André Prando

André Prando

Certo que a força da sua existência está canalizada na voz, André Prando segue cantando, compondo e acreditando na música como instrumento de conexão. Conversamos com o músico sobre o seu estilo musical, sua trajetória artística e o novo álbum intitulado “Voador”.

NJ: André, como nasceu seu interesse pela música e como define o seu estilo musical?

André: Acredito que por volta dos 13 anos, quando tomei gosto por escrever poesias e quis aprender instrumentos para poder musicar o que eu escrevia. Gosto de pensar que faço música brasileira, com uma boa gota de rock experimental. Gosto de me sentir livre para explorar qualquer estilo.

NJ: De onde busca inspiração para as suas canções?

André: Das coisas que vivo, que ouço falar, livros, filmes, qualquer coisa pode se tornar uma canção.

NJ: Nas suas canções, é possível perceber claramente o cunho psicodélico. De onde vem essa influência?

André: Gosto da contracultura, da influência da cultura hippie no mundo, tudo que questiona, que incita a quebrar paradigmas, a liberdade, eu acho inspirador.

NJ: Fale-nos um pouco sobre o seu novo disco: “Voador”.

André: “Voador” é como a visão de alguém que paira atento a si e a seu redor, observando, absorvendo e abduzindo. As músicas refletem nosso tempo, nossos antepassados e nossas utopias. Voar é sonhar, é viajar. O show convida o espectador para uma abdução, um transe e grandes reflexões.

NJ: Um trecho da música “ Fantasmas Talvez” me chama bastante atenção : “Energia é coisa séria. Tem quem soma. Tem quem suga e o equilíbrio é leve”. Como costuma cuidar da mente e manter-se em equilíbrio?

André: Eu tenho uma natureza bem tranquila, sou introspectivo. Mas acho que algo que pode fazer bem a qualquer um é se expressar de alguma forma, através de alguma arte, ou manter um papo reto com as pessoas que se importa. Não desejar mal as pessoas, respeitar as diferenças, se colocar no lugar dos outros… não sei, cada um pode ter uma série de práticas.

NJ: Quem são os fantasmas que ainda hoje o perturbam? Acho que meu maior fantasma é compor. É sempre desafiador e isso me faz bem.

NJ: “Ode à Nudez” fala sobre cair às máscaras. Há alguma relação da letra com o atual cenário político-social brasileiro?

André: Convido-os a acompanhar a seguinte analogia: no universo de “Ode à Nudez” meu personagem com barba e sem barba coexistem e em determinado momento eles se encontram, simbolizando uma compreensão dos diferentes “eus” que possuímos. A barba é um símbolo da máscara, certo? essa ideia de tirar a barba para ilustrar ou desmascarar foi o mote inicial do videoclipe.  A partir disso elaboramos o roteiro para que a surpresa acontecesse sem que parecesse um susto, sem que parecesse um truque barato, mas que fosse sutil, que convidasse as pessoas para dentro desse universo e a fizessem percebê-lo de forma envolvente. Foi difícil imaginar como faríamos isso, mas a verdade é que o contraste brusco do mascarado e o desmascarado é TÃO inesperado, que fica difícil captar ou acreditar. Felizmente nossa proposta tem funcionado e MUITAS pessoas não percebem na primeira assistida que o personagem sem barba sou eu mesmo. Ou percebem só no final e ao rever, percebem que eu estou ali desde a primeira cena, em meio à todo mundo. Um lance meio Clube da Luta.

O cenário político-social que vivemos hoje passa por uma situação parecida. O personagem, recém eleito, passa uma imagem de pseudo-cidadão de bem a favor da família, moral e bons costumes e, sem disfarçar nem um pouco, coexiste sua faceta mais verdadeira que é intolerante, autoritário e prega o ódio de forma mais clara possível. Quando a máscara e a realidade são muito contrastantes, mesmo o olhar mais próximo e claro possível não deixa o discernimento ligar as duas coisas. As pessoas se recusam a enxergar o que está diante dos olhos, deixam passar batido. Parece que o expectador se habituou a usar uma máscara cega pra tal situação.

Acho lindo como no videoclipe pudemos apresentar o tema de forma misteriosa, leve e afetiva. Essa é uma reflexão que cabe perfeitamente no universo “Ode à nudez”, mas a temática do ego, cair das máscaras, desconstrução e desmistificar que proponho na música é um tema abrangente que, em momento algum, quis limitar à um discurso apenas. Quanto mais a pessoa puder viajar e chegar em algum lugar, melhor. Só quero ser o motorista, não quero colocar a placa do destino final.

NJ: Como avalia a crise política na qual o país mergulhou?

