Aline Bei

Aline Bei

Aline Bei é escritora, dona de estilo único ousado e ao mesmo temp  delicado.  Seu primeiro livro, “O Peso do Pássaro Morto” tem uma pulsação própria, ganhou o prêmio São Paulo de Literatura e fala sobre a solidão e o peso das perdas cujas feridas o tempo não é capaz de curar.  Foi com muita sensibilidade e doçura que a escritora respondeu as nossas perguntas, transformando a entrevista em um momento lindo e encantador.

NJ: Aline, como nasceu o livro “O Peso do Pássaro Morto”?

Aline: Começou pelo título, eu estava andando na rua e de repente me veio a frase “O Peso do Pássaro Morto”. Voltei para a casa e anotei em um post-it, a imagem surgiu de uma memória da infância, quando um canário morreu na minha mão. Então resolvi escrever uma história sobre perdas.

NJ: O livro conta a história de uma mulher dos 8 aos 52 anos e a imagem do pássaro morto serve como metáfora para o peso das perdas cujas feridas o tempo não consegue apagar. Refletindo sobre isso, no final da leitura, lembrei muito de uma frase do poeta e dramaturgo Maurice Malterlinck: “ A vida é a perda lenta de tudo que amamos”. Como você, Aline, costuma lidar com as perdas?

Aline: Lido com dificuldade e mal estar no corpo. Mas não deixo de notar uma certa poesia na minha permanência, apesar de tudo o que vou perdendo.

NJ: Uma das coisas que chamam bastante atenção no livro é que a protagonista não tem nome e os outros personagens, sim. Por quê?

Aline: Primeiro por ser um fluxo de consciência. Depois, porque achei que ela sendo anônima poderia ser qualquer um de nós, e isso potencializaria a leitura e a solidão da personagem.

NJ: Em um determinado ponto do livro, você toca em um assunto bastante delicado: a violência sexual, sobretudo nesse momento em que nós mulheres estamos cada vez mais lutando por respeito. Você costuma participar de movimentos feministas que ganham força nas redes e nas ruas?

Aline: Não oficialmente, mas já participei do “Leia Mulheres” da minha cidade e foi um momento muito bonito, de força e acolhimento.

NJ: Você tem algo em comum com a protagonista?

Aline: Emprestei para ela algumas memórias, especialmente na infância. Talvez também o silêncio.

NJ: Uma frase do livro me marcou muito: “ Ser adulto por vezes não deixa a beleza das coisas entrar tão facilmente, a gente começa a desconfiar”. Em sua opinião, como manter o espírito infantil vivo dentro de si a ponto de permitir que as coisas belas entrem naturalmente?

Aline: É difícil, já que o teor dos acontecimentos vai nos endurecendo cada vez mais. Mas eu acredito na Arte, ela que mantém o pulso do nosso lado mais lúdico e criador.

NJ: A protagonista escreveu ainda criança que “A cura não existe porque curar alguém é deixar o mundo feliz inteirinho e o mundo inteirinho é triste”. Considera-se uma pessoa otimista ou pessimista?

Aline: Sou otimista, mas gosto de provocar e ser provocada. A boa literatura faz isso, balança as nossas certezas, constrói novidades em lugares que nem imaginávamos. Por isso acredito no poder da leitura como base na construção de uma sociedade mais crítica.

NJ: O livro é escrito em versos e chegou a receber oferta de uma editora para que fosse impresso em narrativa convencional. O que a fez negar a proposta e persistir na sua opção estilística?

Aline:  Esse é o meu processo de escrita, meu caminho na literatura, minha investigação, percebe? Tudo de dentro. Não posso mudar minha narrativa por fatores externos.

NJ: Qual é a importância do prêmio São Paulo de Literatura pra você?

Aline: O prêmio fez o Pássaro ser mais lido, além do fôlego financeiro, uma espécie de bolsa pra seguir escrevendo o meu segundo livro.

