Um diamante negro que grita a liberdade e canta a desigualdade racial e social. Assim é Lazzo Matumbi, uma eterna criança que acredita na possibilidade de um mundo melhor e faz questão de tocar o coração das pessoas através da música. Acompanhe nosso bate papo super reflexivo no bairro da Ribeira, em Salvador.
NJ: Matumbi quer dizer “pedra sagrada” em Iorubá. Como se deu a escolha do seu nome artístico?
Lazzo: Inicialmente eu era chamado de Lazinho Diamante Negro. Com o tempo, o produtor Baby Santiago, identificou que era pouco comercial e sugeriu “Lazzo Matumbi”, que, como você bem identificou, Matumbi” significa ‘Pedra Sagrada’. Gostei da ideia e adotei. A partir daí, me consolidei em carreira solo.
NJ: Quando você começou a tomar gosto pela música?
Lazzo: Ahh, isso começou na minha infância. Meu tio era do exército e tocava clarinete na banda marcial. Ficava fascinado de vê-lo ensaiando. Minha mãe, em épocas de São João, fazia os sambas juninos com sambas de roda na Baixa do Gantois, onde hoje é o Largo da Garibaldi. Aquilo era um pouco do que acontecia no Recôncavo Baiano. Havia a tradição da vizinhança oferecer licores, bolos, amendoins. Ao mesmo tempo, eu ouvia tocarem o candomblé de Mãe Menininha. E ouvia, do outro lado da margem, os ensaios da Juventude do Garcia. Na adolescência comecei a me deslocar para lá e então aprendi a tocar percussão.
NJ: Você integrou a ala de canto do Ilê Ayê nos anos 70. Como foi a experiência? Foi ali que começou a sua carreira profissional?
Lazzo: Defino como o início da minha carreira profissional, o momento em que gravei meu primeiro disco, produzido por Baby Santiago, o compacto simples de nome “Lazzo Matumbi’, que continha apenas 2 músicas: Uma, “Salve a Jamaica”; a outra “Guarajuba”, de Elson Ramos e Zacarias. O convite para integrar o Ilê Aiyê veio depois. Eu já era um líder de blocos, conseguia falar para as massas. Daí chegou o convite para cantar no Ilê. Mas carreira profissional aconteceu desde a gravação deste 1º disco.
NJ: Você declarou que não faz questão de estar na mídia, mas sim no coração das pessoas. Qual contribuição você pretende dar ao mundo através da sua arte?
Lazzo: Não é meu foco trabalhar para agradar a imprensa. Me interessa muito mais trabalhar a música enquanto arma social, pois a arte é poderosa! A arte bate e não dói. Ao contrário, ela penetra nas pessoas e faz pensar.
NJ: Das suas canções, por qual tem um carinho especial? Por quê?
Lazzo: Gerar uma música é como criar filhos. A gente tem amor por todas. Mas confesso minha predileção por ‘Do Jeito que Seu Nego Gosta’, pois foi a canção que me tornou conhecido.
NJ: Geralmente você prefere trabalhar bastante um álbum antes de lançar outro. Algum motivo especial pra isso?
Lazzo: Especial? Não. Só não gosto de me sentir refém dessa “ditadura” do mercado. Prefiro acompanhar a reação das pessoas, avaliar o impacto de cada canção no meu público. Eu também sou feito de respostas e de um somatório de sentimentos. Gosto de dar um tempo para me inspirar de novo, de estudar o que quero dizer e mostrar na música.
NJ: Conte-nos um pouco sobre o seu novo trabalho que inclui a música 14 de maio. Tem planos para gravação de um DVD?
Lazzo: Acho que o DVD é uma trajetória saudável e importante para consolidar, mais adiante, áudio e imagem da tônica de um trabalho que pretende ser memorável. Quanto à música “14 de Maio”, ela surgiu como uma grande reflexão social que eu vinha maturando, do meu incômodo do povo negro, que colore as festas populares, carregar a pecha de “Alegria da Cidade”, Sim, somos isso também, mas, ao mesmo tempo, carregamos em nossa história uma realidade plural e esta nem sempre é feliz e bonita. É preciso olhar de frente as mazelas para a qual o povo negro foi relegado. A partir desta música, comecei a pensar as outras e resolvi gravar um novo disco. Mas é claro que o público pode esperar também um Lazzo autenticamente romântico no próximo trabalho, que tem título provisório de “Minha Paz”.
