Para Maria Luiza Maia a poesia se constrói como uma costura, como uma caixa de pensamentos embaralhados que conduz o poeta à paciente atividade de desembaraçá-los e organizá-los em linhas para que o leitor possa se envolver. Seu livro mais recente “Todos os Nós”, tece uma narrativa em verso sobre a vivência da dor. É com ela que conversamos agora.
NJ: Maria, como nasceu à paixão pela poesia?
Maria: Há pouco tempo, alguns anos, quando comecei a ter contato com poetas contemporâneos, principalmente mulheres. Não fui grande leitora de poesia na adolescência e nem antes disso. Gostava do que estudava sobre poesia no ensino médio, mas as leituras não se expandiam para fora da sala de aula.
NJ: Você declarou que poesia se constrói como uma costura, como uma caixa de pensamentos embaralhados que conduz o poeta à paciente atividade de desembaraçá-los e organizá-los em linhas para que o leitor possa se envolver. De onde busca inspiração para “costurar” suas poesias?
Maria: Da mesma poesia contemporânea que falei na resposta anterior, que me mostrou que poesia pode ser feita de formas diversas, em que o interessante é perceber, ao ler, as idiossincrasias de cada poeta em seus escritos, as temáticas, as formas de organizar (ou desorganizar) os versos.
NJ: Como se deu a escolha do título do seu livro mais recente “Todos os Nós”?
Maria: Sinceramente, não me lembro muito bem. Só sabia que queria que o título remetesse à costura de alguma forma não óbvia. Falo muito de nós de garganta no livro, acredito que veio daí. Tanto que acabei intitulando um dos poemas com o mesmo nome do livro.
NJ: Na obra, você tece uma narrativa em verso sobre a vivência da dor e a importância do luto. Como nasceu a ideia de abordar temas tão sofridos através da poesia?
Maria: Só percebi que estava escrevendo sobre isso depois que vi o livro pronto. Antes disso, não tinha muita noção da temática que eu estava tratando ao escrever. Isso é bastante claro quando escrevemos prosa, mas em versos não tanto, imagino não. A percepção vem depois, quando percebemos o “todo”, os últimos poemas juntos, percebemos sobre o que eles tratam – mas não exatamente, já que poesia tem esse fator da ambiguidade, do não dito, das várias possibilidades de interpretação. Inclusive, não restrinjo o livro a essa interpretação. Não o faria com nenhum tipo de poemas, acho.
NJ: Quem é a Clara e o que tem em comum com ela?
Maria: Clara é simplesmente uma personagem que criei. Queria que os poemas, quando lidos juntos, se ligassem, e ter uma personagem seria uma forma interessante de fazer isso, a meu ver. Ao mesmo tempo que ela é uma personagem do livro, não a conhecemos de fato – não são apresentadas características sobre ela para que eu ou alguém possa traçar seu perfil. Mas, bom, ao imaginar quem pode ser Clara, imagino uma pessoa em estado de melancolia, e acho que sou uma pessoa meio melancólica, de certa forma. Isso se reflete em meus escritos, acredito, apesar de já há algum tempo não escrever sobre mim, mas não tem muito jeito. E gosto disso.
NJ: Como o universo da Psicanálise entra na obra?
Maria: Muito pouco. Mas estudo Psicanálise há alguns anos e o conhecimento adquirido, os conceitos, o entendimento de sujeito para a Psicanálise – sobretudo os conceitos de falta, pulsão de morte , já percebi que estão sempre de uma forma muito sutil dentro do que escrevo. Mas sempre gosto de deixar claro que não escrevo Psicanálise. Mas é possível que pessoas que tenham algum contato com a teoria também consigam enxergar essas sutilizas que imagino que meus escritos tenham.
NJ: Quais são as transformações que espera despertar nos leitores através do livro?
Maria: Simplesmente espero que o livro de alguma forma desperte a vontade de ler mais, continuar lendo, que queiram emendar essa leitura em outra, seja ela qual for.
NJ: Como avalia a era digital e como utiliza as redes para divulgação da sua obra?
Maria: Utilizo as redes para divulgação da forma que me é possível e compatível com o que eu acredito que seja bacana de se fazer. Acho que a divulgação excessiva é chata, acho que a falta de naturalidade que às vezes é exigida (digo isso porque já ouvi coisas parecidas de assessores de imprensa diferentes sobre o que eu “deveria fazer” nas redes para alcançar mais público) simplesmente não me cabe, então faço tudo aos pouquinhos, intensificando quando há proximidade de lançamento e eventos maiores. Acredito, por exemplo, que foi e continua sendo muito mais efetivo divulgar minhas obras pessoalmente, em eventos, conheço pessoalmente escritores do meu estado.
NJ: Seu primeiro livro lançado em 2018 recebeu o título de “ Algumas Histórias Sobre a Falta”. Quais são essas faltas?
Maria: São milhares. Cada um com a sua ou as suas. E era isso que eu queria trazer pro livro.
NJ: A escritora Eliane Brum escreveu que “quando acho que sei um pouco sobre mim mesma, eu me desmascaro e escapo de mim”. Você compartilha dessa sensação? consegue colocar em palavras o que sabe sobre si mesma?
