Carlos Betão

Carlos Betão
Ele deu vida ao corrupto e machista delegado Viana da novela “Segundo Sol”, da Rede Globo. Está em cartaz no Pelourinho com um espetáculo que aborda os últimos momentos do poeta Gregório de Matos na Bahia, antes do exílio. Conversamos com o ator baiano Carlos Betão sobre a peça, a carreira, os desafios enfrentados ao longo de sua trajetória artística e a falta de democratização da cultura.
NJ: Carlos, você está em cartaz no Pelourinho. Do que trata o texto?
CB: Pois é, esse espetáculo foi construído com muito carinho porque bem fala do poeta Gregório de Matos, que consideramos (eu, Aninha Franco e Rita Assemany) a grande voz da Bahia, é por isso que o espetáculo se chama  “A VOZ”, que tem um texto belíssimo de Aninha Franco, e que fala dos últimos momentos de Gregório de Matos na Bahia antes de ser degredado para Angola.
Gregório está numa taberna bebendo vinho com os conviva – a plateia – se despedindo do seu amor maior, a Bahia.
O espetáculo também conta com a direção da grande atriz Rita Assemany, e está em cartaz na República AF, uma charmosíssima casa no Pelourinho, dirigida por Aninha Franco e Rita Assemany, que vem fazendo um diferencial na cultura soteropolitana, sobretudo no que se refere ao resgate do Pelourinho. O espetáculo contempla uma plateia formada de 20 pessoas por cada dia ou sessão e pretendemos voltar em breve.
NJ: O que mais o interessa no processo da construção teatral?
CB: O jogo, a interação entre ator e plateia, que consiste na ferramenta imprescindível do teatro que é a comunicação. O teatro se faz sem figurino, sem cenário, sem iluminação…mas sem ator e público, sem esse combustível vital, não pode haver  teatro. Não devemos esquecer que o teatro, como disse Stanislavski, “é feito para o homem, pelo o homem e sobre o homem”, portanto o espectador tem sempre que ser levado em conta, ele faz parte da essência do teatro e é justamente do jogo palco/plateia que estabelece a magia da cena.
NJ: Qual é a importância do premiado monólogo “Sargento Getúlio” para sua carreira?
CB: Sargento Getúlio foi muito importante para a minha carreira, um divisor de águas mesmo. Uma grande história de João Ubaldo Ribeiro, uma direção soberba de Gil Vicente Tavares e um personagem extraordinário, desmedido, que leva a sua tarefa obstinadamente até a ultima instância. com esses ingredientes só tinha que dar certo, né? Estreamos Getúlio em 2011, ganhamos o Prêmio Braskem de melhor ator e melhor espetáculo, além das indicações de melhor direção e iluminação. Vale ressaltar que neste ano João Ubaldo comemorava os 40 anos do romance Sargento Getúlio e a Companhia Teatro Nu estava completando 10 anos de existência. Foi uma grande festa. Foi muito bom. Sargento Getúlio abriu portas, viajei por este Brasil afora com o Palco Giratório, que é um projeto grandioso do Sesc, foram mais de 50 cidades, convivi com sotaques e culturas diferentes. Foi de fato um grande ganho na minha vida, participei de Festivais e Intercâmbios…enfim um período bem movimentado da minha carreira, que contou com minha participação como ator da novela “Velho Chico”, com direção de Luiz Fernando Carvalho e um elenco maravilhoso. Sargento Getúlio foi, de fato, de grande importância na minha carreira. Tenho muito que agradecer. Confesso que sinto uma saudade danada dessa obra.
NJ: Como se preparou para viver o delegado Viana de Segundo Sol ?
CB: Esse personagem tá aí na vida, em cada esquina, repartições, nas páginas de jornais, revistas…sempre nos deparamos com ele. Eu li relatos, reportagens, conversei com algumas vitimas etc. tudo isso me serviu de material para embasar o meu trabalho. Outra coisa importante é a observação. Tem que se estar atento ao seu redor, por exemplo: Eu assisti uma discussão de um gerente de um banco na Bahia com sua subordinada,  e ali estava materializada na minha frente e na frente das demais pessoas, um assédio moral. Eu pude observar detalhes desse gerente, detalhes físicos mesmo, tais como: olhar arrogante, o gestual agressivo, a crueldade em expor a fragilidade da pessoa. Então isso foi uma ponte que me serviu como lastro na construção do Viana.
NJ: Para você, como ator e baiano, integrar o elenco de uma novela ambientada na Bahia, teve um sabor diferente ?
CB: A Bahia é saborosíssima, minha linda, e pra quem se aventura em prova-la talvez possa entender o que é ser baiano. E tem que se ter cuidado com seu chão, com seu sal, com suas pedras – Kaô Kabecilê – ladeiras e igrejas. A Bahia é necessária e por conta disso é importante que se fale dela, do seu sotaque, do seu bamboleio, da sua malemolência, dos seus santos. Eita BAHIA! Senti um orgulho danado de ter ajudado um pouco a contar a história dessa novela, e aí vai a minha total gratidão a Vanessa Veiga, produtora de elenco; meu irmão querido Vladimir Brichta; minha queridona e grande atriz Adriana Esteves; para também grande atriz Claudia di Moura; João Emanuel Carneiro e o diretor Dennis Carvalho que me confiaram esse grande presente.
NJ: Na novela, o seu personagem assediava a colega de trabalho Maura, vivida por Nanda Costa e mostrava-se uma pessoa machista e preconceituosa. Você acha que chamar atenção para esses assuntos no horário nobre e estimular reflexões é uma das responsabilidades da televisão?
