Juliane Araújo é daquelas pessoas que transpira simplicidade, exala bom humor e tem a positividade como principal aliada. Apaixonada pelo samba, o define como símbolo forte de resistência. Conversamos com a atriz sobre seus trabalhos na TV, a ligação com a Bahia e sua relação com o feminismo.
NJ: Ju, você sempre quis ser artista ou tinha outros planos? Como tudo começou?
Juliane: Eu comecei a fazer teatro com 8 anos de idade. Eu acho que a vida artística nunca é uma escolha, pelo menos não foi no meu caso, eu não escolhi. Acho que passei muito tempo na vida tentando fazer outra coisa, buscando gostar de outras coisas, mas na verdade não consegui. Com 17 anos eu entrei para uma companhia de teatro infantil e a partir daí comecei a trabalhar realmente pra ganhar, com carteira assinada, essas coisas. Então comecei bem cedinho e foi tudo muito fluido. Eu digo que teve muita batalha, mas não teve esforço, sabe? As coisas foram acontecendo como tinham que acontecer. E isso é incrível.
NJ: O que você mais gosta e o que você não gosta na televisão brasileira?
Juliane: A Televisão brasileira se não me engano é a segunda maior do mundo em dramaturgia. Eu acho incrível você fazer um produto que é visto no mundo inteiro. De muita qualidade e muito de respeito. Eu gosto muito dessa fluidez, de a gente ter inúmeras possibilidades de trabalho e agora com novas empresas entrando no Brasil, mais se cresce e isso absolutamente incrível. Não tem uma coisa que eu não goste. Acho que cada vez mais a gente está buscando um produto de qualidade, os nossos profissionais são os melhores que existem no mundo e eu sinto que cada vez mais as nossas técnicas estão miscigenadas com técnicas de fora do país e isso vai criando uma linguagem e uma assinatura muito genuína porque a gente tem o calor da América latina e técnica de outros lugares.
NJ: O que mais a interessa no processo de construção de uma personagem?
Juliane: Eu gosto muito de sala de aula, sabe? gosto muito de preparação. É um lugar que eu me jogo mesmo eu não tenho um pudor em relação a isso. Quando a novela tem uma preparação é a parte que eu mais gosto na hora de construir o personagem. É incrível estar com os outros atores, entender a temperatura da novela, do trabalho, do filme, do teatro, do cinema. Então eu gosto muito dos ensaios.
NJ: Sua participação mais recente na TV foi como a Luana de “Verão 90”. Você compartilha da paixão da personagem pelo samba?
Juliane: Eu sou completamente apaixonada pelo samba desde muito cedo. É uma coisa que eu descobri que vem de um lugar de ancestralidade porque meu avô que eu nem conheci era muito fissurado em samba, tocava pandeiro, como eu estou tentando aprender há um tempinho (risos).
NJ: Você declarou recentemente que entende o samba como um símbolo de resistência. Por quê?
Juliane: Eu acho que o samba é sim símbolo de resistência. Se a gente estudar um pouco a história do samba principalmente aqui no Rio, você vai entender como o samba foi criminalizado na época da urbanização carioca em 1904, por aí. As pessoas eram presas porque faziam rodas de samba. Porque o samba é o grito de um povo que na época era escravo, né? Então tem todo esse preconceito já estabelecido. E hoje o samba é isso que leva o nome do nosso país para o mundo inteiro, uma cultura riquíssima e pra mim o samba é curador. Todas as vezes que eu tô em casa e sou chamada para uma roda de samba, eu sempre tento ir. Porque eu nunca fui em nenhum lugar que eu não tenha saído de lá revigorada. O samba pra mim é o ritmo mais importante que a gente tem no nosso país.
NJ: Antes da Luana, seu papel mais recente na TV foi Maíra de “O Outro Lado do Paraíso” . O que mais a empolgou nesse trabalho?
