Apesar de colecionar personagens rebeldes no currículo, engana-se quem imagina Maria Eduarda de Carvalho como uma pessoa instável e intempestiva. Em poucos minutos, já dá pra perceber a tranquilidade nas palavras e a delicadeza presente em cada gesto da atriz. Acompanhe nosso bate papo realizado na Casa Majestic, em Botafogo, abordando carreira, infância, maternidade e planos profissionais.
DMJ: Duda, você sempre quis ser atriz ou tinha outros planos?
Duda: Quando a gente é criança muitos planos passam pela cabeça. Já sonhei em ser astronauta, caixa de supermercado, jogadora de basquete… Mas o teatro me atravessa desde que me entendo por gente. Fui uma criança bastante angustiada e medrosa. Morria de medo de escuro, mas o escuro do teatro sempre me acolheu. Me lembro de ir ao Tablado assistir as peças da Maria Clara Machado e me sentir muito segura ali. A fantasia me desligava da minha realidade e acendia a luz da imaginação. Através das histórias encenadas, eu ressignificava meus fantasminhas interiores. Acho que ser atriz foi consequência natural desta grande descoberta.
DMJ: Em qualquer profissão, sempre existe os que estão lá para elogiar e os que estão para criticar. Na arte, pelo trabalho ser mais visível, é natural que tenha muita gente opinando. Como você lida com isso?
Duda: Tenho um pai psiquiatra e uma mãe psicanalista. Faço análise desde o útero materno, sou o primeiro zigoto em processo de análise, de que se tem notícia. Essa condição me emprestou algum nível de auto conhecimento. Quando recebo uma crítica, escuto e avalio se aquilo realmente me cabe. Tem crítica que fala mais do crítico do que do criticado, há aquelas cujo intuito primordial é destruir o objeto avaliado. Mas uma boa crítica é capaz de engrandecer muito qualquer trabalho.
DMJ: Você é super determinada e não tem medo de arriscar. É verdade que literalmente “bate na porta” de quem gostaria de trabalhar?
Duda: É verdade. Costumo escrever para os artistas que admiro, com quem tenho vontade de trabalhar. As vezes escrevo simplesmente para elogiar algo que assisti e me tocou… Gosto muito quando recebo mensagens de alguém que se sentiu interferido pelo meu trabalho. Aprecio esta interlocução.
DMJ: Como foi essa história com Woody Allen?
Duda: Tem um conto da Clarice Lispector, chamado Tentação, que narra um encontro cúmplice, entre uma menina ruiva e um basset ruivo. Eles se olham, se identificam e se compreendem seres correspondentes no mundo. Mas ela é uma menina e ele um basset… Portanto cada um segue seu rumo. Desde que assisti “O Dorminhoco”, aos 7 anos de idade, entendi que eu era uma espécie de basset ruivo do Woody Allen. Minha maneira de existir, as neuroses, as angústias e o humor, conversam diretamente com os filmes dele. Acho que até a atriz que sou e minhas escolhas de interpretação, foram muito influenciadas pelas direções que ele imprime em seus filmes. Quando estive em Nova York, comprei entradas para vê-lo tocar em seu show. No fim entreguei-lhe uma carta e um dvd com uma cópia do meu curta, “Gilda”. No dia seguinte recebi um e mail dele, agradecendo a carta e elogiando o filme. Fiquei tão emocionada e nervosa, que perdi a visão. Fiquei momentaneamente cega! Não conseguia ler o e mail! Quando enfim recobrei a visão, fiquei burra! Lia, mas não compreendia uma linha sequer… Freud deve explicar o que de fato ocorreu comigo rsrsrs
DMJ: A Nanda de “A Vida da Gente”, a Vanessa de “Em Família” e a Laila de “Sete Vidas” tinham a rebeldia e intempestividade em comum. Como é a Maria Eduarda? Mais tranquila ou segue um pouco o caminho das personagens?
