Ator Carioca apaixonado pelos palcos, Maurício Machado realizou um dos seus grandes sonhos, em julho de 2014, ao inaugurar o Teatro J.Safra, em São Paulo, e tornar-se seu Diretor e Curador Artístico. Nessa entrevista exclusiva para o Site Da Minha Janela, o artista fala sobre a sua trajetória, seu personagem em Chiquititas, o cenário cultural do país e a programação em comemoração ao primeiro aninho do Teatro. Confira:
DMJ: Maurício, quando você percebeu o interesse pela cultura?
Maurício: Desde menino. Bem menino já tinha a certeza disso. Ficava magnetizado diante da TV vendo Oscarito, Grande Othelo, Paulo Gracindo, Dercy, Chico Anysio, Jô Soares, Armando Bógus, Ary Fontoura, Yara Amaral, o Sítio do Pica-Pau Amarelo, tantos outros. Não falava por timidez, embora já tivesse certeza de que seria aquilo que desejava/fascinava … mas era um universo tão longínquo da minha realidade familiar que tinha até vergonha de falar. E quando finalmente tive; foi um desastre. Um balde de água gelada. De família muito católica, a primeira manifestação teatral que tenho lembrança em meus olhos …são as procissões da igreja. Achava lindo aquilo e uma grande celebração acima de tudo artística. A primeira vez que entrei em um Teatro, para assistir uma peça tinha 11 anos, fui levado por uma colega da escola e entrei sabe lá Deus como, porque a peça tinha censura 18 anos. Tinha a Claudia Raia no elenco. Fui assistindo e tendo certeza de que tinha encontrado meu lugar no Mundo!
DMJ: Quais são as maiores dificuldades enfrentadas por quem quer viver de teatro hoje no Brasil?
Maurício: No Brasil ? Todas! Absolutamente todas. Isso aqui não é um país que se possa levar a sério! Se você a tem como sua legítima e verdadeira profissão, como forma de sobreviver única e exclusivamente dela … digo que é para machos! cascas grossas … Como diria o velho e sábio Abujamra: ‘Desita enquanto é tempo!!’
DMJ: O que falta para que possamos ter uma política cultural mais justa?
Maurício: Políticas publicas que não façam leis com o bolso de quem produz! Obrigando o ‘pobre’ do produtor, que pela escassez da figura do produtor (que já desistiu faz tempo) e é o próprio Artista; a uma infinidade de obrigatoriedades de impostos, contrapartidas, inspeções, varreduras…
As esferas públicas partem do pressuposto que é diletantismo ou que você é um sujeito preguiçoso, indolente, e que se contente com qualquer esmola, porque seu trabalho não tem o menor valor. Mas, como ‘mico’ de presença vip em eventos públicos partidários somos muito bem- vindos. Como a classe artística, está toda ela à mercê, estamos como cegos no tiroteio … desorganizados, e cada um tentando salvar o seu.
DMJ: O que acha do vale cultura?
Maurício: Acho incrível e válido qualquer iniciativa de promover, democratizar e fomentar a cultura. Muito se fala que o teatro é caro, mas não acredito nisso,não. É muito mais uma questão de interesse, e de criar oportunidades. A produção cênica em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais é frenética. Existem muitos espetáculos excelentes gratuitos e espetáculos de todos os custos. Para quem realmente quer, sempre há uma forma, uma alternativa de se assistir.
DMJ: Como você avalia a sua trajetória?
Maurício: Lutando incansavelmente desde os meus 12 anos por um sonho, um desejo, um chamamento interno, que chama-se vocação acima de tudo. Acima de qualquer coisa, essa é a minha vocação. Não foi um sonho de fama, glória, riqueza, e status. Foi e continua sendo (mais do que nunca) uma trajetória pela sobrevivência, de forma brava, guerreira e obstinada. Por quê sou forte ? Sim sou! Mas porque não me resta nenhuma outra alternativa! Nenhuma.
DMJ: Quais são as principais diferenças entre atuar na TV e no teatro? É este último a sua verdadeira paixão?