André: Simplesmente um pesadelo. É muito triste que estejamos tendo que passar por isso, que as pessoas tenham sido enganadas por um discurso tão raso da tal “mudança”, que tenham se contentado com uma opção tão despreparada como Bolsonaro. A onda do discurso de ódio, de fugir de debates, de autoritarismo, é simplesmente inacreditável. Espero que o povo acorde logo. Como artista, eu espero estar fazendo minha parte de inspirar o pensamento crítico e a reação das pessoas. Como canto no Voador: “A maré vai mudar, amar e mudar. Todas essas coisas eu vi num transe” (Eu vi num transe).

NJ: Você recorreu ao “Crowdfunding” para fechar o álbum. Como avalia a ferramenta e a possibilidade de financiamento virtual nesses tempos de crise?

André: Entendo o crowdfunding como o melhor exemplo de “do it yorself” – que na verdade é um “do it together” – dos tempos atuais. Como artista independente, sem patrocínio, “paitrocínio” e sem conseguir edital, foi a solução que encontrei para a produção do Voador.

NJ: A capa do disco, um desenho de Caramuru Baumgartner, anuncia um mundo de visões sintetizadas a ser resgatado. De acordo com o seu ponto de vista, quais são as visões que precisam ser resgatadas ?

André: Acredito que não há boa vida se não houver utopia. A gente precisa acreditar num mundo de paz, de respeito à todas as diferenças, de igualdade. A gente vive um momento de ódio no mundo todo que é assustador. Acredito que o mundo seria melhor sem religião também, fico muito incomodado com o quanto as instituições religiosas iludem as pessoas, cegam, oprimem.

NJ: Você declarou que “Estranho Sutil” era um álbum tão bem resolvido, que chegou a sofrer angústia, devido ao receio de não conseguir compor outras canções do mesmo nível. Após “Voador”, essa inquietação passou?

André: Isso é uma situação muito comum quando a gente finaliza uma obra. Como será a próxima? são tantas possibilidades. Acho que é uma inquietação que faz bem, que instiga o artista. Sou muito realizado com o Voador!

NJ: Você declarou que no último mergulho profundo esteve certo que a força da sua existência está canalizada na sua voz. Quais são as principais mensagens que pretende passar através da sua música?

André: Sempre me preocupo que minha música possa transformar as pessoas, possa estimular o pensamento crítico, trazer reflexão sobre os mais diversos assuntos, etc. Acredito muito na música como uma ferramenta de cura, de conexão.

NJ: Dentre as suas canções, qual trecho melhor retrataria seu momento atual?

André: “Tá tudo em cima, tudo na paz do caos”.

NJ: O que está tocando na sua playlist?

André: Milton Nascimento, Alceu Valença, Sérgio Sampaio, Queen, Radiohead, Bob Marley, Chico Cesar, Baiana System, Luiz Lian, Edgar, as mais recentes do play foram essas (risos).

NJ: Quando você pensa em sucesso na música, qual artista vem a cabeça e o que essa pessoa tem que você mais admira?

André: Eu admiro muito o Alceu Valença por muitos motivos, mas vejo como sua música é popular e explora tantas vertentes em toda carreira, é inspirador. Acho tudo nele uma ousadia maravilhosa.

NJ: Qual foi a importância do prêmio do V Festival Prato da Casa (ES) para a sua trajetória artística?

André: Nossa, fundamental! foi o pontapé inicial do meu trabalho solo, meu primeiro show como André Prando. Acredito que serviu para tornar as primeiras ideias realidade, onde as pessoas puderam ter o primeiro contato real.

NJ: Em um trecho de uma música que gosto muito, Raul Seixas diz “ não diga que a vitória está perdida se é de batalhas que se vive a vida”. Quem vive de arte no Brasil enfrenta muitas batalhas, diariamente. Quando as dificuldades aparecem, no que você se apega para não desistir?

André: Olha, o próprio Raul Seixas já foi salvação algumas vezes pra mim (risos). É uma forte inspiração pra mim. Mas acreditar no próprio trabalho, saber que minha música importa pra tantas pessoas, que é o que eu faço de melhor e de coração aberto, isso tudo me ajuda a manter o foco.

NJ: Em um trecho de outra canção ele diz que “somos a resposta exata do que a gente perguntou”. Quais são as respostas que você ainda busca entender?

André: Sempre haverão mais perguntas. Vou continuar inserindo essas inquietações em minhas músicas.

NJ: Uma frase

André: As pessoas são uns lindos problemas (Sérgio Sampaio).

NJ: Um sonho

André: Continuar

NJ: Um lugar

André: Deserto

NJ: Uma música que o faz sorrir

André: I can see clearly now (Jimmy Cliff).

NJ: Uma meta

André: Continuar cantando enquanto estiver vivo.

NJ: Uma saudade

André: sem saudades

NJ: André Prando por André Prando

André: iririu

NJ: André, muito obrigada por participar da Nossa Janela.

André: Muito obrigado pelo convite! espero que as pessoas estejam dispostas a viajar intensamente  no disco Voador, é um disco de muitas camadas que pode proporcionar reflexões bem interessantes sobre nosso tempo, sobre as utopias e sobre os paradoxos da vida.

Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

Leave a Reply