Silvero Pereira

Silvero Pereira

Nasceu em Mombaça, sertão do Ceará. Aos 13 anos mudou-se para Fortaleza, mas só aos 17 começou a estudar teatro. Tornou-se ator, criou o coletivo “As Travestidas”, atravessou o Brasil pesquisando sobre o universo trans e hoje viaja o país com o monólogo BR-Trans. Já no seu primeiro trabalho na TV foi indicado ao prêmio melhores do ano, da Rede Globo, pela personagem Elis Miranda na novela “A Força do Querer”. Estamos falando de Silvero Pereira, com quem conversamos agora.

SNJ: Silvero, você declarou que o teatro o salvou. Exatamente do quê?

Silvero: Sou  uma pessoa que vem do interior, de uma família muito pobre, que passou por todos os estereótipos que se tem sobre o nordestino: falta de comida, falta de água… então, enxerguei no teatro a possibilidade de me tornar um profissional e foi essa possibilidade que permitiu que me tornasse confortável hoje. É uma profissão que além de me satisfazer como pessoa e como artista, também ajudou muito na minha estrutura pessoal. O teatro me salvou tanto financeiramente quanto enquanto indivíduo em sociedade.

SNJ: Qual foi o seu primeiro contato com o teatro? Como tudo começou?

Silvero: Desde pequeno eu sempre quis ser artista. Sou do interior, do sertão central do Ceará, da cidade de Mombaça. Fui para a capital aos 13 anos mas só comecei a estudar teatro profissional aos 17 anos. Entrei para a Escola Técnica Federal para cursar o ensino médio, onde educação artística era ensinada por profissionais da área e aí acabei me envolvendo de verdade porque vi como o teatro era feito. Passei a enxergá-lo não só como entretenimento mas principalmente  como profissão.

SNJ: Você buscou trabalhar com teatro político foi por acaso?

Silvero: Eu optei por isso, mas acredito em vários tipos de teatro: no teatro de entretenimento, publicitário, no teatro comercial… porém, apesar da minha formação ser muito mais artística do que sociológica é o teatro de questionamentos, de discussões que consegue me tocar profundamente.

SNJ: O que quer dizer exatamente BR-Trans?

Silvero: É o resultado de uma pesquisa de 12 anos que foi transformada em uma peça de teatro. BR vem de Brasil e TRANS de travestis, transexuais e transformistas, que é o meu contato com esse universo. E também é uma analogia com a BR 116 que corta o Brasil inteiro. Eu saí de Fortaleza para o Rio Grande do Sul para realizar essa pesquisa, então,  estava transitando de uma região para outra.  É o trans do universo de diversidade de gênero, mas também o trans de trânsito, de deslocamento.

SNJ: Conte-nos um pouco sobre o espetáculo

Silvero: O espetáculo foi construído com base em pesquisas e histórias colhidas em conversas  com travestis, transexuais e transformistas durante esse trajeto.  É fruto de um documentário que virou dramaturgia. São histórias reais que atravessam meu corpo e viram personagem. Na peça conto exatamente como fui tocado com cada uma delas.

As travestis hoje estão muito ligadas a conceitos marginais, a prostituição, ao gueto. Mas ninguém sabe quais são as histórias dessas meninas.

SNJ: Você continuou em cartaz com a peça enquanto gravava a novela. Percebeu alguma diferença na receptividade do público?

Silvero: Muita diferença e acho isso engraçado. Minhas redes sociais por exemplo,  tinha 12 mil seguidores e hoje tenho mais de 680 mil.  Discutir na televisão, em um horário nobre, um assunto que eu já discutia no teatro, tornou o meu trabalho e essa discussão muito mais visível. Além de acompanhar o personagem na novela, as pessoas criaram interesse pelo ator e isso fez com que a percepção do meu trabalho no teatro fosse ampliada. O público que não me conhecia passou a querer ir me assistir.

SNJ: Como chegou na TV?