Juliane: Laura Cardoso. Ela pra mim sempre foi um exemplo de artista, desde muito jovem. E eu aprendi muito com ela. O grupo era todo maravilhoso, formado por excelentes artistas. Mas a Laura realmente foi incrível. Ela é minha musa inspiradora, maravilhosa, eu acho ela genial. Trabalhar e fazer cena com a Laura é realmente um presente, ela tem uns tempos e dá tanto valor para o que faz, isso é muito bonito.
NJ: Como foi para você atuar dentro do universo do bordel?
Juliane: Eu fiz um laboratório onde fui para algumas casas de prostituição. E assim, é tudo muito confuso, a gente não sabe muito bem o que sente porque são inúmeras necessidades, muitas meninas fazem porque precisam, muitas meninas fazem por prazer e é uma caixa que você abre e não consegue sair porque é um universo muito extenso e muito múltiplo. E genuíno. Então foi muito importante pra mim conversar com essas mulheres. Eu antes da personagem, nunca tinha tido nenhuma relação com esse universo. Então foi bem importante mesmo. E é um processo de muito crescimento, qualquer laboratório que você faça em lugares mais afetados de conceitos pré estabelecidos pela sociedade, sabe? Foi um bom lugar pra ressignificar, pra descaracterizar, foi importante pra mim.
NJ: Sarita, sua personagem de “Êta Mundo Bom”, lutava pela igualdade de gênero. Tema que continua sendo amplamente discutido, sobretudo depois dos últimos acontecimentos. Você costuma acompanhar movimentos feministas que ganham força nas redes e nas ruas?
Juliane: Eu sou feminista e acredito que ninguém melhor que uma MULHER para lutar pelos seus próprios direitos. Mas é um processo interno, lento, então eu faço um movimento diário de desconstrução porque a gente foi ensinada dentro de uma cultura machista e as vezes a gente mesmo sendo mulher propaga algum tipo de um pensamento medíocre em relação as nossas. Eu faço um processo bem grande mesmo de leitura, de pensamento crítico, de questionar e a rua sempre foi parte da minha luta porque é na rua que a gente consegue o mínimo dos nossos direitos. Então eu estou na rua, sempre estive e provavelmente sempre vou estar. Eu tenho muito respeito pelas mulheres que me antecederam nessa luta e não dá mais pra engolir o machismo que nos diminui e nos limita.
NJ: Como foi para você dar voz a uma mulher em uma novela de época?
Juliane: “O Outro Lado do Paraíso” foi a minha primeira novela contemporânea. Todos os meus trabalhos anteriores eram de época. Época tem um trabalho assim de construção maravilhoso, minucioso. Tudo é muito investigado, estudado porque você não está contando a história somente de uma personagem, você está contando uma personagem em uma outra época. Isso é muito legal.
NJ: Você fez três novelas de época seguidas. Se pudesse voltar ao tempo e escolher outro período da história para viver, qual seria ele e por qual motivo?
Juliane: Eu gosto muito do movimento teatral e da música dos anos 80, mas eu vou dizer a verdade que eu não queria viver em outra época. Eu sou muito saudosista, todos os músicos e artistas que eu admiro normalmente são de outra época. Eu dou muito valor para as fotografias reveladas, por exemplo. Até porque eu peguei a mudança de era, quando eu nasci a gente ainda não tinha essas coisas digitais. Então eu gosto de vinil, eu gosto de comprar livros, gosto de roupas e móveis antigos. Mas eu gosto muito de viver nessa época. Acho que tem muito valor e muita gente boa procurando melhorar, sabe? A internet tem a função de propagar demais então você acaba encontrando inúmeras pessoas, inclusive artistas. E não tem mais essa história do “endeusar”, né? que era muito comum e pouco democrática, antigamente. A internet é muito democrática então eu consigo ver um músico de Pernambuco e ouvir sua música no meu celular sem depender que alguém me apresente a ele ou sem que precise ir para Pernambuco. Então eu gosto muito da época que a gente vive e ela tem o seu valor.
NJ: “Os Dias Eram Assim” abordou a ditadura e questões políticas do país. Como você enxerga a importância de temas como esses serem abordados na TV?