Duda: Acho que sou bem mais tranquila…. Mas há controvérsias rsrs
DMJ: Através das redes sociais a relação do artista com o público acaba se tornando mais próxima. Como você vê essa nova era digital? Acredita que a exposição de ideias e ideais é uma das responsabilidades sociais do artista?
Duda: Essa questão de se expor é delicada. Acho que o direito à liberdade de expressão é diretamente proporcional ao respeito às diferenças. Essa facilidade de se fazer lido, ou “ouvido”, que as redes sociais proporcionam, a meu ver, tem gerado um carnaval de intolerância, agressividade e ódio. Isso me assusta e afasta do debate, de maneira geral. Por outro lado, elas podem ser uma ótima aliada na divulgação do trabalho do artista. Mas confesso que não sei jogar esse jogo… Me considero uma espécie de anta tecnológica.
DMJ: A Vanessa era lésbica e a Laila era filha de duas mulheres. Como você vê a grande quantidade de personagens gays hoje na teledramaturgia? Acredita ser este um passo no combate a homofobia?
Duda: As novelas, como obras realistas que são (na maior parte das vezes), tentam reproduzir de maneira fidedigna o real. Se a ideia da novela é contar a história de amor entre duas mulheres (ou dois homens) não é natural que as personagens se abracem, se beijem e façam tudo o que os casais reais fazem? Estranho e inverossímil, pra mim, é acompanhar um folhetim e ver um casal gay que não se toca.
DMJ: O conceito de família vem se transformando ao longo dos anos e a maior mobilidade para a sua constituição torna a liberdade de escolha fundamental para a sua formação. Qual é a sua opinião sobre o assunto?
Duda: Acho que grande parte da polêmica em torno de um beijo gay numa telenovela, vêm de um preconceito arraigado (por vezes inconsciente) – que funciona mais ou menos assim: “se meu filho ver, vai saber que isso existe e talvez queira experimentar”. Particularmente, acho que a posição sexual que cada um assume na vida passa por níveis bem mais profundos e se organiza muito cedo dentro do indivíduo. Ninguém é capaz de inserir um desejo dentro do outro, sem que este já exista ali. A liberdade de sermos fiéis àquilo que somos, precisa ser respeitada.
DMJ: Em “Sete Vidas” você teve que modificar o cabelo radicalmente. Como lida com essas mudanças que a profissão exige?
Duda: Eu sobrevivo a elas! O mais difícil pra mim é quando o trabalho acaba, mas aquele cabelo que não te representa permanece sobre sua cabeça… Dá muita vontade de ir parando as pessoas na rua e explicando: “Eu sei que tá estranho… Tá horrível, né?! Foi para um trabalho… Agora tô deixando crescer, pra cor natural voltar. A raiz é ruiva, tá vendo?!” A última transformação drástica foi para a Lia, minha personagem em Altas Expectativas (meu primeiro longa!) Lia me obrigou a cortar bem curtinho, o cabelo e pintá-lo de preto. Assim que cheguei em casa, depois da mudança, minha filha me olhou ressabiadamente e disse: “mãe, você é muito louca…” Talvez eu seja, mesmo… mas não por isso rsrs. As mudanças físicas fazem parte “do pacote” da profissão que escolhi.
DMJ: Como se preparou para viver a Laila?
Duda: Na verdade receber um bom personagem, já é metade do percurso. Lícia Manzo é uma autora sensacional com quem tive o imenso prazer de trabalhar algumas vezes. Interpretar um personagem bem escrito, é ouro de mina. Sinto saudades da Laila.
DMJ: Como foi fazer a filha da Regina Duarte na TV?
Duda: Agradeço muito ao Jayme e a Lícia por Regina em minha vida. Estabelecemos em cena (e fora dela) uma conexão pra lá de preciosa. Foi um encontro raro.
DMJ: Você continua com as aulas de canto? Pretende cantar profissionalmente?
