Ela nasceu em Salvador, é filha de mãe baiana e pai francês. Estudou interpretação, mímica corporal dramática e canto lírico. Atriz com total domínio da voz e grande presença de palco, está em turnê com o espetáculo GOTA D’ÁGUA [A SECO], uma adaptação do texto de Chico Buarque e Paulo Pontes e se apresenta no Teatro Castro Alves nos dias 12, 13 e 14 de agosto. É com a atriz Laila Garin que conversamos agora.
NJ: Laila, como foi o início da sua carreira?
Laila: Não sei dizer exatamente o início, foi tudo muito natural. O teatro já fazia parte da minha vida. Minha mãe é jornalista cultural, chegou a produzir espetáculos de dança e tinha muitos amigos nos bastidores e em cena. Eu sempre vivi pelas coxias. Aos 5 anos, substituí uma atriz no espetáculo “Decamerão”, uma adaptação de Cleise Mendes, dirigida por Luiz Marfuz, na sala do coro do Teatro Castro Alves, em Salvador.
NJ: Quando começaram as aulas de teatro?
Laila: Desde criança fiz aulas de artes, era apaixonada por Maria Eugenia Milet em “Rapunzel” e impressionada por Hebe Alves que atuava em “Decamerão”. Ainda adolescente, fiz o curso livre de teatro na Escola de Teatro da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e depois entrei para o grupo de teatro da Casa Via Magia de Ruy Cezar e Ro Reyes. Desde então, não parei mais de estudar teatro e quando prestei vestibular, fiquei em dúvida entre Canto Lírico e Interpretação, mas acabei optando por Interpretação. Meu primeiro espetáculo profissional foi “A Casa de Eros” de Cleise Mendes, com direção de José Possi Neto. Foi um espetáculo em comemoração aos 40 anos da escola de teatro, quando eu tinha 18 anos. Vladimir Brichta e Wagner Moura também fizeram parte do elenco.
NJ: Quando o canto entrou na sua vida?
Laila: Aos 15 anos. Eu estudava teatro na Escola Via Magia e cantei a capela de “O Ciúme”. Foi um pedido de Ruy Cézar, o diretor. Eu fiquei com um pouco de receio, mas foi uma sensação extremamente prazerosa, uma das experiências mais intensas da minha vida. Esse foi um presente que Ruy me deu. A partir dali fui estudar canto e é o que sigo estudando e fazendo por aí. Hoje, esse é o meu trabalho, vivo disso. Mas apesar de eu ser super disciplinada, nem sempre parece trabalho de tanto prazer que me dá.
NJ: Você gosta de atuar cantando e cantar interpretando?
Laila: Muito. Só gosto disto. O resto é o resto rsrs.
NJ: Qual é maior memória musical da sua infância?
Laila: Minha mãe cantando “João e Maria” de Chico Buarque, enquanto dirigia o carro e dançava rsrs. As festas de candomblé do Ilê Axé Opó Afonjá, com todo mundo cantando junto, o toca discos na casa da vizinha com João Gilberto, Bethânia e muitos outros artistas brasileiros.
NJ: Quais são as maiores saudades da Bahia e da França?
Laila: Da Bahia, a saudade maior vem da Boca do Rio, da brisa leve e da areia clara, dos amigos malucos dos meus pais, de ouvir as conversas deles. Da França, a saudade vem do cheiro da casa da minha avó, do barulho dos saltos nas calçadas molhadas.
NJ: Você está em turnê com a GOTA D’ÁGUA [A SECO], baseado no texto GOTA D’ÁGUA de Chico Buarque e Paulo Pontes. Do que trata o espetáculo?
Laila: O enredo é o mesmo de Medeia e o mesmo do original GOTA D’ÁGUA. Porém, a história toda é contada somente por 2 personagens: Jasão e Joana. Nossa versão se chama GOTA D’ÁGUA [A SECO], porque é um extrato, um concentrado na relação entre Joana e Jasão, mantendo as questões passionais, amorosas, psicológicas, políticas e sociais. Conta a história de amor dos dois e até que ponto se pode chegar por causa de uma paixão, além da cegueira que causa. Mas na nossa versão, incluímos outras músicas de Chico como: “Cálice”, “Baioque”, “Pedaço de mim”, “Mulheres de Atenas”. E abordamos o empoderamento feminino, tema tão importante, para todos nós.
NJ: Qual a expectativa para mais uma apresentação em Salvador?