NJ: De onde busca inspiração para as suas letras?
Lazzo: Do meu cotidiano, do que vivo e observo sobre a vida, dos espaços onde circulo e das diferenças de mundo. Não há uma inspiração específica. Por vezes, uma paixão ou uma decepção são capazes de me inspirar.
NJ: Como avalia a sua trajetória artística?
Lazzo: De luta, persistência e garra, além de acreditar muito no meu trabalho e talento. Persisto sempre. Hoje me sinto em uma nova onda, retomei minha carreira em uma crescente.
NJ: Na arte, você grita a liberdade e aborda a desigualdade racial. Como você avalia o espaço do negro na música hoje em dia?
Lazzo: A gente vive em um país demagogo no que tange o racismo. São muitos os artistas que não têm ou não recebem seu devido valor. Vejamos o talento de Márcia Short, por exemplo. Enquanto não entendermos que a gente precisar superar convenções e quebrar axiomas, não haverá respeito às diferenças. Particularmente, minhas músicas sempre irão refletir estas inquietação.
NJ: O que acha da nova geração de músicos e compositores? Destacaria alguém?
Lazzo: Vejo um bando de gente nova fazendo música bacana, mas não quero destacar um ou outro artista apenas. Não quero incorrer em injustiças. Tenho ouvido muito rap e me impressionado com as letras escritas pelos meninos das periferias, que estão incomodados com tanta desigualdade racial e social.
NJ: Como nasceu o bloco Coração Rastafari?
Lazzo: Da necessidade de ser independente dentro do Carnaval de Salvador. Eu queria juntar pessoas que pensam positivamente, que queiram fazer amigos, que não tenham preconceitos e que se unem, no carnaval, para brincar em paz. Gosto de cantar para pessoas assim, independente de qual condição financeira elas possuam.
NJ: Você lançou um bloco sem cordas. Como você avalia as transformações que o carnaval de Salvador vem passando nos últimos anos?
Lazzo: Acho interessante que isso tenha, de um certo modo, acordado os outros artistas. Quando fiz isso, é porque me incomodava o quanto as cordas apartavam. Via pessoas da classe econômica pobre separando justamente outros pobres. Mas que bom que a classe artística enfim percebeu que podemos ser juntos, sem distinção, numa só energia para promover o carnaval.
NJ: Já se sentiu prejudicado pelo mercado cultural baiano em algum momento?
Lazzo: Claro. Quando o mercado restringe a qualidade e só quer um tipo de produto musical, a gente fica à margem e faz, isoladamente, nosso trabalho. Embora Salvador seja uma cidade altamente plural, com uma diversidade musical que transborda pelos cantos, o mercado restringe talentos, dita modas, age de forma provinciana.
NJ: Como começou a sua parceria musical com o músico Jimmy Cliff e qual foi a importância disso na sua carreira?
Lazzo: Ele veio fazer um show em Salvador e eu fui convidado por Margareth Menezes para cantar “Me Abraça e Me Beija”, então ele gostou muito da minha voz e disse que meu canto o emocionava, que o impacto, para ele, foi o mesmo de quando ele conheceu Bob Marley.
Jimmy começou a gravar um disco em Salvador e me pediu para acompanhá-lo depois em sua turnê, opinando sobre as faixas, arranjos etc. Ficamos amigos, ele acatou muitas sugestões e o vi febril para conhecer o samba reggae. Sugeri a ele o percussionista Gabi Guedes e Jimmy gravou 2 músicas neste ritmo: uma foi ‘Blecaute’ e a outra ‘Samba Reggae’. Depois ele me pediu que eu abrisse os shows dele, cantando sempre três músicas minhas. Aí, eu encerrava minha participação enquanto cantor, mas permanecia no palco fazendo percussão e backing vocal.