Maurício: O Teatro é minha casa. Meu porto definitivo. E de onde nunca e jamais posso me ausentar. Mas acho que essa é uma profissão distinta de todas as demais. São poucos, muito poucos os atores no país que tem a opção de escolher ser ator de teatro, cinema ou TV exclusivamente. Eu estive por muitos anos ator de teatro. Amo incondicionalmente o teatro, respiro, como, durmo e sonho – sim, todos os meus sonhos são teatrais- mas sempre desejei ter uma carreira que transitasse por todos os veículos, por todas as possibilidades que meu ofício pudesse oferecer, e não somente os mais óbvios, mas também o circo, o rádio, os eventos …
O teatro é o local pleno do ator. A arte que acontece ali, não poderá ser revista daqui há alguns anos. Ela marca e toca no coração e na lembrança das pessoas. Cada sessão é diferente e única, é onde o trabalho do intérprete é de corpo presente e inteiro, entregue, de alma. E ainda, quando a platéia está ali cooperando, na mesma sintonia que os atores …a magia acontece! Mas, aprendi que a TV me torna um Ator mais preparado, inclusive para o Teatro!! Por conta de seu ritmo insano e industrial, ela te afia, te instiga a ser um profissional mais rápido e atento para os desafios, resoluções e escolhas, que a quantidade de cenas diferentes te exige todo dia.
DMJ: Quem são as suas referências na dramaturgia?
Maurício: Harold Pinter, Shakespeare, Brecht, Molière, Tennessee Williams. Os nacionais: Nelson Rodrigues, Suassuna, Plínio Marcos, Maria Adelaide Amaral, Leilah Assumpção, Miguel Falabella, Sergio Roveri, Fernando Bonassi e também tem uma safra nova muito talentosa que vem surgindo com força no teatro brasileiro, Jô Bilac, Daniela Pereira de Carvalho … etc.
DMJ: Quais são as maiores dificuldades de fazer um monólogo?
Maurício: Imaginava que era muito difícil … Mas é muito além do que imaginava. É uma pressão estratosférica antes de tudo, de você para si próprio. Depois da equipe toda de criação do espetáculo. Todos te dizem tudo ao mesmo tempo … a luz (tem que estar nos focos), vestir certo o figurino, a coreógrafa tem os últimos ajustes, o operador de som que pede para você seguir à risca o que está no roteiro senão ele não põe a música … diretor que te dá as últimas coordenadas, é de enlouquecer qualquer um ….rsrs
Fora isso você tem o compromisso, de não esquecer o texto (que em um monólogo é o maior terror de todos! rs), segurar a platéia, surpreendendo-a e mantendo o nível de atenção e interesse … Não é pouco! Por várias vezes, ensaiando imaginei que não fosse dar conta daquilo tudo: texto, interpretação/corpo/atitude diferente para cada um dos 5 personagens, dominar a técnica da luz, do som … tudo sozinho. Me recordo do dia da estreia, que acordei cheio de espinhas e assaduras no corpo, e uma dor de barriga fulminante, bem próximo a hora da estreia … não conseguia ir para o teatro por conta do piriri que tive. Quando cheguei no teatro e entrei no camarim … estava com Taquicardia! Nunca profissionalmente passei tanto nervoso em minha vida. E olha que estava bem preparado para a estreia, e tudo chegou com muito tempo de antecedência … mas a responsabilidade e o desafio são enormes e assusta sim. Esse foi o trabalho mais desafiador que já fiz, o mais importante. Foi um risco enorme, mergulhei de cabeça naquilo, mas foi tão rico, uma experiência transformadora como ator.
Depois, durante a temporada é conviver com a solidão de não ter a quem desejar ‘merda’ antes de começar e na hora de ir embora do Teatro, não ter o colegas para rir e comentar da sessão anterior.
DMJ: Por que o teatro ainda é uma arte tão pouco valorizada no nosso país?
Maurício: Porque somos um país que não valoriza o estudo, a educação, a leitura. A cultura é produto supérfluo e que interessa para muito poucos. A cultura de massa assola a nós mesmos a cada ano que passa. A situação é seriamente muito pior entre os jovens, as novas gerações e estarrecedora a cada ano. Fora isso, vivemos um momento de cerceamento no campo das artes, que tem em muito a ver creio, com uma ira da sociedade e com os desajustes em relação a voz e o narcisismo que passamos a ter com as redes sociais. Um empobrecimento galopante do discernimento reflexivo, estético, moral … A cada obra artística que vejo, ouço, leio, me pergunto sempre ‘aonde estão as pessoas?’ Porque as pessoas não estão aqui se matando para consumir isso ? Mas, os interesses são outros … bem outros!
