Rodrigo Vechi

Rodrigo Vechi

Ele é pianista, ator, arranjador, escritor, diretor e iluminador. Conversamos com Rodrigo Vechi sobre o papel da arte na formação do indivíduo, as dificuldades enfrentadas pelo teatro em meio à pandemia e a importância do Grupo de Arte Alina Lamparina em sua trajetória artística.

Lu: Rodrigo, como a música entrou em sua vida?

Rodrigo: Oi, Lu! Antes de tudo, agradeço pelo seu interesse nas minhas histórias. A música entrou muito cedo na minha vida. Tínhamos um piano em casa, minha mãe eventualmente tocava, meu pai tocava violão muito bem e minha avó Irene também tinha piano na sua casa e toca, ainda hoje, lindamente. Quando criança, ganhei de presente um instrumento infantil de teclado com duas oitavas e seis baixos, algo como um mini órgão elétrico, e ali descobri as primeiras melodias.

Lu: Qual é a memória musical mais forte da sua infância?

Rodrigo: Lembro muito dos vinis infantis que chegavam nos natais e nos aniversários. Então, cresci ouvindo “Trem da Alegria”, “Balão Mágico” e, como qualquer criança nos anos oitenta, assistindo ao show da Xuxa. Mas eu também me interessava por música de adulto. Lembro que em 1987, quando a Rita Lee lançou o álbum “Flerte Fatal”, eu e minha irmã ouvíamos repetidamente. Outra lembrança forte são as fitas cassetes que meu pai tinha no carro. Foi em 1984 que ouvi Chico Buarque cantando “Brejo da Cruz” no carro e fiquei enfeitiçado. Eu tinha cinco anos. Também ouvíamos muito a fita do Cazuza com Barão Vermelho que lançou Bete Balanço.

Lu: Quais são as lembranças que guarda do Grupo de Arte Alina Lamparina?

Rodrigo: O grupo de arte Alina Lamparina foi, até aqui, a grande realização artística da minha vida. Somos até hoje um grupo de amigos, mas o que nos reuniu foi o desejo artístico numa cidade sem tradição de teatro. Foi, acima de tudo, uma grande escola onde aprendi, na prática, o ofício do ator, do diretor, do produtor, do encenador, do iluminador e tantos outros. Há poucos dias, fizemos um reencontro e foi muito prazeroso ouvir nossas vozes juntas depois de alguns anos.

Lu: Você tem uma larga experiência no teatro. Se tivesse que destacar três dos seus trabalhos, quais seriam e por quê?

Rodrigo: É tão difícil escolher favoritos! Cada experiência guarda doces lembranças e eventualmente alguns traumas, afinal, nem tudo são flores e a arte não escapa desta máxima. Uma realização que me deixou muito satisfeito foi montar a “Ópera do Malandro” com um grupo 100% amador e chegar num resultado que alguns profissionais não chegam. Foi lindo! Também foi épica a nossa montagem dos “Saltimbancos”, com crianças paralisadas na plateia. E por terceiro, eu diria que “Trinta Moedas” foi um espetáculo que me emocionou muito porque o grupo estava num momento muito conectado.

Lu: Por falar em “Saltimbancos”, quais são as principais diferenças entre dirigir para o público adulto e para o público infantil?

Rodrigo: O teatro infantil costuma ser um pouco menosprezado. Parece que a falta de qualidade é mais permitida quando se trata de teatro infantil. Eu não gosto desta ideia e tratei os “Saltimbancos” como uma peça pra adultos, pensando em qualidade. Queria provocar não apenas as crianças, mas os pais que as levavam ao teatro. As mensagens que uma criança de sete anos absorve não são as mesmas que um adulto, mas o produto final precisa ter camadas interessantes para todas as faixas etárias quando se trata de “teatro infantil”.

Lu: O primeiro musical que dirigiu foi “Ciranda Cirandinha”, com roteiro próprio, em 1999. Como avalia esse trabalho e o que mudou de lá pra cá?

Rodrigo: Hoje, olhando pra trás, vejo como foi precário aquele trabalho. Era um desejo de fazer teatro musical. Estávamos grávidos daquilo naquele momento. Mas ninguém sabia nada e o resultado ficou muito mais próximo de um coro cênico do que de teatro propriamente. Foi uma semente. De lá pra cá, muita coisa mudou. Fui observando, aprendendo, pesquisando, assistindo e produzindo. A qualidade do grupo mudou, o orçamento mudou, a qualidade técnica também.

Lu: Em 2019, você assinou a direção musical do espetáculo “Aquele que Diz Sim, Aquele que Diz Não”, dirigido por Leonardo Miggiorin. Amizade e parceria facilitam o trabalho?