Maria: É provável que sim, se tentasse com afinco. Mas escrever sobre mim mesma é sempre algo difícil, pelo menos de forma direta. Acredito que seja assim com boa parte das pessoas.
NJ: Como você lida com as travas da escrita, os bloqueios criativos e a procrastinação x ansiedade para concluir uma
obra?
Maria: Respeitando a mim mesma e meu processo de escrita. No meu caso, existem períodos em que escrevo muito, o tempo inteiro, outros que não escrevo nada. Não me cobro em relação a produzir certa quantidade de material todos os dias, ou todas as semanas, pelo menos por enquanto. Mas o fato de eu só publicar em livro me ajuda – pessoas com páginas na internet, por exemplo, que precisam manter sempre atualizadas, não têm muito escolha, acredito eu. Em relação a conclusão de obras: é o momento que menos procrastino e a ansiedade toma conta, sim. São alguns dias de foco total ao livro, mas passa. Até porque acredito que uma obra nunca está concluída, só que chega um momento, seja por uma data estabelecida por você mesmo ou outra pessoa, que você tem que dar um fim à produção. É muito recorrente que depois que a gente leia a obra pronta, deseje modificar alguma coisa. Mas faz parte do trabalho.
NJ: Como avalia o atual mercado literário brasileiro?
Maria: Bastante diverso quanto ao que está disponível, ao que está sendo escrito, o que é maravilhoso, mas a maioria são materiais de difícil acesso – seja por parte do autor independente, que muitas vezes não consegue sozinho atingir o público que quer, seja por parte das grandes editoras, cujos preços altos inviabilizam o acesso ao livro por grande parte da população. É uma questão complexa.
NJ: Qual era a visão que tinha do Brasil quando começou a fazer poesia? Essa opinião se modificou ou continua a
mesma?
Maria: Continua parecida. O que mudou é que hoje tenho muito mais noção sobre como é complicado viver de arte aqui no país, por ter me inserido nesse meio.
NJ: Como você lida com as críticas?
Maria: Até hoje não tive problemas com isso. Primeiro porque gosto muito de saber que o livro tá chegando em pessoas diferentes, ainda que não sejam leitores do tipo de literatura que escrevo. E justamente por isso é que importante saber de onde vem a crítica e seu teor. A partir disto é que saberemos o que tomaremos como pontos de melhoria ou não. Um caso engraçado que me aconteceu foi eu ter visto uma crítica negativa ao meu primeiro livro no Instagram. Fiquei meio triste na hora, claro. Mas fui ver o perfil da pessoa. Era uma leitora que postava suas impressões sobre livros em seu perfil. Vi que tudo o que ela lê não tem absolutamente nada a ver com que eu escrevo. Não que eu tenha relevado ou ignorado o que foi dito, de forma alguma. Mas entender o ponto de partida e filtrar o que nos chega é importante.
NJ: Qual é o cheiro da sua infância?
Maria: Não sei dizer. Mas o cheiro mais marcante com certeza é o de pequi – um fruto que meu pai trazia sempre que viajava. O cheiro é bem forte, tomava a casa inteira.
NJ: Entre todos os seus poemas, qual trecho melhor retrataria seu momento atual?
Maria: “ainda que mecanicamente seja difícil alcançar algumas partes sua mão pega o jeito da costura em algum momento.”Do poema Para Clara VIII, página 68 de Todos os Nós.
NJ: O escritor Jaime Rocha declarou que “o olhar do poeta é o primeiro e o último possível”. Como interpretaria esse argumento? Concorda com o poeta?
Maria: Não sei se concordo com o determinismo da frase – às vezes tendo a ser um tanto quanto relativista -, mas entendo seu ponto. A graça de se fazer poesia treinar o olhar e a escrita, da forma menos óbvia possível. Esse olhar e essas palavras, quando compartilhadas, acredito que abram caminhos para outros olhares, outras palavras, assim como são capazes de fazer com que nos sintamos preenchidos a ponto de não sentir vontade de procurar mais outras versões de determinados temas ou situações.
NJ: O filósofo Byung-Chul Han escreveu que “vivemos atualmente numa dissincronia, numa dispersão frenética que faz com que cada instante pareça igual ao outro”. Identifica este fenômeno na sua obra? O poeta deve saber interpretar o seu tempo?
Maria: Deve. Acho que esse é um dos papéis do artista. Interpretar seu tempo e jogá-lo de volta ao público de forma que os fenômenos possam ser vistos a partir de outras perspectivas.
NJ: O que a deixa feliz?
Maria: Ler! É o que mais gosto de fazer na vida.
NJ: Uma frase
Maria: “Por isso me grito”, de Mundo Grande, de Drummond.
NJ: Um sonho
Maria: Publicar um livro. Já foram dois. E viajar mais. Ter mais experiências com culturas diferentes.
NJ: Um lugar
Maria: Meu quarto.
NJ: Um livro que gostaria de ter escrito
Maria: Sentimento do Mundo, de Drummond.
NJ: Uma música que a faz sorrir
Maria: Back in Bahia, de Gilberto Gil.
NJ: Uma saudade
Maria: Os dias que já passei conhecendo outras cidades.
NJ: Uma meta
Maria: Alcançar um público maior em outros estados do país.
NJ: Maria, muito obrigada pela participação na Nossa Janela. Continue costurando pensamentos e nos encantando através da poesia.
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