Silvero: Eu cheguei na novela por causa do teatro. A Glória Perez foi assistir BR-Trans e me levou para a televisão. Na verdade o personagem é a Elis Miranda e Nonato é como ela se traveste para tentar sobreviver na vida. Sem dúvidas, o papel foi um presente da Glória Perez porque pude continuar discutindo a diversidade.

Uma novela que consegue atrelar questões sociais com entretenimento, de maneira artística, consegue de uma forma muito mais imediata atingir o telespectador pela identificação, pela emoção. Assim, de forma sutil, a gente consegue abrir as cabeças para o conceito de uma sociedade mais livre.

SNJ: Colocar um assunto polêmico na TV, fazer com que ele não seja combatido e sim abraçado pelo público é um grande desafio. A Glória conseguiu isso em vários aspectos, inclusive na trama da Elis/Nonato. Você esperava todo aquele sucesso do personagem?

Silvero: O mais genial da Glória Perez foi que ela fez o movimento correto. Ela não fez com que essas histórias entrassem já de uma maneira estereotipada  e caricatural, que é o que a gente já tem no histórico da teledramaturgia brasileira. Ela conseguiu comover as pessoas, antes de tudo, pela história de vida dos personagens e não pela condição de vida. As travestis hoje estão muito ligadas a conceitos marginais, a prostituição, ao gueto. Mas ninguém sabe quais são as histórias dessas meninas. A Glória construiu a história de vida dessas pessoas, permitindo que ganhassem a simpatia do público. Acho que esse foi o ponto que a gente mais conseguiu identificação. As pessoas  se comoveram com as histórias e olharam para os personagens com olhar humano, com olhar afetuoso, deixando de lado a discriminação.

SNJ: Infelizmente o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Os dados são alarmantes. Para você, qual é a importância desses debates em uma novela?

Silvero: Uma novela que consegue atrelar questões sociais com entretenimento, de maneira artística, consegue de uma forma muito mais imediata atingir o telespectador pela identificação, pela emoção. Assim, de forma sutil, a gente consegue abrir as cabeças para o conceito de uma sociedade mais livre.

SNJ: Como recebeu a indicação para o prêmio Melhores do Ano pelo seu personagem Nonato/ Elis Miranda?

Silvero: Ah eu fiquei muito feliz porque é o resultado final de um trabalho. Entrar na televisão pela primeira vez, fazer um trabalho em uma emissora pela primeira vez, mesmo depois de 18 anos fazendo teatro é maravilhoso. Mas você ser indicado pelo programa de maior audiência da televisão brasileira é um reconhecimento incrível. Principalmente porque os indicados para o prêmio do Faustão são indicados pelos próprios funcionários. E são eles que estão lá no dia a dia, vendo quem chega na hora, quem é responsável, quem respeita todo mundo. Eles não avaliam somente quem é bom ator, avaliam quem é um bom profissional em todas as instâncias. Saber que eu cheguei nesse lugar me deixa muito feliz.

SNJ: Foi bacana também mostrar a diferença de comportamento do Eurico, vivido pelo Humberto Martins, em relação ao universo trans. Você tem conhecimento de alguma situação em que o espetáculo BR – Trans influenciou pessoas nesse sentido?

Silvero: Sim, foram muitas mudanças. O BR-Trans faz parte de um grupo de teatro que se chama “As Travestidas” e existe há 17 anos no Ceará. Através dele a gente conseguiu  mudar toda uma estrutura de sociedade preconceituosa em Fortaleza. Há 17 anos atrás não existiam atores que decidiam se travestir no teatro, não existiam atores ou atrizes trans dentro da universidade, não existiam espetáculos que falassem sobre isso sem medo de represálias. Hoje, são  muitos artistas decidindo se montar sem medo do preconceito nas ruas, seja para fazer arte ou para viver a própria vida. Além disso, são muitas as  pessoas que assistem  a peça e vem comentar coisas do tipo: “nossa, agora eu consigo pensar melhor sobre esse assunto” ou “agora consigo olhar melhor para uma travesti, para uma trans” ou “ agora consigo ir além do que eu pensava superficialmente”. Sem contar nas mudanças comportamentais dentro da própria família, pais que passaram a compreender melhor os filhos nessa condição.