Duda: Tenho um sonho secreto de cantar samba ao vivo, mas ele é tão secreto, que ainda não tive coragem de contar nem pra mim mesma.
DMJ: Como é a sua relação com o samba e a Mangueira?
Duda: Apesar deste tom translúcido que ostento, o samba está presente em minha vida desde antes de nascer. Meu tio e meu primo são excelentes “percussionistas e graças a eles o samba de raiz sempre foi a trilha das festas de família. Todas as 5as feiras, na Praça Tiradentes, aqui no Rio, meu primo comanda uma roda de samba chamada “Independente dos Bons Costumes”, que frequento e indico! Minha família toda é mangueirense. Cresci ouvindo a Velha Guarda da Mangueira. Tenho uma emoção muito especial quando vejo a escola na avenida… Como canta o portelense Paulinho da Viola: “Sei lá, não sei, não A Mangueira é tão grande Que nem cabe explicação…”
DMJ: O que a maternidade mudou na sua vida e como é a sua relação com a Luiza?
Duda: Seria mais fácil responder o que não mudou (será que alguma coisa permaneceu igual?!) A experiência de ter uma filha foi bastante transformadora, pra mim… Parece que meu ponto de visão mudou completamente… É como se eu visse o mesmo mundo, só que através de um ângulo totalmente diferente. Portanto ele é necessariamente outro, agora.
DMJ: O que é felicidade pra você?
Duda: Olha Lu, não acredito em Duendes, nem em Felicidade… Em 34 anos de existência, já experimentei momentos de profunda dor, outros de infinita alegria. Acho que a vida real é assim e esta não é uma triste constatação, pelo contrário.. A busca por um ideal de felicidade, atormenta, aprisiona e nubla a possibilidade da gente apreciar aqueles respiros de borboleta azul turquesa, que cruzam nosso caminho todos os dias.
DMJ: Qual é o cheiro da sua infância?
Duda: Vale cheiro de curral? Não é muito poético, mas é sincero! Meus avós tinham uma fazenda no interior do Rio para onde sempre íamos! Lá, eu passava o dia enfurnada no curral, cuidando dos cavalos.
DMJ: Em momentos de folga, quais são os seus passatempos preferidos?
Duda: Gosto muito de assistir minha filha “sendo”. É fantástico acompanhar de pertinho a evolução dela. Costumamos ir até a esquina tomar picolé, assistir A Fantástica Fábrica de Chocolate (comendo chocolate!) e dançar Arnaldo Antunes, ou a Banda do Mar, na sala de casa. É maravilhoso re-conhecer o mundo, através do olhar de uma criança de 5 anos.
DMJ: Um lugar
Duda: Fazenda Sossego, que de sossego só tinha mesmo o nome. Minhas melhores lembranças de infância…
DMJ: Quais são os artistas que tocam atualmente na sua playlist?
Duda: Os mesmos de sempre! Caetano, Chico, Maria Bethânia, Cartola, Candeia, Teresa Cristina, Adriana Calcanhoto, Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro… Sou fã devota da música brasileira.
DMJ: Uma frase
Duda: “Em tempos de respostas instantâneas, não cantar, é se fazer ouvir.” (Jacques Fux.)
DMJ: Quais são os seus planos profissionais mais imediatos?
Duda: Seguir com a turnê do espetáculo “Depois do Amor – Um encontro com Marilyn”, onde contraceno com Danielle Winits. Faremos os Sescs do Rio Grande do Sul no início de Setembro e ficaremos Outubro inteiro em cartaz na cidade de São Paulo.
Tem duas peças minhas, que pretendo estrear no Rio, em parceria com amigos muito bacanas: “Um beijo no Nariz” e “Atrás do Mundo”, esta última escrevi com minha filha Luiza (o título, inclusive, é dela!) o espetáculo é uma homenagem à minha irmã, Maria Antonia.