Laila: Para Salvador, estou indo pela primeira vez com um projeto meu, já que sou junto com a minha parceira, Andrea Alves, idealizadora e produtora. É a cidade onde nasci, cresci e me tornei artista. Em Salvador está minha família, minha mãe, a mulher mais autêntica que já vi no mundo. Em Salvador está minha tia Rai, Tata, tia Yolanda e meu titio Aurélio. Em Salvador está a primeira atriz nua que vi no teatro: Hebe Alves Furacão. Está meu primeiro professor de teatro Cacá Nascimento; meu primeiro diretor Luiz Marfuz. Está meu primeiro professor de música, Ângelo Castro. Está meu professor de Shakespeare, Harildo Deda. Estão minhas primeiras professoras de voz: Meran Vargens e Iami Rebouças. Em Salvador, estão minhas memórias e são elas que me fazem ser quem sou. A primeira música que ouvi fora da barriga da minha mãe, foi em Salvador. Foi lá que cantei pela primeira vez pelas mãos de Ruy Cezar da Via Magia. Em Salvador, fundei meu único fã clube, que foi em homenagem a atriz Rita Assemany. Em Salvador, conheci a mímica corporal dramática através de Nadja Turenko, tão fundamental na minha formação. Em Salvador, ainda criança, conheci Rapunzel na pele de Maria Eugênia Millet no circo troca de segredos e decidi que queria ser atriz. Em Salvador, conheci Cristina Perco. Em Salvador, bebi tudo que os cursos de extensão puderam me oferecer de aulas de dança, teatro, música. Em Salvador, conheci o Eugênio Barba através de Aninha Franco e Paulo Dourado, o que me levou a 5 anos de teatro de pesquisa em São Paulo com Cacá Carvalho e Pontedera. Em Salvador estão meus eternos amigos Paulo Henrique Alcântara e Ananda amaral. Em Salvador estão meu colegas que tanto admiro: Evelin Buchegger, Aicha Marques, kaika Alves, Rino Carvalho, Gil Vicente, Marcelo Flores, e tantos outros. Em Salvador não é apenas mais uma apresentação de GOTA D’ÁGUA [A SECO]. É muito mais que isso, sabe?
NJ: Como Elis chegou à sua vida?
Laila: Eu e minha mãe sempre escutamos em casa músicas de excelente qualidade: Milton, Gil, Caetano, Moraes Moreira, João Bosco, Bethânia, Elis, Norma Benghel… Depois, na adolescência, quando comecei a escolher minha música e meus mestres, estava lá no meio a Elis, cantando “ Cartomante “ de Ivan Lins e aquela atitude me tocava profundamente. “Nos dias de hoje…. Deus está conosco até o pescoço…cai o rei de espadas… cai não fica nada”
NJ: Como foi pra você recriar uma personalidade tão viva na memória do público?
Laila: Elis é muito amada. Parafraseando Dennis Carvalho, fazer Elis seria como ser treinador da seleção brasileira na Copa. Todo muito teria sua opinião de qual a melhor música para colocar no roteiro, qual a melhor maneira de fazer o musical. Então, desde o inicio encaramos como uma humilde homenagem. Foi nisto que me concentrei e nas coisas do seu discurso e do seu comportamento que me tocavam, moviam, mexiam mais intimamente. Foi nisso que mergulhei.
NJ: Você se diz uma religiosa, sem religião. Como é isso na prática?
Laila: O segredo, o secreto e o sagrado andam juntos pra mim. Sou uma pessoa que fala demais, preciso ter algum segredo. Sou uma pessoa comum, eu rezo, eu acredito, mas de vez em quando me sinto como Pierre Verger naquele documentário narrado por Gil: “Ele tem um alto cargo na religião africana e no candomblé, mas às vezes acha que é somente um francês racionalista de merda”. Eu aceito que não sei de tudo, então, aceito o mistério, o desconhecido, aceito que tem muita coisa que eu não sei que existe. Tenho essa consciência e permaneço humilde.
NJ: Você estagiou no Théâtre Du Soleil em Paris. O que aprendeu nessa experiência que procura usar sempre em sua profissão?
Laila: Foram 15 dias de estágio e depois fiz mais alguns dias com Maurice, Arianne Mnouchkine e Jean Jacques em oficinas aqui no Brasil. Mas saiu em um jornal que passei 6 meses lá e isto é uma informação errada. O Soleil pra mim é importante, sempre me lembro de princípios de que Arianne falava, tenho anotações das oficinas que fiz e como estudo muito sozinha, recorro a algumas coisas, apesar de saber que já estão distorcidas por minha memória e interpretação, mas mesmo assim, são muito úteis. De qualquer forma, a arte que eles trabalham é a arte prática, exige treino diário e este treino, com eles, tive muito pouco. Minha formação real foi a Escola de Teatro da UFBA, da “mímica corporal dramática” que aprendi com Nadja Turenkko e um pouco também com George Mascarenhas, Cacá Carvalho e com a atriz Joana Levi, na Casa Laboratório para as Artes do Teatro, em São Paulo.
NJ: Você declarou que “a música é a linguagem dos deuses” Por que sente isso?