DMJ: Qual foi a situação mais constrangedora que você já viveu atuando?
Maurício: Vivi várias.
Muitos acham que vim de família rica. Talvez por ter ‘cara’ de rico. Mas meus constrangimentos foram desde cedo, ter negada minha vocação por meus pais! (hoje maduro … penso, que talvez eles estivessem mesmo certos!!), por não ter grana, por ser uma profissão que te obriga a ter grana, por ser um garoto suburbano carioca (e havia uma segregação entre a turma da zona sul do teatro e quem não era da patota), por ser tímido, por não ter a turma da praia, por não fazer parte das rodas acadêmicas (porque tinha que trabalhar e me virar, fazendo animação de festa infantil, porta de concessionária e eventos corporativos), por não ter patota nenhuma. Era eu, só eu, uma ideia, um desejo e alguma certeza de que tinha talento. E um constrangimento brutal de usar qualquer arma de beleza para conquistar uma oportunidade que não fosse minha por merecimento.
DMJ: Qual personagem mais lhe deixou saudade?
Maurício: Tem dezenas deles … mas, que os demais não se enciumem, o Quasímodo de ‘O Corcunda de Notre Dame’ foi um grande personagem, difícil e de muitas nuances e estados distintos. Os meus 5 amigos/personagens de ‘Solidão, a Comédia’, me trazem muita saudade também.
DMJ: Você está no ar em Chiquititas. Como é a sua relação com o público infantil?
Maurício: Minha estreia como ator ainda amador, pouca gente sabe … mas, foi em 1986 em um Orfanato de meninas … fazendo um Príncipe. Acho que foi a vez, que mais dei autógrafos na vida. Minha estreia profissional, foi em 1987, e justo para esse público. E na sequência, tive a sorte de fazer excelentes trabalhos para este público, muitos clássicos, grandes papéis: em peças de Maria Clara Machado, Gulliver, O Fantasma da obra de Oscar Wilde (com adaptação de Walcyr Carrasco), Cyrano de Bergerac etc, e algumas indicações para prêmios muito importantes do Teatro para a infância e Juventude (Apetesp, Mambembe, Zilka Salaberry, Coca-Cola etc). Adoro o publico infantil, e acho fundamental o bom teatro comprometido com a formação de futuros cidadãos pensantes-críticos e melhores, além da formação de base de plateia. Hoje não raro esbarro com esse público que já adulto se recorda de ter visto um espetáculo comigo na infância. Me assusto ! A repercussão em ‘Chiquititas’ é impressionante. Sendo um bandido na novela, não imaginava que as crianças fossem querer se aproximar de mim, se caso me reconhecessem. Mas, são muito carinhosas e amáveis comigo. Um carinho doce e fraterno que seria bom se contaminasse de alguma maneira o mundo.
DMJ: Como o Teatro J. Safra surgiu na sua vida?
Maurício: Quando me perguntavam qual era o meu maior sonho … sempre respondia … ter um Teatro! Deixava os produtores de elenco da TV Globo bem descansados … porque meu foco era o Teatro e tudo que tiraria dele: Respeito e o sonho de minha subsistência através dele e meu ofício. Minha paixão, meu tesão e obstinação por Teatro são tão grandes… que é o lugar que quem quer mesmo me encontrar vai esbarrar comigo … no palco onde estarei ou nas centenas de plateias que procuro estar … vendo tudo. Gosto do cheiro do Teatro, fico horas apreciando no saguão as fisionomias de quem vai e escolhe ir ao Teatro. Sentindo os perfumes, achando uma delícia aquele burburinho da plateia … antes de começar uma apresentação. Foi algo que busquei, corri e lutei por anos e anos … tive e vendi o espaço do Teatro Shopping Vila Olímpia, estive perto de arrendar outros, outros em negociações infindáveis … Mas, não aconteceram.
Não era o momento, e nem a hora certa, aos desejos de Deus. Minha trajetória como Ator de Teatro, e como Homem que produz Teatro (para realizar seus próprios trabalhos e outros para sobreviver), foram um caminho natural … para aquilo que você sonha, luta, projeta e se sincero e com empenho … conquista!
