A paixão pela literatura começou ainda na infância mas o mergulho nesse universo se deu após o contato com as obras de Sidney Sheldon e Paulo Coelho. Seu terceiro romance intitulado “Impacto” tem como tema um drama LGBT e aborda assuntos como depressão e ansiedade. Conversamos com o escritor Tácio Mendes sobre o romance, sua trajetória, LGBTfobia e a importância da literatura como ponto de partida para debates sobre questões sociais.
NJ: Tácio, quando a literatura passou a fazer parte de sua vida?
Tácio: Bem, aos 5 anos, eu vivia para cima e para baixo, com um livro de fábulas clássicas debaixo do braço – torrava a paciências das minhas tias, para que elas lessem as historinhas inúmeras vezes para mim. Mas meu mergulho oficial na literatura, veio após o contato com os livros de Sidney Sheldon e Paulo Coelho. Depois disso, houve o constante diálogo com os textos canônicos e acadêmicos na universidade até eu finalmente decidir escrever meu primeiro romance intitulado “O caso atlântica” – inspirado pelo renomado livro de Sheldon “A outra face”.
NJ: Como funciona o seu processo criativo e de onde busca inspiração para as suas obras?
Tácio: Meu processo criativo é simples. Tudo começa com uma ideia, que aos poucos vai crescendo na minha mente – até chegar a um ponto, que não suporto mais tê-la vivendo apenas dentro de mim -, decido materializa-la, se não eu fico muito ansioso, sentindo que algo está mal resolvido na minha vida. Em relação a inspiração, eu acredito que há um conjunto de fatores, que me inspiram. Desde leituras, filmes, músicas, videoclipes, até histórias e eventos reais – meus e dos outros (risos).
NJ: Seu mais recente trabalho publicado é o romance “Impacto”. Do que trata o texto?
Tácio: A narrativa acompanha dois rapazes: Téo e Martin. Eles sãos pessoas completamente diferentes que se cruzam nos corredores de uma universidade e iniciam uma amizade. A partir daí, o leitor começar a entrar na mente de ambos os personagens e passa, a conhecer suas várias camadas – uma delas é a orientação sexual, pois um é bem resolvido em relação a isso e o outro não. O romance também expõe, como a saúde mental de uma pessoa, pode ser afetada e seriamente danificada, por conta de preconceito, abandono e rejeição. Há momentos, onde a porta do setting terapêutico fica completamente escancarada no livro. O que posso dizer, é que a obra explora diversas nuances da vida de dois rapazes gays, que vivem em contextos nada similares, mas que criam uma ligação, após se conhecerem.
NJ: Como nasceu a ideia de escrever um drama LGBT?
Tácio: Eu sempre adicionei personagens LGBTs nos meus romances, mas eu ainda não tinha colocado suas vivências como pauta principal nas minhas narrativas. Então, eu meio que senti necessidade disso, até, porque, enquanto um rapaz gay, tenho total consciência, que necessito de representatividade. Mas confesso, que a gênese da ideia surgiu durante algumas conversas com minha psicoterapeuta – porque eu tinha essa história, dentro de mim, e precisava expulsá-la -, pois ela é uma história baseada numa vivência real minha. Sinto que houveram múltiplos fatores que levaram a escrever Impacto, tanto a necessidade de contar essa história, quanto a vontade de dar mais voz, à comunidade da qual faço parte.
NJ: O romance também trata de questões relacionadas à saúde mental. Como isso é abordado no livro?
Tácio: Como eu disse anteriormente: eu escancarei as portas do setting terapêutico nessa obra! (risos) Mas, sendo mais específico, posso lhe dizer, que o livro retrata assuntos como depressão e ansiedade. Tais assuntos são explorados de um modo bem sensível, pois fica claro, para o leitor, os fatores que causaram os transtornos nos personagens – assumo, que tem um toque quase didático, mas Impacto não serve como uma espécie de cartilha de saúde mental, e sim como um retrato, de como a mente de pessoas LGBTs pode ser danificada por fatores determinados fatores sociais.
NJ: Por que escolheu o título “Impacto”?
Tácio: Cara, que bom que você perguntou isso, Luciana, porque é uma coisa bastante curiosa. Tudo começou, quando eu li um artigo sobre “paixão obsessiva” num famoso site de saúde mental. Durante a respectiva leitura, me esbarrei com a palavra “impacto” – que se referia ao forte impacto, que alguém com carência afetiva sente, ao se apaixonar subitamente -, o famigerado crush (risos). Daí, juntei essa informação com a ideia que eu tinha – que tem tudo a ver – e decidir chamar o romance de Impacto, em referência ao impacto passional que as pessoas carentes sentem em um nível mais intenso.
NJ: Seu primeiro romance “O Caso Atlântica” teve forte influência da obra de Sidney Sheldon e Quentin Tarantino. Esses autores sempre foram referências pra você?