NJ: Você escreve todos os dias? Como funciona o seu processo criativo?

Aline: Sim, todos os dias, prefiro escrever pelas manhãs. Também gosto de escrever com música clássica no fone de ouvido.

NJ: Como avalia a era digital e como utiliza as redes para divulgação da sua obra?

Aline: Acho que a rede acaba aproximando os escritores dos leitores, uso a internet como ferramenta de divulgação do meu trabalho, sem pudor.

NJ: A escritora Eliane Brum escreveu que “quando acho que sei um pouco sobre mim mesma, eu me desmascaro e escapo de mim”. Você compartilha dessa sensação? Consegue colocar em palavras o que sabe sobre si mesma?

Aline: É uma busca, o autoconhecimento, e o meu está muito vinculado com a escrita e a leitura, vou me descobrindo a partir dessas experiências literárias. Não tenho pressa, vou convivendo comigo, me assistindo. E aprendendo.

NJ: Como avalia o atual mercado literário brasileiro?

Aline: Desafiador, com certeza. Mas há muitos leitores no Brasil. O engraçado é que as pessoas gostam de dizer o contrário. Tento encontrá-los, encorajar a leitura sempre que posso.

NJ: Quando começou a estudar teatro e de que forma isso contribuiu para o seu amadurecimento como escritora?

Aline: Comecei aos 14 anos, em um curso livre no Museu de Arte Moderna em São Paulo. Depois estudei no Célia Helena. O teatro é a base da minha formação. Vivi muitas vidas e li grandes autores, o amor por contar histórias e ouvi-las começou no palco.

NJ: Qual é o cheiro da sua infância?

Aline: Cheiro de papel.

NJ: Uma frase

Aline: “O olho dos bichos é uma pergunta morta.” Hilda Hilst em “A Obscena Senhora D.”

NJ: Um sonho

Aline: Ouvir Amy Winehouse ao vivo, ou seja, um sonho morto.

NJ: Um lugar

Aline: Porto.

NJ: Uma música que a faz sorrir

Aline: “Anunciação” do Alceu Valença.

“A voz do anjo
Sussurrou no meu ouvido
Eu não duvido
Já escuto os teus sinais…”

NJ: Uma saudade

Aline: Os acampamentos do NR.

NJ:  Uma meta

Aline: Não é bem uma meta, mas é um desejo: escrever um livro para crianças.

NJ:  Aline Bei por Aline Bei

Aline: A atriz que não fui em busca da escritora que posso ser.

NJ:  Aline, eu fiquei muito tocada com o livro e a profundidade da história. Confesso que em alguns momentos precisei de um pequeno hiato para respirar, sentir a emoção e depois voltar à leitura. Foi realmente um prazer, a oportunidade de entrevista-la. Muito obrigada pelo livro e por participar da Nossa Janela.

Aline: Foram lindas perguntas, muito obrigada.Um beijo, amor. ❤️ .
Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

3 Comments

  1. Avatar
    Fabiana
    6 de agosto de 2019 at 16:29 Reply

    “ Ser adulto por vezes não deixa a beleza das coisas entrar tão facilmente, a gente começa a desconfiar”. Triste realidade… que possamos desconstruir essa verdade e manter a criança que existe em nós viva para que possamos deixar entrar a beleza das coisas… adorei a entrevista!!

  2. Avatar
    Dalia Leal
    19 de agosto de 2019 at 10:33 Reply

    👏👏👏Excelente entrevista!☀️🌜🌟💋❤

  3. Avatar
    Lucia Lima
    19 de agosto de 2019 at 11:19 Reply

    Que história linda dessa moça. Muita garra, determinação e vontade de vencer.A sua pesquisa na trajetória dela foi interessante e grandiosa, nos oferecendo um grande algum de minuciosas informações, acerca da vida íntima, artística, profissional e, certamente, com um futuro promissor.

    Parabéns, Lu, mais uma vez, por seu trabalho de muita qualidade e empenho para manter o seu público bem informado.

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