DMJ: Maria Eduarda por Maria Eduarda
Duda: “Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária”(Clarice Lispector)
Galeria:
Beleza: Carla Barraqui
Local: Casa Majestic – Botafogo RJ
23 Comments
Acacio
14 de julho de 2016 at 16:24Entrando na intimidade a Duda além de ser uma grande atriz, passa uma intimidade e segurança com a arte.
A mesma tem tudo para ter uma cabeça bem equalizada, com os Pais que tem!
Ótima entrevista, parabéns!
Mari Santos
14 de julho de 2016 at 17:09Duda linda e talentosa!!!
Carla Barraqui
14 de julho de 2016 at 17:10Duda é uma atriz completa, emocionante e muito, muito querida!
Cela Teles
14 de julho de 2016 at 17:11Adorei a entrevista com a Duda! Parabéns!!!
Son Izabel
14 de julho de 2016 at 17:48Adoro essa atriz, além de talentosa é linda! Parabéns Lu, você é uma super profissional!
cristina dias santos cerqueira
14 de julho de 2016 at 18:08Parabens!!!
Fabiana Leal
14 de julho de 2016 at 20:25Fantástica a entrevista!! Adorei…
Especialmente dessa frase: “A busca por um ideal de felicidade, atormenta, aprisiona e nubla a possibilidade da gente apreciar aqueles respiros de borboleta azul turquesa, que cruzam nosso caminho todos os dias.”
Luzia de Jesus
14 de julho de 2016 at 20:25Muito boa atriz!
Thiago Bols
14 de julho de 2016 at 20:26Acho ela uma Graça!
Dália Leal
14 de julho de 2016 at 23:16“A liberdade de sermos fiéis àquilo q somos precisa ser respeitada” perfeita colocação! o ser humano deve ser respeitado sempre em qualquer aspecto.
Atriz por vocação, Maria Eduarda de Carvalho é determinada e sabe conviver bem c as críticas sempre.
Admiro seus trabalhos, gosto de vê-la na telinha!
Sucesso p Duda!
Luciana Leal, mui bela entrevista! ameeeei! e a galeria de fotos dá prazer inusitado de ver!♥★
Mariana Lima
15 de julho de 2016 at 06:30Duda, que entrevista linda! Adoro a sensibilidade que as suas palavras transmitem. ??
Ah, que legal que vai ficar em São Paulo com a peça. Já tava pensando em ir em novembro mas dessa vez acho que consigo ir lhe ver! 😀
Sylvia Massari
15 de julho de 2016 at 06:31Bonita reportagem!!! Parabéns!!!
Jênifer Ackermann
15 de julho de 2016 at 06:33Aiiii que máximo! Parabéns Duda ????❤️❤️
Adriana Lasalvia
15 de julho de 2016 at 06:34Sensível, complexa e inteligente❣❣❣Essa é vc❤️?
Lya Bueno Rocha
15 de julho de 2016 at 06:36Linda entrevista !!Adorei! beijos
Débora Oliveira
15 de julho de 2016 at 07:23Parabéns Lu, muito bom seu trabalho.
Débora Oliveira
15 de julho de 2016 at 07:27Parabéns Lu, ótima entrevista, a Duda é show bj.
Silvana Paula
15 de julho de 2016 at 12:46Que bela entrevista! E lindas fotos !!!Parabéns????
Leonardo Reis
15 de julho de 2016 at 12:47Linda entrevista! Parabéns!
Clara Silveira
15 de julho de 2016 at 12:48Muito boa a entrevista! Tô boba que foi a pequena que deu nome à peça. Essa menina vai longe!
Marcia Lima
15 de julho de 2016 at 17:09Adorável entrevista!
Claudia Zamberlan
19 de julho de 2016 at 13:47Linda foto…. Está linda …. Sempre gostei de vê-la atuando….. Parabéns!!!
Luciana Carvalho
20 de julho de 2016 at 06:46Como você é interessante e inteligente!!!