Tácio: Sim, posso afirmar, que Sidney Sheldon é minha maior referência. Acredito, que o jeito como gosto de descrever os personagens em seus trajes, e a forma como eu costumo construir o ritmo das minhas narrativas, são elementos que carrego, graças a grande influência que recebi dele, enquanto autor. E também sou um grande admirador do diretor Quentin Tarantino, pois suas obras permeiam muito o meu imagético – vide Kill Bill Vol. 1 e 2 e Bastados Inglórios. Acho ambos incríveis, mas enquanto Tarantino me serviu de inspiração só durante o processo criativo de “O caso atlântica”, Sheldon está sempre comigo, me rodeando, na construção de qualquer texto.
NJ: Seu segundo romance “As Unhas de Vênus” abordou assuntos delicados como a reintegração dos ex-detentos na sociedade, estupro, machismo, justiça e vingança. Como você enxerga o papel da literatura nas questões sociais?
Tácio: Olha, Luciana, eu sou muito fã do Realismo, logo, eu acredito que é muito natural e importante, existirem livros de ficção, que debatam sobre temas sociais – pois assim, podemos refletir sobre nossa sociedade e sobre o nosso tempo. Então, eu acho que a literatura tem um papel fundamental no debate sobre questões sociais. Acredito, que cada autor, possa usar seu próprio estilo, vivência e criatividade, para falar sobre assuntos, que fazem parte da construção do nosso meio.
NJ: Qual a sua opinião sobre os audiobooks?
Tácio: Ah, eu simplesmente amo os audiobooks! Acho que eles têm uma importância muito grande, enquanto instrumento de educação e inclusão, para pessoas deficientes visuais. Sem contar, que eu particularmente, acho uma delícia, ouvir meus livros favoritos serem narrados – ouvi Dom Casmurro, de Machado, um dia desses, deitado no sofá -, foi uma experiência muito gostosa. Eu gosto muito, e acho que é mais um caminho, para estimular a cultura e o conhecimento.
NJ: Cite dois ou três escritores brasileiros que você considera bons.
Tácio: Raphael Montes, Caio Fernando de Abreu e Lygia Fagundes Telles.
NJ: Como você, enquanto professor e escritor, analisa o debate acerca da minimização das conseqüências da ditadura no Brasil?
Tácio: Acho que não devemos aceitar, que fatos sejam trocados por mentiras. Os responsáveis pelo golpe militar de 1964, causaram sérios e profundos danos na população brasileira – não tenho dúvida disso! Portanto, acho que quem tentar negar isso, para tentar apagar fatos e da memória dos cidadãos brasileiros, e ignorar as sequelas ainda presentes, deve responder por sua postura desumana e nada ética – principalmente, aquele que se aproveita de sua posição de poder, para reforçar tal absurdo.
NJ: Como avalia a crise política brasileira?
Tácio: Não sou nenhum especialista em Ciências Políticas, mas, enquanto cidadão, o que posso dizer, é que eu acho o atual momento preocupante. A polarização desestabilizou o país e a falta de agenda do atual governo, para minimizar os problemas básicos, que há décadas existem no Brasil, vem tornando a situação ainda mais caótica. Os escândalos de corrupção, seguido do descaso com a as necessidades básicas da população, parecem fantasmas que nunca deixam de nos assombrar. E agora, com esse governo despreparado e raso, com um presidente que faz um desserviço ao povo, tudo parece estar tomando uma proporção maior. Então é isso, que eu acho, Luciana. Acho tudo muito preocupante – e acredito que nós temos que cobrar mais coerência, ética e responsabilidade aos governantes -, e dialogar mais entre nós, pensando no bem de todos, longe da polarização ideológica e partidária.
NJ: Há um provérbio chinês que diz : “ Quem quiser chegar a nascente , tem que nadar contra a correnteza”. Em algum momento da vida você teve que, efetivamente, nadar contra a correnteza?
Tácio: Nossa, sem dramas, mas esse provérbio para sintetizar minha vida (risos). Com certeza, houveram muitos momentos e acho que ainda haverão muito mais. A vida de um LGBT, de origem humilde, filho de mãe solo, não é algo fácil, acho que todos imaginam isso. Então, eu sinto que desde o começo da vida estou lutando contra a correnteza – até
mesmo, quando percebo que escolher escrever e lecionar, num país que tem uma educação frágil e praticamente não lê.
NJ: Se você pudesse modificar uma única coisa no nosso país, o que seria e por quê?
Tácio: Modificaria a forma como a educação pública é administrada. Acho que as instituições de ensino básico e fundamental, deveriam ser a prioridade do Estado. Porque, a educação é a única ferramenta capaz de realizar mudanças significativas nos campos moral e intelectual de um ser humano.
