No dia 11 de julho (quinta-feira), Matheus Peleteiro lança o seu mais novo projeto, intitulado “Nossos Corações Brincam de Telefone sem Fio”, a partir das 19h, no Rio Vermelho. O livro de poemas é o sexto do jurista, que também já publicou outras obras, alternando entre gêneros com coletâneas poéticas, romances e contos. Conversamos com o escritor baiano sobre o livro, questões sociais, seu processo literário e suas outras obras.
NJ: Matheus, como nasceu o seu interesse pela literatura?
Matheus: Eu tinha 16 anos e, até então, a minha única leitura tinha sido “Pelé Eterno”. Estava fissurado pela série Californication, e descobri que o protagonista tinha sido inspirado num personagem do escritor Charles Bukowski. Adquiri um livro seu e, após, mergulhei na sua obra e na de suas referências, me encantando ao descobrir uma espécie de narrativa crua e visceral totalmente diferente da que eu havia sido apresentado no colégio.
NJ: Como funciona o seu processo literário?
Matheus: Consigo começar o livro, de fato, somente depois de ter formulado o fim da história em minha mente. Para escrever um poema, um conto ou um romance, preciso saber onde quero chegar. Depois, escrevo o início. As pesquisas me acompanham com rabiscos e esboços durante a construção dos textos, entretanto, posso dizer que me movo a partir de um misto entre vivência e pesquisas. As situações que passo, que assisto, os filmes que vejo e os livros que leio enquanto escrevo acabam desenhando o rumo dos meus textos.
NJ: De onde busca inspiração para os seus textos e poemas?
Matheus: Busco na vida real, seja exaltando os magníficos detalhes que deixamos passar, ou me revoltando com o noticiário. Toda indignação que sinto é transformada em literatura. Inclusive, o Brasil é o país ideal para um escritor que extrai combustível a partir deste sentimento. Temo que, caso um dia o país se torne ideal e exemplar, acabe sem ter o que escrever (risos).
NJ: Quem são as suas maiores influências na literatura?
Matheus: Costumo dizer que Charles Bukowski foi o meu professor de escrita, mesmo sem saber, afinal, se não tivesse descoberto a sua obra, certamente não seria um escritor hoje. Porém, creio que me distanciei um pouco dele durante o percurso, e hoje posso acrescentar Rubem Fonseca, Albert Camus, Ray Bradbury, John Fante, Clarice Lispector, James Barrie, e até autores contemporâneos, como Diego Moraes.
NJ: Na próxima quinta-feira, 11 de julho, será o lançamento do seu novo projeto intitulado “Nossos Corações Brincam de Telefone Sem Fio”. Conte-nos um pouco sobre o livro e o seu processo de construção.
Matheus: O livro contempla uma coletânea de poemas que envolvem diferentes percepções sobre o amor, escritos em diferentes momentos. Apesar do tema, mesmo ao escrever sobre o amor, não consegui fugir de nenhum dos temas que habitam o meu âmago e permeiam a minha literatura, de modo que, por trás de cada poema, é possível notar que está tudo ali: a efemeridade da vida, o receio da morte, a ode à infantilidade, o desdém às convenções sociais e à moralidade ocidental incutida em nós, baianos, o humor satírico, e um apaixonado prazer por extrair a beleza singela de cada banalidade que permeia a vida e os relacionamentos.
NJ: O que o levou a escolher os conflitos da juventude marginalizada como tema para “Mundo Cão”, seu primeiro trabalho literário?
Matheus: Penso que precisamos estar sempre discutindo sobre o futuro, e a juventude é sempre o futuro. “Notas de um megalomaníaco minimalista”, meu segundo livro, também trata sobre ela, assim como tratará o meu próximo romance, que, diferentemente de Mundo Cão, não discutirá os evidentes problemas da juventude marginalizada, mas, da elitizada. Quando escrevi “Mundo Cão”, tinha 17 anos e ouvia rap desde os 12. Era o que eu queria dizer na época.
NJ: O que o motivou a escrever “O Ditador Honesto”?
