técnica tentando liberar a bolinha presa e a outra tentando encontrar a bolinha reserva, a situação ficou hilária. Eu voltei ao palco, interpretando Sylvia, como aqueles cachorros que não conseguem encontrar um brinquedo quando jogamos e repeti: “Greg, eu não acho a bolinha.” ou “Greg, cadê a bolinha?”. Todos na plateia riram muito, mas ninguém percebeu que aquilo era um improviso.
Por último, naquela noite, meu pai estava entre os espectadores. Um italiano conservador que inicialmente desejou que sua filha, que atuava desde os sete anos, se tornasse médica. No entanto, ele acabou aceitando a minha escolha de seguir a carreira de atriz. Foi a primeira vez que ele me viu atuando em minha oitava peça, e ele já havia assistido a seis estreias anteriores de peças minhas. Dediquei a peça, como sempre fazia, a ele e a minha mãe. Ele adorou Sylvia e me disse: “É alegre!”. Meu pai nos deixou em 8 de julho de 2020, após sofrer um infarto, aos 68 anos, quase um ano após aquela noite memorável. Este ano será mais triste sem a presença física dele, mas Sylvia e todas as outras peças que ainda farei sempre serão dedicadas a ele e a minha mãe.
Lu: Uma frase
Simone: “Há sempre algo de ausente que me atormenta.” – Camille Claudel
Lu: Um sonho
Simone: São muitos! Tornar as pessoas que amo imortais, ajudar todos que eu posso a terem uma vida melhor, fazer do mundo um lugar melhor de alguma forma, emendar um trabalho no outro, e atuar com Tom Hanks.
Lu: Um lugar
Simone: Três! A casa dos meus pais. Paris. Nova Iorque.
Lu: Um livro
Simone: Como escolher só um, gente? Bom, hoje eu diria The Way of Integrity: Finding the Path to Your True Self , de Martha Beck.
Lu: Uma meta
Simone: Pagar as minhas contas com meu trabalho de atriz. Emendar um trabalho no outro. Nunca parar de trabalhar como atriz fazendo bons trabalhos, que me desafiem profissionalmente e que tornem uma profissional e uma pessoa melhor.
Lu: Uma música que a faz sorrir
Simone: The Dog Days Are Over e Nel Blu Dipinto Di Blu, que faz eu me lembrar do meu pai.
Lu: O que a deixa verdadeiramente emocionada?
Simone: Além de lembrar, conviver e vivenciar as coisas mais simples que a vida nos dá, que para mim estão muito ligadas aos momentos com a minha família, acho que ver a inocência, a bondade e a empatia das pessoas.
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