A gente já sofre muito com o conservadorismo e com a quantidade de pessoas que tentam impedir que o discurso contra a tolerância e o preconceito avance. Então, se a gente não consegue enxergar quem são os aliados, a gente corre um  grande risco do opressor ir ganhando cada vez mais espaço.

SNJ: Existem alguns movimentos em relação à busca de representatividade em vários segmentos. Inclusive algumas pessoas defendem que personagens trans devem ser vividos exclusivamente por atores trans. Como você enxerga esses movimentos e qual sua opinião sobre o assunto?

Silvero: Eu acho que eles têm todo direito de colocar em prática suas lutas, existe muito preconceito, realmente. E acho que existe um problema sério que é de formação. Ainda é muito difícil ver trans cursando cursos básicos de teatro, fazendo faculdade de teatro porque existe um preconceito muito grande, tanto da sociedade quanto da própria classe artística. Elas precisam lutar pelo espaço delas. A gente só não pode correr o risco e a negligência de combater pessoas que na verdade são aliadas. A gente já sofre muito com o conservadorismo e com a quantidade de pessoas que tentam impedir que o discurso contra a tolerância e o preconceito avance. Então, se a gente não consegue enxergar quem são os aliados, a gente corre um  grande risco do opressor ir ganhando cada vez mais espaço.

SNJ: Qual foi o melhor conselho que recebeu dentro da sua profissão e de onde ele veio?

Silvero: “ Você nunca ganha nada pelos seus belos olhos. Você ganha alguma coisa pelo seu esforço e pelas pessoas que estão ao seu lado, construindo junto”. Esse conselho veio do meu primeiro professor de teatro.

SNJ: Pra você, como artista, qual seria a melhor forma para educar a população brasileira a valorizar mais a arte?

Silvero: A arte é uma arma muito importante. Mas o problema não é só a arte. O problema está na educação, nas políticas públicas. Eu, por exemplo, sempre quis ser artista, mas só aos 17 tive contato com a arte. E há um problema muito sério nas escolas, a educação artística não é uma educação artística de qualidade. O que está faltando mesmo é uma união entre a educação, a arte e as políticas públicas para que a gente possa ter uma compreensão melhor de como essas instâncias podem ajudar a sociedade.

SNJ: Você declarou que tem muita vontade de ser pai e adora crianças. Já trabalhou com o público infantil?

Silvero: Sim, já fui professor de teatro de crianças e adolescentes. As pessoas nascem sem distinção, sem julgamentos. Porém, como a gente vive em uma sociedade preconceituosa e intolerante, essa criança na maioria das vezes recebe isso como uma certeza, infelizmente. Acho que temos muito o que aprender com as crianças. No momento não me sinto preparado para cuidar de uma por causa da falta de tempo, contudo, esse é um desejo muito forte.

SNJ: De onde busca forças para transpor os obstáculos da vida?

Silvero: Busco da minha própria vida, de tudo que acontece nela desde pequeno. Da minha família, do meu Nordeste, do meu sertão, da falta de comida, falta de água, das pessoas que não têm oportunidades para melhorar de vida.Tudo isso me move a mostrar para essas pessoas que ainda há esperança.

SNJ: Como você lida com as críticas?

Silvero: Acho que elas são funcionais. Temos que ouvi-las sim, mas não podemos ser reféns delas. Você tem que ter muita certeza do tipo de trabalho que exerce para que as críticas o atinjam de uma forma construtiva. Se são destrutivas e não vão contribuir em nada para o meu trabalho, simplesmente ignoro e faço de conta que não aconteceu.

SNJ: Você é mais do ar, do mar ou da terra?

Silvero: Do ar.

SNJ: Como é a sua relação com a religião?