NJ: Finalmente o STF decidiu pela criminalização da LGBTfobia no Brasil mas infelizmente estamos longe de exterminar o preconceito. Em sua opinião, quais são as medidas que poderiam ser tomadas nesse sentido?
Tácio: Olha, foi uma vitória para nossa comunidade, mas confesso, que é lamentável ter que lutar por uma lei segmentada que nos proteja, quando na verdade, a principal ideia é que as pessoas nos respeitem e nos deixe gozar dos nossos direitos de cidadão. No entanto, infelizmente, parece que a sociedade, às vezes, aprende mais pelo medo de ser punido do que pela consciência e educação. E sim, sou a favor, de diálogos sobre a diversidade nas instituições educacionais. Acredito, que dê para fazer um trabalho didático, através das aulas de História, falando por exemplo, das conquistas da comunidade LGBT, aos longo das décadas e também nas áreas biológicas, falando sobre as pessoas que não se identificam com seu sexo biológico – e claro, educar os alunos, para que eles respeitem a diversidade e não reproduzam discursos LGBTfóbicos.
NJ: Agora você se tornou um formador de opinião para o público LGBT. Qual mensagem você transmite para jovens gays que hoje estão em uma família que não os apoia e enfrentam um momento difícil?
Tácio: A mensagem que eu deixo, é que, inicialmente, eles não se revoltem e que não se culpem, quando se perceberem enquanto LGBTs. Que eles procurem buscar diálogos saudáveis, com as pessoas que vão os apoiar genuinamente. Que eles desenvolvam amor e respeito por si, e que possam ir em busca de seus sonhos, com muita coragem e dignidade. É isso, não vai ser fácil, mas eles têm que saber que não estão sozinhos – há milhares de pessoas, prontas para abraça-los e apoiá-lo. Basta buscar caminhos salutares para poder ser quem é, sem medo. Desenvolver dignidade, sorrir sempre e lutar pelos seus direitos de cidadão e ser humano. Sejam vocês mesmos, sem medo e enfrentem as dificuldades com muita esperança e gana – sabendo que muitos já passaram por aquilo e venceram! –, e
hoje são nossos maiores exemplos.
NJ: Quais são as lições que você tem aprendido ultimamente e o que gostaria de aprender mais?
Tácio: Tenho aprendido muito e refletido bastante sobre: desapego, autossuficiência e reciprocidade. E quero aprender mais sobre: autocontrole, maturidade e paz interior.
NJ: Uma frase
Tácio: Estou neste mundo, mas não pertenço a ele.
NJ: Um sonho
Tácio: Ser um best-seller!(rs)
NJ: Um lugar
Tácio: Vila de Imbassaí, localizada no Litoral Norte da Bahia.
NJ: Um livro que g ostaria de ter escrito
Tácio: Por trás de seus olhos de Sarah Pinborough.
NJ: Uma música que o faz sorrir
Tácio: Giz, de Legião Urbana.
NJ: Uma saudade
Tácio: Passar as tardes assistindo MTV, depois de voltar da escola.
NJ: O escritor Sidney Sheldon escreveu que “a vida é como um suspense e a gente não faz ideia do que vai acontecer até virar a página”. Mas apesar disso, nada nos impede de fazer planos e lutar pelos nossos objetivos. Quais são os seus planos profissionais a curto e longo prazo? Já tem o tema do próximo livro?
Tácio: Muito boa, essa frase! Bem, eu ainda tenho um ano de divulgação de Impacto pela frente, até o fim do contrato com a editora. Fora isso, estou desenvolvendo um novo Thriller psicológico doméstico, com pretensão de publicá-lo ano que vem. Mas também estou com planos, de juntar uma turminha aí, e publicar uma antologia de contos LGBTs – vamos ver, o que se desenrola, e saí do papel daqui pra 2020.
NJ: Tácio Mendes por Tacio Mendes
Tácio: Um rapaz queer, divertido, que ama contar histórias e que sonha alto à beça.
NJ: Tácio, muito obrigada por participar da Nossa Janela.
Tácio: Eu que agradeço, Luciana! Foi uma delícia, conversar com alguém que te pergunta, exatamente, o que você sempre quis responder (risos). Beijo no coração, para ti, e um grande abraço a toda a equipe do Nossa Janela.
3 Comments
Soneide Maria Barbosa
4 de setembro de 2019 at 04:57Adorei a entrevista com esse ser iluminado, inteligente e humilde .Você como sempre arrasou. Sucesso sempre, para vcs dois.
Tácio Mendes
6 de setembro de 2019 at 22:11Obrigado, pelo carinho! Muito luz pra você.
Adriana Moinhos
6 de setembro de 2019 at 20:43Muito orgulhosa de fazer parte da vida desse garoto(a) Sempre muito sensato e realista nas questão da vida, a quem diga que ele é um sonhador! Eu tenho certeza que ele tem os pés no chão e cabeça cheia de planos para o futuro !! Parabéns querido!!