CB: Acredito que sim, claro. A televisão entra na casa de milhões de pessoas, vende milhões de produtos… portanto tem que se ter essa contrapartida. A novela é uma obra que fala do homem, dos seus conflitos, dos seus quereres; logo é um canal natural de reflexão, de discussão, e não seria saudável fugir dessa responsabilidade.
NJ: Como foi a prisão do delegado Viana nas ruas e nas redes?
CB: Ah, (risos) as pessoas vibravam, né? principalmente o público feminino que chegava até a mim em total regozijo com a prisão do delegado Viana, que além de tudo era também um corrupto contumaz, e portanto a justiça fora feita. Houve situações engraçadas e até de xingamentos que enfrentei com um imenso prazer do dever cumprido.
NJ: Quais são as lembranças que guarda de Velho Chico?
CB: Muitas. Aracaçu foi um belo personagem, um caboclo nordestino que vivia nas profundezas da caatinga, com sua aridez de alma. Um belo presente que Luiz Fernando Carvalho me deu. Outra lembrança que guardo são dos queridos  Domingos Montangner e Umberto Magnani, grandes parceiros generosos, pessoas gentis, humanas, cuidadosas e grandes artistas! Eram por excelência cidadãos do teatro, do picadeiro. Estão fazendo uma falta imensa!
NJ: Qual parte da sua trajetória profissional mais marcou até agora e por qual motivo ?
CB: Toda minha trajetória foi marcante pra mim. Desde do comecinho, lá na década de 80. Eu vim de Itabuna, uma cidade do Sul da Bahia, na região cacaueira, também conhecida como região Grapiúna por conta do cultivo do cacau, que hoje está em total decadência. Essa região foi totalmente edificada pelos coronéis – tão bem contados por Jorge Amado em seus romances – principalmente Itabuna e Ilhéus. Não foi nada fácil para um garoto sem sobrenome. O teatro foi minha saída, foi a expressão que escolhi para me fazer cidadão naquele lugar. O teatro me salvou, foi o meu antídoto, o meu escudo, e nesse particular agradeço a Mário Gusmão e Jurema Penna, meus mestres saudosos e queridos, que me deram régua e compasso na construção dessa minha trajetória.
NJ: Para você, como ator e apaixonado pelo teatro, o que falta para que haja uma real democratização da cultura e o que pode ser feito nesse sentido?
CB: Respeito e vontade política. Neste país a educação e a cultura são tratadas com total descaso desde de sempre. O professor e o artista, que são agentes da cultura e do conhecimento, não têm nenhuma significação, não têm o mínimo de amparo. Vivemos numa constante  ameaça!  um país que não valoriza a educação, a pesquisa, a cultura etc. é uma nação à beira do desmonte.
NJ: Quais os seus critérios para aceitar um trabalho?
CB: O que me motiva aceitar um trabalho é sempre uma boa história, aliada  á uma bela direção e um elenco bacana. Esses três pontos acredito que são cruciais para uma bela obra televisiva, teatral , cinematográfica ou seja em que instrumento for.
NJ: Como você analisa o papel social e politico da arte?
CB: O artista é o porta-voz do seu tempo, a antena do seu tempo, ele traz à luz tudo aquilo que vive e preocupe  inteiramente as pessoas de seu tempo, ele é o farol da raça. Por outro lado, não é papel do artista dar respostas, mostrar caminhos, mas antes de tudo chamar para uma discussão, reflexão, tirar as pessoas de uma posição contemplativa e assumir as rédeas da sua cidadania.
NJ: Como avalia as políticas voltadas para a arte na Bahia e no Brasil ?
CB: Eu falei anteriormente o quanto a educação,  a cultura e a arte são tratados com total descaso por nossos gestores – acredito que sempre foi assim – de maneira que eu sempre vivi com o pires na mão. Desde que comecei a fazer teatro, nunca, foi fácil montar um espetáculo. Existem algumas iniciativas boas, mas o fato é que para um artista nordestino  brasileiro as previsões são sempre as piores. Neste exato momento em que vive o país não vejo nenhuma tendência animadora.  É uma sensação que estamos entrando nas trevas, numa barbárie absoluta.
NJ: Quais foram os maiores desafios enfrentados, ao longo da sua trajetória, para conseguir manter-se vivo no cenário cultural baiano?
CB: O fazer constante. Não desanimar. Isso requer uma boa dose de amor pela causa e que você esteja sempre disposto a se reinventar como artista.
NJ: O ator está sempre exposto a críticas. Como costuma lidar com isso?
CB: Acho que o crítico tem importância de inserir a obra no contexto cultural, como bem disse Ferreira Gullar. Portanto, não tenho nenhum problema de ficar exposto a críticos.
NJ: O que o deixa mais feliz
CB: O mar
NJ: Uma frase
CB: “Se não vigiarmos a vida eles escreverão a história e o futuro poderá neles acreditar” do poeta Grapiúna José Delmo.
NJ: Um sonho
CB: Santorini
NJ: Um lugar
CB: Moreré, na Ilha de Boipeba, Bahia.
NJ: Um livro
CB: “Os Sertões” de Euclides da Cunha
NJ: Uma comida
CB: Camarão, do jeito que vier
NJ: Uma música que o faz sorrir
CB: “Vai passar” de Chico Buarque
NJ: Carlos Betão por Carlos Betão
CB: Perseverante
NJ: Carlos, muito obrigada por essa entrevista linda e sincera.
CB: Minha querida Lu, foi um prazer participar da Nossa Janela.
Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

1 Comment

  1. Avatar
    Acácio
    11 de outubro de 2019 at 10:02 Reply

    Como sempre uma boa dinâmica de comunicação.
    Carlos Betão, nascido em uma Região oonde assistiu a riqueza virar pó.
    Grande artista e bonitas propostas de trabalho.
    Sucesso!

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