Rodrigo: Trabalhar com amigos pode ser uma delícia ou acabar com a amizade. Felizmente, eu e Leo tivemos uma experiência ótima juntos e está nos nossos planos reafirmar a parceria. Confio muito nele, como artista e como pessoa, então é muito mais fácil.

Lu: Como avalia as dificuldades enfrentadas pelo teatro brasileiro?

Rodrigo: O teatro é a arte do encontro. O jogo teatral acontece a partir do encontro do ator com outro ator ou do ator com o espectador. A pandemia fez com que o teatro ficasse no comportamento de risco, o que mexeu com a vida e a rotina de todos os que trabalham neste segmento. Alguns conseguiram se reinventar dando aulas online, criando conteúdo, dando cursos à distância, mas existe uma parte desta cadeia, especialmente os técnicos, camareiros e afins que ficaram sem trabalho e sem perspectiva. É um setor que está sofrendo demais.

Lu: Como você enxerga o papel da arte na formação do indivíduo?

Rodrigo: Eu acredito que o ser humano tem uma tendência a poetizar essa questão do papel da arte na nossa formação, e acho que se você tiver caráter, tudo bem não gostar de arte, ou não se interessar pelo assunto. Porém, sem querer discutir o que é arte ou qual a função da arte, o que eu percebo é que em grupos onde a arte é estimulada e apreciada, as pessoas tendem a desenvolver sua sensibilidade e talvez uma sociedade mais sensível seja uma sociedade mais empática (desculpe a palavra surrada) e, por isso, muito melhor!

Lu: Como você lida com as críticas?

Rodrigo: Acho a crítica importantíssima, e discordo dos artistas que se defendem dos críticos dizendo que “quem não sabe fazer, critica”. O que a gente precisa observar na crítica é o lugar do ego, tanto daquele que critica quanto de quem recebe a crítica. Os elogios, por exemplo, nem sempre são sinceros e afetam o ego. Então, tento ter cuidado pra não me envaidecer com os elogios e nem me abalar com um “não gostei”. Gosto é do universo particular de cada um e não se discute, apenas se lamenta.

Lu: Há um provérbio árabe que diz “o maior erro é a pressa antes do tempo e a lentidão ante a oportunidade”. Considera-se uma pessoa ansiosa? Arrepende-se de alguma oportunidade perdida?

Rodrigo: Adorei o provérbio, não conhecia. Sou mais de ter pressa antes do tempo do que lento diante de uma oportunidade. Então sim, sou ansioso, e tento usar a respiração a meu favor quando sinto que estou atropelando as coisas. Mas as oportunidades eu costumo agarrar com unhas e dentes, a ponto de estar aqui agora pensando em uma oportunidade que eu tenha perdido por procrastinar e não consigo me lembrar de nenhuma.

Lu: O que lhe inspira na vida e na profissão?

Rodrigo: Inspiração é uma coisa tão bonita, não é? Difícil é saber de onde vem. Eu acho que verdade me inspira, acima de tudo. Gosto de ser verdadeiro e coerente com o que penso. No teatro, que é sempre uma farsa, ter verdade naquilo que está fazendo é o que traz a sua excelência, veja que antítese. Quando eu interpreto uma canção, eu preciso acreditar no texto que estou dizendo. Se não acredito, não canto.

Lu: Como é a sua relação com a fé e a religião?

Rodrigo: Acredito em Deus, do mesmo jeito que alguns acreditam em Alá, ou Olorum, ou na força da natureza. Não importa que nome eu dê, acredito que há algo de supremo e divino na criação, mas jamais um Deus que castiga, que proíbe. Estamos aqui para sermos felizes e para nos respeitarmos. Fui educado na igreja católica, mas hoje não pratico nenhuma religião, meu rito coletivo é o teatro. Porém, individualmente, procuro me sentir conectado com Deus e às vezes conversamos.

Lu: Você vive em São Paulo, mas, quando lembra de Santa Catarina, do que mais sente saudade?

Rodrigo: Eu adoro morar onde moro, no centro de São Paulo, onde tudo acontece. Tudo bem que no momento, por conta da pandemia, nada acontece, mas é onde tudo voltará a acontecer assim que estivermos vacinados, ou imunizados de alguma maneira. Santa Catarina é o lugar que me formou, onde construí minhas relações que atravessam a vida, onde vive minha família que é daquelas de se reunir. Porém, perdi meu avô no último agosto e meu pai no último outubro. Com estas saudades eu terei que conviver pra sempre, um tempo se vai com a ausência deles. Ficam as lembranças dos almoços de domingo com a família inteira, as datas comemorativas. E sinto muita saudade dos ensaios do grupo de arte Alina Lamparina, de ouvir nossas vozes juntas, mas esta saudade está com os dias contados, pois estou com um projeto para setembro deste ano (se a pandemia permitir até lá) de refazer o espetáculo “Oração ao Tempo” e ainda juntar ao grupo alguns atores da cena musical paulistana pra engrossar ainda mais o nosso caldo.