Matheus: Tive a ideia de este livro quando, acreditando estar cumprindo meu dever como cidadão, percebi que ia para as praças, eventos e shows, e escutava as pessoas urrando ‘fora, Temer!’, ‘Bolsomito!’, ‘Lula Livre!’, porém, quando tentava compreender o que diziam, para talvez até gritar com eles, tinha a impressão de que não estavam dizendo nada. Seus discursos pareciam silenciados pela falta de profundidade, e, ao repetir quaisquer deles, me sentia mudo. Não conseguia gritar. Para completar, logo após os protestos, anunciavam barbaridades políticas nos noticiários. Pensei: “eles desdenham de mim? vou desdenhar deles, é justo”, e então comecei a escrevê-lo.
NJ: Como você enxerga a relação entre ditadura e democracia corrompida?
Matheus: Acredito que, se existe a imposição das vontades de um determinado grupo ou indivíduo, existe uma ditadura, porém, se há uma divergência ideológica, e, por isso, é necessário respeitar a determinado procedimento estipulado pela vontade de um povo, a fim de que tais vontades sejam atendidas, por pior que sejam, há uma democracia. Por outro lado, se são realizados conluios para desconsiderar os procedimentos, há uma democracia corrompida.
Há uma linha tênue entre a primeira e a terceira, porém, não me parece interessante destrinchar as diferenças entre as duas. A ditadura me parece sempre pior, por não ser velada, no entanto, muitas vezes os termos se diferenciam somente para tentar disfarçar o que é evidente. A democracia corrompida é silenciosa, e, por isso, mais perigosa. Fato é que ambas precisam ser combatidas. O importante é estar sempre do lado oposto, chamemos de ditadura
ou de democracia corrompida.
NJ: “O Ditador Honesto” é um exercício de imaginação sobre o que poderia e o que não poderia ser o Brasil. Mas como você, Matheus, enxerga o nosso atual quadro político e a crise na qual o país mergulhou?
Matheus: Tenho a impressão de que Deus me achou ingênuo, deu risada da minha sátira e mostrou, através da realidade, que, no bom baianês, eu deveria ter sido muito mais “esculhambado” ao produzir uma sátira no Brasil. Enxergo o atual quadro como desesperador, irrisório, lastimável, mas, acima de tudo, desesperançoso. É realmente muito triste escutar os discursos que tem estado em evidência, e perceber que, assim como Nelson Rodrigues falou, os idiotas venceram, “não pela capacidade, mas pela quantidade”. Talvez já tivessem vencido antes, mas a gente sempre espera uma melhora gradativa, e não uma volta aos ideais do período medieval, não é mesmo? Às vezes acho que deveria ter desenvolvido personagens deputados e ministros a dizer que a terra é plana, que o aquecimento global é uma invenção marxista, e que “eles” querem exterminar os heterossexuais.
NJ: “Pro Inferno Com Isso” faz o leitor questionar seu estilo de vida e comportamentos. Acredita que estimular esse tipo de reflexão é uma das responsabilidades do escritor?
Matheus: Não. Acredito que o escritor não possui responsabilidade alguma senão produzir algo que ele próprio se orgulhe de ter escrito. Porém, ao mesmo tempo, acredito que adotar este tipo de postura é muito admirável, e somente este tipo de livro me fascina.
NJ: Como você lida com as travas da escrita, os bloqueios criativos e a procrastinação x ansiedade para concluir uma obra?
Matheus: Quando tenho alguma trava de escrita, opto por viver mais. Com isso, não me refiro, necessariamente, a viajar e buscar aventuras. Às vezes, ser consumido por trabalho e estudos serve de combustível para que eu possa voltar com um texto mais sincero e pungente. Posso soar blasé e talvez pareça que escrevo isto da boca para fora, mas o medo de não corresponder às expectativas realmente não é um problema para mim. Escrevo com o intuito de escrever algo que, se eu fosse o leitor, gostaria de ler. Caso veja o resultado e tenha convicção de que eu acharia um grande livro se o visse na rua, corro atrás da publicação. E não há crítico que me faça ter receio de publicá-lo; caso contrário, arquivo a obra.