Laila: Dizem que tem uma explicação cientifica. José Miguel Wisnik deve saber explicar. Eu não sou uma grande estudiosa, mas o que a música proporciona pra mim, nenhuma outra arte proporciona. É uma vibração intensa do som e isso é transformador e concreto, além da poesia da palavra, quando tem. Quando é no teatro, ainda tem o sujeito que canta e o contexto da história cantada é lindo! São muitas camadas, mas pra mim a música pura basta. É uma arte espiritual que toca o que temos de mais puro e abstrato. Toca a existência, o estar vivo simplesmente. Mas falar disso, para quem não tem o dom da palavra como eu, é sempre frustrante, soa estranho, fica aquém do que realmente é. O que vale é a experiência vivida ao ouvir uma música, uma obra de arte. Falar disso, é diminuir.
NJ: Você interpretou a Maria José em “Babilônia”, da Rede Globo. Gostou de trabalhar na TV?
Laila: Gostei. É tudo muito rápido, ainda estou aprendendo. Mas o carinho do público comigo através de Maria José, me tocou muito. Foi uma abordagem amorosa e delicada, como a personagem. Isso me deixou encantada.
NJ: Eu li que você tinha certo preconceito em relação aos musicais. Isso mudou de alguma forma depois de participar de tantos espetáculos do gênero?
Laila: Tenho preconceito com algumas cafonices do gênero musical e ele só vai mudar quando eu estudar mais o gênero. Só então, poderei separar o que é preconceito do que é gosto estético. Não gosto quando os atores cantam com aquela colocação que soa falsa, meio americanizada. Gosto quando falam como pessoas, como atores e não como se estivessem dublando um desenho animado ruim, como eu já vi em alguns musicais. Gosto disso, isso me orgulha. Quero contaminar todo mundo com esse gosto. Pode ser pretensioso da minha parte, mas assumo.
NJ: O musical “Gonzagão- A Lenda” também foi um sucesso na sua carreira. Como foi a experiência?
Laila: Linda! Foi um encontro com a história de Luiz Gonzaga e suas músicas. Foi mais uma oportunidade de trabalhar com João Falcão, diretor que admiro muito e sobretudo foi um grande encontro com os atores que hoje formam uma CIA que se chama “ A Barca dos Corações Partidos”.
NJ: Qual é a sua maior fonte de inspiração?
Laila: Tem um monte de gente e um monte de coisas que me movem. Mas posso citar um cara a quem sempre recorro para conversar e pedir ajuda artística: Cacá Carvalho.
NJ: Um lugar
Laila: Minha casa
NJ: Uma frase
Laila: “ Não foi o primeiro beijo, não foi a primeira vez” de o “Beijo No Asfalto” (Nelson Rodrigues)
NJ: Como você enxerga o teatro brasileiro hoje?
Laila: Me preocupo com o fato de patrocinarem mais os musicais. Mas não tenho informações suficientes para saber se meu receio tem fundamento.
NJ: Com quem você gostaria de dividir o palco?
Laila: Com Elisa Pinheiro, Ana Paula Secco, Georgiana Góes, Renata Rosa, algumas mulheres da minha geração.
NJ: Você tem alguma meta especial na sua vida?
Laila: Ser menos preocupada
NJ: Um medo
Laila: Não dar tempo
NJ: O que é ser atriz pra você?
Laila: Atriz é uma pessoa que finge ser outra para ser ela mesma. É no palco que a atriz se revela.
NJ: Quais são os seus planos profissionais pós espetáculo? Já tem algo em vista?
Laila: Quero rodar muito ainda com GOTA D’ÁGUA [A SECO]. Depois de Salvador, iremos para Belo Horizonte e depois ficamos em cartaz em São Paulo. Ano que vem voltamos para o Rio. Quero muito gravar o CD de GOTA D’ÁGUA, pois a direção musical de Pedro Luís é muito linda. Vou gravar agora um EP (extended play) com minha banda “Laila Garin e a Roda” e vou fazer uma participação em ” Rocky Story “, novela em que Vladimir Brichta é protagonista.
NJ: Laila Garin por Laila Garin
Laila: Não tenho definição sobre mim mesma e espero que ninguém tenha. Isso é muito perigoso! rsrsrs
1 Comment
Dália Leal
13 de agosto de 2016 at 00:17Estamos diante de uma excelente atriz, cantora lírica, intérprete experiente de alta estirpe. Seu sucesso é merecido! seu nome é Laila Garin. Suas colocações são precisas, principalmente em relação à música ” é uma arte espiritual que toca o que temos de mais puro e abstrato. Toca a existência, o estar vivo simplesmente”.
É inusitado prazer ler as matérias de Luciana Leal, vc como sempre arrasa! encantada! sem palavras! parabéns!