Ele começou a fazer teatro em comunidades de Salvador, mas foi no filme “Ó Paí Ó” que ganhou visibilidade nacional. Confira o bate-papo com o ator Érico Brás, o Jurandir da série “Tapas e Beijos”, sobre a carreira, a família, religião, a importância do Bando de Teatro Olodum para o cenário da política negra do Brasil e a falsa democracia racial existente hoje no país.
NJ: Você nasceu no Curuzu. Foi lá que começou a fazer teatro?
Érico: Sim, eu sou nascido no Curuzu, na Senzala do Barro Preto. Passei a infância ali, sou do tempo que o Ilê (Bloco Afro Ilê Ayê) fazia ensaios na rua e eu acompanhava junto com a minha família. Mas comecei a fazer teatro mesmo na Fazenda de Coutos, que é um bairro do subúrbio de Salvador. Fiz a primeira peça nos grupos de teatro da igreja católica, era um grupo de comunidades mais velhas e estava integrada a escola, a interpretação das coisas da bíblia.
NJ: E quando entrou no Bando de Teatro Olodum?
Érico: Em 1999. Entrei no Bando por conta de um projeto que eles tinham chamado “Toma Là Dá Cá”, que pegava esses grupos de comunidades e colocava no palco. Como eu levei o meu grupo, Marcio Meireles me viu e chamou para integrar o Bando, que naquela época estava fazendo uma oficina de seleção. Eu já entrei fazendo o “Cabaré da Raça” que é um espetáculo político, panfletário e que tem uma importância muito grande no cenário da política negra do Brasil.
NJ: Qual é a importância do Bando de Teatro Olodum na sua vida? Ele abriu muitas portas na sua carreira?
Érico: O Bando de Teatro Olodum é uma referência e surgiu para mim como uma vitrine. Através de dramaturgia própria, particular do bando, começou a criar coisas e começou a me expor enquanto ator negro. Eu não sei se estaria trabalhando como ator se eu não começasse no Bando.
NJ: Você integrou o elenco de Cabaré da Raça. Como foi essa experiência?
Érico: Cabaré da Raça é um espetáculo atemporal e infelizmente, ainda é atual, porque tão cedo a gente não vai conseguir resolver a questão do negro no Brasil. A gente não admite que o racismo existe. Enquanto a gente não conseguir admitir, a gente não vai resolver. E o Bando de Teatro Olodum cumpre esse papel de lembrar que o Brasil é um país constituído também por negros e que nós não somos escravos. Nós somos descendentes de africanos escravizados. Isso ficou muito claro pra mim depois que eu entrei no Bando. Isso ajudou a engrossar a minha consciência política e intelectual, além do papel que eu devo assumir na sociedade enquanto homem negro, ator, cidadão e pai de família.
NJ: Você está em cartaz com “Noite Infeliz” (Clique AQUI e veja). Como é isso de Comédia Musical das Maldades?
Érico: É o primeiro espetáculo que eu faço assim sem compromisso nenhum. Eu acho que eu, enquanto ator, tenho esse direito e também é trabalho, sabe? A produção tem uma competência incrível e nesse trabalho foi o que contou muito pra mim na pessoa do Rodrigo Velloni, que é o produtor. No elenco a gente tem Mariana Santos, Rodrigo Fagundes, Françoise Forton e Maria Bia. Além da produção de Victor Garcia Peralta que é um grande amigo, um cara que eu confio e acho um grande diretor. É uma comédia, eu faço um personagem que é um Fausto Brasileiro, um cara que tenta tudo pra se dar bem até fazer um pacto. E aí eu não posso contar porque as pessoas devem ver a peça. A gente teve pouco tempo, o espetáculo foi construído em um mês, o mês de dezembro. Estreamos na 1ª semana de Janeiro, tudo muito corrido.
NJ: Conte-nos um pouco sobre o espetáculo.
Érico: O espetáculo é um teatro de revista, ele pincela vários gêneros nos quadros e a gente resolve tudo muito rápido nas cenas. O texto é do Maurício Guilherme e a gente aproveitou muito do que o autor escreveu, brincando em cima. Por isso que foi um pouco difícil. Mas a gente está muito feliz em fazer o espetáculo. A primeira temporada foi essa agora no Rio de Janeiro e a gente tá indo pra São Paulo, a estreia é dia 3 de abril no teatro Sergio Cardoso. Nós nos divertimos muito em cena e eu acho que é isso que tem dado ao público a diversão. Ele consegue se divertir vendo a gente se divertindo.