A procrastinação e a ansiedade que são os grandes problemas. Na realidade, acho que eles agem juntos. Quando procrastino, sobretudo num romance, meu subconsciente me condena a ponto de ter insônias decorrentes da ansiedade de ter o trabalho pronto. Por outro lado, às vezes, quando estou bebendo água ou dirigindo ou sei lá o quê, me acomete a ideia de que posso morrer a qualquer momento, seja num infarto fulminante ou num assalto comprando pão, isso faz com que tenha medo de deixar obras pela metade, e a ansiedade me domina. Para lidar com isso, tenho me esforçado para utilizar essa mesma ansiedade que me prejudica, como antídoto contra a procrastinação.
NJ: Como avalia o papel dos seus livros nas questões sociais e como define o seu estilo literário?
Matheus: Considerando um cenário em que boa parte das obras são produzidas visando uma linguagem vanguardista e inovações meramente linguísticas, vejo a minha obra como uma das poucas a servir de retrato para o tempo em que vivemos, no futuro.
Não sei como definir o meu estilo. Como disse não gosto muito de conceitos, todavia, posso dizer todos os meus livros servem para condenar a hipocrisia e evidenciar o valor dos direitos individuais.
NJ: Já está pensando em algum tema para explorar no próximo trabalho?
Matheus: No momento não, mas tenho quatro obras prontas. Um ensaio sobre o homem moderno, uma coletânea de poemas que contempla variados temas, um romance sobre a juventude elitizada, como falei acima, e, por fim, um romance onde celebro a existência, no estilo das versões adultas de clássicos infanto-juvenis como “Alice no País das Maravilhas” ou “Peter Pan”.
NJ: Entre todos os seus textos e poemas, qual trecho melhor retrataria seu momento atual?
Matheus: Acredito que este trecho do poema “Perdidos No Tempo e Espaço”, publicado no livro “Nossos Corações Brincam de Telefone sem Fio” resume bem o meu momento:
“o país estava sendo bombardeado
por fake news e provocações triviais
enquanto idiotas úteis apresentavam os dois lados de uma mesma moeda como se
redes sociais fossem universidades, e tudo parecia
uma brincadeira sem graça.
repressão policial, censura ou
bombas de lacrimogênio já não podiam sequer nos
incomodar – era aquilo que o povo defendia
o que nos fazia chorar.”
NJ: O que é felicidade pra você?
Matheus: Não tenho a menor ideia. Talvez seja aquele calorzinho no peito que se sente quando você torce por alguém – ou por si –, e esse alguém – ou você próprio –, conquista aquilo pelo que torceu. Seja um reconhecimento, um desejo ou até uma surpresa.
NJ: Uma frase
Matheus: “Encontre o que você ama e deixe que isso te mate.”
NJ: Um sonho
Matheus: Viver numa sociedade onde a arte seja consumida tanto quanto entorpecentes.
NJ: Um lugar
Matheus: Morro de São Paulo.
NJ: Um livro que gostaria de ter escrito
Matheus: Peter Pan – James Matthew Barrie.
NJ: Uma música que o faz sorrir
Matheus: Ben – Rubel.
NJ: Uma meta
Matheus: Lembrar do que defendi e produzi e poder me orgulhar no leito de morte.
NJ: Matheus Peleteiro por Matheus Peleteiro
Matheus: Um niilista sonhador. Um eterno estrangeiro apaixonado por paradoxos, que escreve como se fosse morrer no dia seguinte.
NJ: Matheus, muito obrigada por participar da Nossa Janela.
SERVIÇO
Lançamento do livro “Nossos Corações Brincam de Telefone sem Fio”
Quando: 11 de julho (quinta-feira, 11/07)
Onde: Tropos Co. – Rua Ilhéus, 214, Rio Vermelho
Horário: a partir das 19h
Valor do Livro: R$ 30. Entrada gratuita.
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