Lu: Se pudesse modificar uma única coisa no Brasil, o que seria e por quê?

Rodrigo: É triste o que vou dizer, mas mudaria o brasileiro. O brasileiro não tem jeito. Não há nada de errado com o país. Pelo contrário. Desde a carta de Pero Vaz, contamos com uma terra fértil, onde tudo cresce e floresce. Não temos terremotos, nem tsunamis, nem furacões. O Brasil tinha tudo pra dar certo, mas o brasileiro cagou, com o perdão do verbo. E é muito conveniente apontar a corrupção em Brasília que, de fato, é uma vergonha mundial. Mas o brasileiro é corrupto no dia a dia. Fura a fila da vacinação. Dá um jeitinho. Ultrapassa pelo acostamento num trânsito engarrafado. Quer ser o primeiro a desembarcar do avião, mesmo estando sentado na fila 27. Não denuncia o que precisa denunciar. Protege os seus, mesmo que eles estejam errados. O brasileiro não tem mais jeito.

Lu: Quais são as lições que você mais tem aprendido ultimamente e o que gostaria de aprender mais?

Rodrigo: Puxa, que pergunta difícil. Amadurecer é um movimento natural do ser humano e vem com o passar dos anos. Ao mesmo tempo, a revolução tecnológica faz os mais velhos terem que se adequar aos novos formatos, então chega um momento em que você está maduro, mas completamente antiquado, sem querer saber qual é a nova rede social e escrevendo mensagem usando a norma culta da língua. Então, tenho me atentado para esta lição sobre como amadurecer e ao mesmo tempo acompanhar os novos formatos. Hoje em dia, ninguém mais se telefona. Preferem mandar um áudio e esperar outro áudio como resposta, que vai ter uma tréplica e assim seguem conversando por dias, pra no fim chegar a uma conclusão que teriam chegado em cinco minutos de ligação. Eu acho péssimo, mas é o novo formato. E o que eu gostaria de aprender mais? O desapego. A vida é breve e gastamos muito tempo conquistando coisas que não vão embora com a gente. Gostaria de aprender muito mais sobre isso.

Lu: O que é felicidade pra você?

Rodrigo: Gosto de pensar na felicidade não como um estado de espírito, mas como uma filosofia de vida. “É melhor ser alegre que ser triste”, segundo o papa Vinícius. Já li muita coisa legal sobre a busca da felicidade, poderia citar algumas, mas tem uma muito interessante do Jabor que diz que felicidade é uma lista de negativas: não ter câncer, não ler jornal, não ver os meninos miseráveis no sinal, não ter coração. Porque é difícil estar feliz sabendo que tem gente que não consegue. Então, o negócio é viver pequenos momentos felizes no seu dia, dia a dia, e perceber a alegria dos pequenos gestos, o que é que faz brilhar seus olhos. Um encontro com um amigo, um abraço daqueles que acalmam o coração, uma xícara de café, uma palavra nova, um afeto.

Lu: Uma característica marcante

Rodrigo: Teimosia, para o bem e para o mal. Quando é pro bem, vira persistência. Quanto é pro mal, é uma chatice minha mesmo.

Lu: Uma mania

Rodrigo: Tenho muitas. Rótulos para frente é uma que não consigo abrir mão. Reduzir e separar o lixo é uma que acho importante citar, porque precisamos falar sobre isso.

Lu: Uma frase

Rodrigo: A gente leva da vida, a vida que a gente leva.

Lu: Uma palavra

Rodrigo: Madrugada.

Lu: Uma série

Rodrigo: Smash.

Lu: Um filme

Rodrigo: Peixe Grande.

Lu: Uma comida

Rodrigo: Camarão.

Lu: Uma viagem inesquecível

Rodrigo: Londres, muitas vezes.

Lu: Uma música que o faz sorrir

Rodrigo: Acho que tenho uma lista que me emocionam e me fazem chorar, mas que me faz sorrir, talvez Vaca Profana, do Caetano

Lu: Rodrigo Vechi por Rodrigo Vechi

Rodrigo: Um cara com muita vontade de acertar, mas cheio de erros.

Lu: Rodrigo, querido! Muito obrigada por sua participação, nessa nossa Janela. Virei sua fã desde que o vi cantando com Leo e de lá pra cá não perco mais nada. Meu desejo é que você siga colocando toda sua alma nos projetos e continue nos encantando com tanto talento e verdade. Alegria enorme tê-lo aqui. Beijo de luz!

Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

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