“…O palco é como altar pra mim sacrificio com resultado na graça.
Prazer seguido de esforço
Responsabilidade julgada pela cumplicidade do público…”
(Érico Brás)
NJ: “Ó Paí Ó” foi rodado em Salvador e conta o cotidiano de um grupo de moradores do Pelourinho. Como foi a experiência?
Érico: O Pelourinho é um lugar muito especial, um lugar que tem uma carga, um peso histórico e desde sempre, teve o negro como protagonista da história daquele lugar. E depois da mudança que teve, de ter sido transformado em um Shopping Center a céu aberto, a vida das pessoas também mudou. O Bando de Teatro Olodum foi criado no Pelourinho, no início dos anos 90 e tem o compromisso de mostrar a história dessas pessoas. “Ó Paí Ó” é nada mais nada menos que isso, a história do povo baiano que reflete e ecoa no povo brasileiro. No mínimo em cada cidade tem uma comunidade muito parecida com a comunidade do Pelourinho, vivendo as mesmas condições, os mesmos conflitos, as mesmas alegrias, os mesmos tesões. E a gente conta isso no filme.
NJ: Você se tornou conhecido nacionalmente através do Reginaldo de “Ó Paí Ó”. Esse trabalho foi um divisor de águas na sua vida?
Érico: Ele pra mim foi de extrema importância porque foi uma vitrine. Foi o filme e a série que me colocou para o mundo como ator e valorizou a arte que eu faço, valorizou o que eu pensava e o que o Bando de Teatro Olodum faz com o negro. Tudo isso ecoou por causa de “Ó Paí Ó”. Não só pra mim, mas pra vários outros atores. E semelhante ao que eu falei da peça que eu estou fazendo, o Bando de Teatro Olodum tem uma propriedade na sua linguagem, na sua dramaturgia. Então por isso, foi mais tranquilo a gente chegar na TV, no cinema, e contar essa história com tanta firmeza. E ficou tão verossímil, tão próximo do que é real, que as pessoas compraram.
NJ: Como era o clima de gravação?
Érico: O clima de gravação era maravilhoso. A gente teve uma experiência muito bacana que foi gravar algumas cenas durante o carnaval. Foram situações maravilhosas pra mim. Foi uma espécie de experiência solar. Posso chamar assim porque o brilho que deu na minha vida e na minha cabeça pra o cinema foi ímpar.
NJ:“Tapas e Beijos” é unanimidade nas críticas positivas. A que você atribui esse sucesso?
Érico: “Tapas e Beijos” é um sucesso estelar também. Já no primeiro ano, bateu “A Grande Família”, que também foi estelar e não saiu mais desse top. Nós somos a melhor série da televisão brasileira hoje e o personagem Jurandir não deixa de ser também um dos grandes personagens da TV. Isso eu tenho certeza porque o retorno que o público me dá, garante que eu fale isso. As pessoas se identificam, me param na rua pra dar conselho ao personagem rsrsrs, é super interessante. Foi uma virada na minha carreira, sabe?
Essa temporada que a gente vai entrar agora é um pouco mais curta, mas o fôlego da gente está lá, a alegria de fazer, a satisfação, a diversão. Tudo isso reflete na câmera e chega na casa da pessoa toda terça-feira. Por conta disso, acho que a série é sucesso. Não tem segredo, a gente está lá de corpo e alma, entregue aos personagens, ao que está escrito e isso vem contribuindo diretamente para o sucesso do programa.
NJ: Como é o relacionamento com o elenco?
Érico: A Andreia Beltrão é uma pessoa que eu admiro. Conheci e aprendi a admirar muito, pela experiência, pela cumplicidade que ela tem com os colegas de cena, especialmente comigo que estava entrando no meio daquelas pessoas tão experientes. Flavio Migliaccio, é uma história em pessoa, enfim, todos. O elenco por inteiro, incluindo Mauricio Faria, que é o nosso diretor, um cara de uma sensibilidade muito grande. Por essas e outras o Jurandir é sucesso,né?
NJ: O Jurandir caiu nas graças do público…
Érico: É um personagem que tem a ver com a malandragem brasileira, é um “Zé Pilantra”. Ele é mulherengo, se mete em trapalhadas. Mas é aquilo que a gente fala,né? O brasileiro sempre dá um jeitinho. E Jurandir, como bom brasileiro sempre dará um jeitinho rs
NJ: A profissão de ator não é fácil. Pensou em desistir em algum momento?