Silvero: Eu tenho uma relação muito devota com a religião, mas não sou muito comprometido. Tenho as minhas crenças, a minha maneira de agradecer, de pensar e de pedir, mas não tenho tempo para construir essa religião na minha vida. Então, para não acabar me tornando uma pessoa desatenta com a religião, optei por não me envolver tanto. Prefiro, na medida do possível, agradecer e prospectar coisas boas para a minha vida a partir dos meus Orixás, a partir da minha crença em Deus, da minha crença nos espíritos, da minha crença na natureza e de tudo que estiver ao meu redor.

Vivemos em uma sociedade que tem uma deficiência de informação e por isso ainda é extremamente preconceituosa.

SNJ: Um lugar

Silvero: Minha casa. É o meu porto seguro, o lugar que eu me sinto bem.

SNJ: O que o deixa indignado?

Silvero: A injustiça, com certeza.

SNJ: Uma mania

Silvero: Mania de trabalho. Sou uma pessoa que não gosta de ficar muito tempo de folga, de férias. Sou uma pessoa bem inquieta.

Silvero: Um desejo:

SNJ: Que a gente possa ser mais afetuoso, mais amoroso com as pessoas. Que a gente olhe com mais afeto para o próximo.

SNJ: Um sonho:

Silvero: De uma democracia de fato. E que a gente consiga viver em um lugar onde as pessoas possam ser elas mesmas e que todos tenham direitos garantidos de verdade.Vivemos em uma sociedade que tem uma deficiência de informação e por isso ainda é extremamente preconceituosa. Essa deficiência se dá, principalmente, por conta da educação e das políticas públicas. A nossa bancada conservadora é muito maior do que a bancada mais libertária. Então, os conceitos de uma sociedade mais livre demoram para chegar a virar lei e serem inseridos na sociedade. Na educação é a mesma coisa. Até um estudo virar tese e cair no dia a dia é muito mais complicado.

SNJ: Uma Música

Silvero: Balada do Louco

SNJ: Uma frase

Silvero: Da música “Balada do Louco”

“Dizem que sou louco por pensar assim

Se eu sou muito louco por eu ser feliz

Mas louco é quem me diz

E não é feliz, não é feliz…”

(Ney Matogrosso)

SNJ: Silvero Pereira por Silvero Pereira

Silvero: Eu coloco isso no meu instagram: Sou um” trabalhATOR” o tempo inteiro.

SNJ: Silvero, muito obrigada! Que você continue rodando o país e trazendo a tona essa discussão tão importante para todos nós. Beijo de luz e sucesso!

Silvero: Obrigada a você Lu, pelo espaço. Um lindo ano para você, a equipe do site e todos os leitores.

Galeria:

Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

6 Comments

  1. Avatar
    Paula Lubiana
    25 de janeiro de 2018 at 20:21 Reply

    Premio super merecido! Excelente personagem!
    Adorei a entrevista Lu!

  2. Avatar
    Dalia Leal
    25 de janeiro de 2018 at 23:01 Reply

    A atuação do Silvero Pereira em A Força do Querer extrapolou minhas espectativas!
    Gloria Perez foi super feliz na escolha!
    Parabéns Silvero pela atuação!
    Excelente entrevista e galeria de fotos perfeita!

  3. Avatar
    Maria Bethania
    27 de janeiro de 2018 at 15:07 Reply

    Que Deus abençoe vc cada vez mais. Que sua voz seja ouvida neste mundo e que o preconceito seja vencido pelo amor e pela dignidade.

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    Ana Karina
    27 de janeiro de 2018 at 15:08 Reply

    Parabéns querido. Muito feliz por você

  5. Avatar
    Maria Eduarda Pedroza
    27 de janeiro de 2018 at 15:10 Reply

    Acho ele um gênio. Orgulho dos mombacenses!

  6. Avatar
    Toinha Diniz
    27 de janeiro de 2018 at 15:10 Reply

    Deus te abençoe e muito mais sucesso

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