DMJ: Como funcionam os cursos oferecidos pelo Teatro para jovens de baixa renda?
Maurício: São oficinas perenes de Dramaturgia e Interpretação. Sem custo nenhum e que as pessoas podem se inscrever no site do Teatro e sem qualquer burocracia. Os Artistas e a cultura são os grandes responsáveis por tentar mudar algo na sociedade … Outros setores deveriam ter a mesma responsabilidade. Não o tem. Neste caso, particularmente me dá muito prazer, mesmo que modestamente poder contribuir para o aprimoramento e conhecimento em qualquer nível inclusive de status social.
DMJ: Quais são as novidades que podemos esperar para as comemorações do primeiro ano do Teatro?
Maurício: Vamos ter um mês especial … apesar de muuuuita luta para conseguir um patrocínio para trazer uma atração erudita em um concerto especial que desejava … e não foi possível … porque nesse país atualmente só se fala em crise … e tudo que é ligado à cultura estamos sem horizontes, perspectivas … Seria a ideia de uma programação que englobaria do Erudito ao Popular. E claro passando por toda a pluralidade de gêneros e estilos. Propondo o que foi comprovado até agora em 11 meses de Teatro: Diversidade e comunicação com todos os públicos. Fechamos outros grandes Artistas exponenciais do Teatro, da Música, da Dança e do Humor.
Teremos então, logo após a temporada de estrondoso sucesso de Heloísa Périssé: Na primeira semana, Luíz Melodia. Na segunda semana, Gal Costa, que esteve na abertura da casa e, por isso dá nome a um dos camarins, com seu show Espelho d’Água, em que é acompanhada apenas pelo violonista e guitarrista carioca Guilherme Monteiro. Teremos ainda, Zélia Duncan, em um show que está preparando agora para a ocasião. Depois a Cia. de Dança Cisne Negro. Para encerrar, Daniela Mercury, se apresentando para a plateia de um Teatro. Às quintas-feiras o comediante popular, Paulinho Gogó, fenômeno do Stand-Up Comedy no RJ e Brasil e pela primeira vez em SP.
Para as crianças na sequência a respeitada Cia. Imago estreia ‘Carnaval dos Animais’. Só falta agora o público prestigiar e fazer sua parte, para festejar conosco !!
DMJ: Uma frase
Maurício: Sempre tem uma que se adequa as circunstâncias do dia e ao humor também.
DMJ: Uma música
Maurício: Uma adequada para cada momento.
DMJ: Um lugar
Maurício: Há pouco tempo atrás viajar, atualmente também. Mas, atualmente ando dando prioridade à minha casa, meu quarto, e este tem sido meu melhor lugar … com as pilhas de livros que não sei se conseguirei ler até o fim de meus dias, música e filmes.
DMJ: Uma palavra
Caráter: engloba tudo que fidelizo.
DMJ: Mauricio Machado por Mauricio Machado (Como você se define)
Maurício: Batalhador, Guerreiro, um Sobrevivente por ter lutado sozinho e sem acolhimento e ajuda de quem quer que seja … É duro. Mas, é também uma vitória e orgulho!
DMJ: Mauricio, muito obrigada! Espero poder contar sempre com a sua participação na nossa Janela. Sucesso e muito arte na sua vida! Beijo de luz!
5 Comments
Aninha Assis
3 de julho de 2015 at 18:34Adorei conhecer um pouco mais sobre a trajetória deste ator guerreiro. Parabéns ao site pela maravilhosa matéria!
Tiago Morenno
3 de julho de 2015 at 18:35Adorei a entrevista! Parabéns!!!
Andrey de Castro
3 de julho de 2015 at 18:36Muito boa a entrevista!
Alice Veiga
3 de julho de 2015 at 19:22Matéria maravilhosa!
Dalia Leal
4 de julho de 2015 at 00:18Parabéns Luciana Leal pela excelente entrevista! desejo muito sucesso ao Maurício Machado, exemplo de profissionalismo, amor à dramaturgia, batalhador q c sua vocação, persistência e competência, conseguiu vencer mostrando ao público a sua arte!