Érico: Não. Eu já precisei trabalhar em outras funções para sustentar o meu sonho, mas nunca pensei em desistir. Essa é a prova de que eu nasci pra isso e eu vou viver isso enquanto eu tiver fôlego de vida.
NJ: Quais são as maiores dificuldades enfrentadas por quem quer fazer teatro no país?
Érico: O Brasil que a gente está vivendo é um país que não valoriza os seus artistas como deveria. Eu tô falando desde a remuneração até o reconhecimento da criação e da contribuição que os artistas dão para o intelecto brasileiro. E isso, sinceramente, eu não sei quando a gente vai conseguir mudar. E um conselho que eu dou para quem quer fazer teatro é: Faça, mas tem que estudar, tem que ser formador de opinião, tem que entender que o artista é responsável pela revolução que a gente tanto espera nesse país e que até hoje ainda não chegou e eu não sei quando vai chegar. Eu sou curioso com isso porque eu não fico esperando. Eu não quero que a revolução venha para os meus filhos. Não, eu quero hoje, quero agora. Eu sou um cara do agora. O meu tempo é agora. Meu pai de santo fala isso, o tempo da gente tem que ser agora, a gente tem que mudar as coisas a cada dia no espaço que a gente está. Seja no trabalho, na família, na rua onde a gente mora. E o ator tem esse papel, essa é a responsabilidade, também do artista, do ator. Então, eu aconselho, quem não tem vontade, nem peito pra isso, desista. Porque a gente não tem hora pra pensar nisso, acontece o tempo inteiro, acompanha a gente. É um fardo espiritual e quem não tem ombros pra segurar isso, não vai ter massa cefálica pra resistir.
NJ: Como você lida com as críticas?
Érico: Eu sempre ouvi bem, li bem, recebi bem as críticas. Acho que a gente cresce quando ouve críticas construtivas. As destrutivas, eu não faço questão.Eu apago, deleto, jogo fora.
NJ: Como surgiu o “Tá Bom Pra você” ?
Érico: O “Tá Bom Pra Você” é um canal que a gente criou com críticas à publicidade. É algo necessário, mas a gente deu uma parada por falta de apoio das pessoas do meio. As próprias pessoas que estão lutando contra isso, muitas não apoiaram da forma que a gente precisava. A gente preferiu dar uma parada até mesmo por causa dos custos. Eu e Kenia Maria, minha sócia na empresa e criadora do “Tá Bom Pra Você?”, estávamos investindo do próprio bolso. Mas é um programa que está vivo na nossa cabeça ainda.
NJ: Você concorda que existe hoje uma falsa democracia racial no país? Qual a sua opinião em relação a isso?
Érico: O Brasil se diz um país com democracia racial, mas é mentira. A gente sabe que o negro não está inserido em tudo quanto deveria estar. E para a mulher negra, ainda é pior, ela está abaixo de todos na escala: Do homem branco, da mulher branca, do homem negro. É a que mais sofre. Não existe democracia racial neste país quando ainda somos tratados como se fossemos propriedades de algumas pessoas e escravos. Então não existe, infelizmente. A gente está remando para chegar nela, mas as vezes me parece que a gente não sabe aonde ela está e está remando contra a maré. Eu falo, porque, as vezes a gente não sabe o que quer. E os que sabem o que querem, não estão juntos.Tem pessoas como Carlos Moore, que está tentando lançar um livro, chamado “PICHON”, com a sua própria biografia. Ele é um cara que tem muito a contribuir para destruir as bases do racismo no Brasil e no mundo. E ele não tem apoio, sabe? É complicado avaliar isso.
NJ: Qual é a sua relação com a religião?
Érico: A minha relação com a religião é muito definida. Eu sou de Candomblé, porque eu sou negro, sou descendente de africano e não vejo em um país que não tem democracia racial, eu ficar sustentando uma entidade que há muitos anos atrás escravizou, autorizou, legitimou, a escravidão e a morte de negros no Brasil e no mundo. E se hoje o povo negro vive a margem da sociedade, que é o legado da escravidão, por quê ficar cultuando, sustentando uma instituição que foi responsável por este legado que temos agora? Eu sou Ogã de Xangô, sou confirmado, feito de Santo e tendo a responsabilidade que eu tenho no mundo religiosamente, a minha interpretação, a minha visão de Deus é completamente diferente. Deus está em tudo que é vivo.
NJ: Qual é a importância das folhas pra você?