A turnê mundial com ele foi esplendorosa! Ele pesquisava sobre o samba reggae e eu aproveitei para pesquisar o reggae quando estivemos na Jamaica. Por fim, após um tempo, optei por voltar ao meu trabalho e dar continuidade à minha carreira. Mas a experiência com Jimmy foi riquíssima!
NJ: “Alegria da Cidade” aborda, entre outras coisas, a mistura de ritmos. Como você define seu estilo musical?
Lazzo: Rsrsrs. Não sei dizer qual estilo musical faço. Sinto que crio fusões entre o samba, ijexá e maracatu, sempre com influencias do candomblé. Mas recentemente, noto que minha música tem influências dos EUA, da Jamaica, do samba de roda, do samba duro e da Chula.
NJ: Você canta “Olhos de Xangô”, letra de Jorge Portugal. A canção aborda os mistérios do mundo e na última estrofe fala em “lavar nossos medos nas marés”. O que seriam esses medos?
Lazzo: Acho que representa o medo de vivermos em um país com tantas desigualdades e em um mundo com pouco amor. Uso uma frase de Bob Marley que diz que a gente precisa estar alerta para o medo de um amigo virar, a qualquer momento, um inimigo. Esta briga pode ser eterna se não entendermos que os espaços devem ser compartilhados com o respeito às diferenças e que, sem isso, não se constrói um mundo melhor.
NJ: O Senado aprovou a sua indicação para receber a Comenda Senador Abdias Nascimento, entregue às personalidades que oferecem contribuição relevante à proteção e a promoção da cultura afro-brasileira. Como recebeu essa indicação e qual e a importância desse reconhecimento pra você?
Lazzo: Recebi como um incentivo para dar continuidade à missão de fazer o melhor pela minha gente. O fato de receber uma Comenda que leva o nome de Abdias do Nascimento é uma honra!
NJ: Se você pudesse se encontrar com o menino que foi um dia, o que diria a ele?
Lazzo: Que ele não esquecesse seu lado criança de ser. Nunca perdi o link com a música. Me vejo eternamente como um menino sonhador.
NJ: Pra você, qual é o foco mais importante em uma ideologia política?
Lazzo: Proporcionar o bem-estar às pessoas. Se a gente pode, através da força política, ajudar o próximo, penso que não existe razão melhor para o viver.
NJ: Uma frase
Lazzo: Como diz Gilberto Gil, “O Melhor lugar do mundo é aqui e agora”
NJ: Um lugar
Lazzo: Itacimirim- BA
NJ: Um sonho
Lazzo: Viver em um país onde o respeito às diferenças seja presente, além de ver minha gente ser bem representada em várias instâncias de poder. Ver menos desemprego, menos desigualdade, etc.
NJ: Uma música que te faz sorrir?
Lazzo: “Me Abraça e Me “Beija” – que sempre que canto me dá alegria no coração. Me deixa com um sorriso interno. 🙂
NJ: Lazzo Matumbi por Lazzo Matumbi
Lazzo: Sou um sonhador. Uma eterna criança que acredita ser possível viver em um mundo melhor. Lázaro Jerônimo Ferreira não se difere muito de Lazzo Matumbi, apesar deste último ser mais conhecido. Sou simples, humilde, respeito a vida, as diferenças, mas, acima de tudo, um ser feliz.
NJ: Lazzo, muitíssimo obrigada por participar da nossa Janela. É uma alegria tê-lo aqui.
Lazzo: O prazer também é meu!
Vídeo:
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2 Comments
Son Izabe
5 de junho de 2018 at 18:45Amei tudo Lu,…vc como sempre arrasa com suas entrevistas, e Lazzo é especial.
Dalia Leal
9 de julho de 2018 at 23:52Mais uma vez estou aqui curtindo o Nossa Janela. Amei a entrevista com Lazzo! e parabéns Luciana Leal tbém pela excelente galeria de fotos!