Érico: “Sem folha não existe vida”. Dizem meu Babalorixá e minha esposa, Kenia Maria, que tem o cargo de Yalorixá de Oxum. A frase é a representação sintetizada do significado da importância das folhas na vida da gente. Aprendi muito cedo com meus pais que, através delas, podemos alcançar a cura de enfermidades do nosso corpo, e protegê-lo reorganizando as energias. Cada pessoa tem um orixá, e para cada orixá, suas ervas particulares. Na minha casa faço questão de ter plantadas ervas para o dia a dia. Eu e minha família sempre usamos essa reposição energética.
NJ: Você tem alguma meta especial na sua vida?
Érico: Minha meta é ser uma referência, mas do que já sou, sabe? Isso implica em ser um grande cineasta brasileiro, um grande ator, ser um cara exemplo e ter poder. Sou apaixonado pelo poder no sentido positivo da palavra. Não aquele que faz qualquer coisa pelo poder. Mas eu acredito que tem alguma coisa nesse país que é mobilizador e que não está nas nossas mãos, não está nas mãos do negros, das pessoas que são intelectuais e pensadoras e que podem fazer alguma coisa. Eu quero acessar esse poder para que eu possa transformar a sociedade, como a gente fala o tempo inteiro.
NJ: Você já declarou que é muito ligado a família. Quais são os seus programas preferidos quando está com eles?
Érico: Ah, eu sou uma pessoa muito família, adoro estar com eles. A gente gosta muito de viajar. Se tem uma coisa que está no nosso orçamento anual é viajar, passear, divertir, conhecer novas culturas. Sempre que a gente pode, faz isso. Eu acho que a família é a base do ser humano, onde você troca, onde você constrói, onde você pega raíz para criar e onde você carrega a sua energia para enfrentar essa sociedade tão preconceituosa, tão problemática, tão problematizadora de tudo.
NJ: Uma frase
Érico: O que os olhos não vêem, o coração não sente
NJ: Uma música
Érico: Hum… são tantas…mas eu vou escolher uma que a gente está precisando. É a Happy de Pharrell Willians
“It might seem crazy What I’am abaout to say “Pode parecer loucura o que estou prestes a dizer
Sunshine she’s here, you can take a break A luz do sol, ela está aqui, você pode fazer uma pausa
I’am a hot air balloon that could go to space Sou um balão de ar quente que poderia ir para o espaço
With the air, like I don’t care baby by the way” Como o ar, como se não me importasse, aliás”
“ (Happy) bring me down “(Feliz) me pôr para baixo
Can’t nothing (Happy) bring me down Nada pode me pôr para baixo
My level’s too high Meu nível é muito mais alto
(Happy) bring me down” (Feliz) me pôr para baixo”
NJ: Érico Brás por Érico Brás
Érico: Justiça.
NJ: Uma Palavra
Érico: Amor
NJ: Palavra linda para encerrar a nossa entrevista. Obrigada, Érico! Espero poder contar com a sua participação outras vezes nessa Janela que também é sua. Beijo de luz!
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10 Comments
Mariana
26 de março de 2015 at 17:08Amei a entrevista com Erico!!! Adoro Jurandir. kkkkkk
Dalia Leal
26 de março de 2015 at 21:17Parabéns à Érico Brás pela brilhante carreira e competência profissional! obr. ÉRICO pelos momentos de alegria a mim proporcionados em Ó Paí Ó mto me divertia c suas atuações! q todos os santos abram seus caminhos! e vc Luciana Leal como sempre, perfeito trabalho!!!!!.
lucio Sacramento
26 de março de 2015 at 21:17Ótima entrevista. Negro de opinião, visão e dignidade. Um exemplo a seguir.
Rafaela Simon
26 de março de 2015 at 21:22E de um coração gigante! Acompanhei seu trabalho voluntário dando aulas de teatro à crianças carentes…
Mila Oliveira
26 de março de 2015 at 21:24Essa matéria ficou tudooooo!!!! Arrasou!!!!
Son Izabel
27 de março de 2015 at 09:34Amei a matéria Lu…Um super ator Baiano cheio de talentos. E vc como sempre, MARAVILHOSA em tudo que faz Bjos
Terezinha Sukenski
2 de abril de 2015 at 07:59É de cabeças como a sua que o mundo precisa Parabéns.
Janeide Sena
2 de abril de 2015 at 08:01Mandou ver no bloco Araketu carnaval com Tonho Matéria !
Dira Paes
2 de abril de 2015 at 08:12Que Demais!
Acácio do Sacramento
22 de abril de 2015 at 17:13Muito bom !
Confesso que é uma grande lição de socialismo e competência.