Juliane: A gente não sabe pra onde a gente vai se a gente não souber de onde a gente veio. É necessário que a gente aprenda sobre a nossa história, para que ela não se repita, até porque é um passado muito recente. Produções assim, que tem o poder de chegar na casa de milhões de pessoas, é uma forma de cumprirmos o papel principal de um artista, o de questionar e instigar o público a se informar cada vez mais. O período da ditadura, que era o pano de fundo da série, foi um dos períodos mais difíceis do nosso país. A conquista pelos nossos direitos foi árdua e muito batalhada. “Os Dias Eram Assim” foi muito importante pra contar essa história para um grande público, atingindo inúmeras pessoas que não sabiam ou que não tinham sido afetadas diretamente pela ditadura militar. Digo diretamente porque indiretamente todos fomos. Foi bem importante contar essa história.
NJ: Na trama, sua personagem Ive foi estuprada. Como faz para a carga dramática desse tipo de cena não interferir no equilíbrio da atriz?
Juliane: A gente começa a entender o que é trabalho e o que é realidade, sabe? óbvio que não tem como não ser afetada ainda mais quando as narrativas são muito próximas a nós que somos mulheres, sabemos, ouvimos, vimos ou vivemos situações de abuso. Eu felizmente nunca passei por nada disso mas é muito cotidiano a gente saber dessas histórias. Então a gente fica afetada mesmo. Mas eu consigo descarregar bem, tenho o meu processo de entrar em cena e de sair.
NJ: Sua primeira experiência na TV foi em “Lado a Lado”. Qual é a importância desse trabalho para a sua carreira?
Juliane: Foi uma experiência importantíssima. Primeiro porque contava a história da trajetória do Rio de Janeiro, o processo de urbanização do Rio, o início da primeira favela, a descriminalização do samba, a descriminalização da capoeira, então foi uma novela muito histórica. Eu trabalhava com atores geniais e foi o meu primeiro trabalho na televisão. Eu aprendi em um ano o que não aprenderia em anos de cursos. O estudo é importantíssimo para sua base, mas a prática desse estudo é avassalador. Os atores eram excepcionais e eu me senti muito abraçada por todo o elenco. Ter começado em “Lado a Lado” pra mim é um motivo de muito orgulho. Inclusive, a gente ganhou Emmy de melhor novela. “Lado a Lado“ rodou o mundo e sempre recebo mensagens de pessoas que estão assistindo a trama por toda a parte. Foi lindo!
NJ: Como avalia sua trajetória artística até aqui?
Juliane: Eu acho que eu tenho feito boas escolhas. A gente sabe de nossas necessidades básicas de vivência, mas eu tenho escolhido muito também fazer coisas que eu acredite fora da TV e que seja o meu discurso. Eu acho que cada um tem que entender a que veio, sabe? e eu tô muito feliz. A minha carreira só está iniciando, então eu tenho muitas coisas pra fazer ainda, mas tô muito feliz com tudo que fiz até aqui.
NJ: Você prefere a vida vivida ou a vida pensada?
Juliane: Vida vivida, certeza! (risos)
NJ: Como enxerga a política cultural brasileira?
Juliane: A gente tem uma política cultural que agora a gente chegou a um grande caos nesse novo governo, né? e a gente precisa cada dia mais, como artista, ter um comprometimento social maior e ter entendimento sobre o que está se passando no país, exatamente para conseguir fazer com que a gente participe de forma ativa. Se a política cultural brasileira hoje é o que é – e eu tenho inúmeras críticas a esse governo – eu acho que além disso a gente pode criar um movimento a parte. Esse ano eu dei uma pausa, mas tenho um projeto que há dois anos e meio eu dou aula para jovens e a gente discute, a gente se encontra. Na verdade é uma troca e a gente discute muito sobre política, sobre arte. O que eu acho importante é que a gente seja fomentador cultural também e de uma forma diária. É importante que a gente continue arrastando, tentando desenvolver, empurrando, abrindo frente porque eu acho que os próximos anos serão bem difíceis.
NJ: Você é mais do ar, do mar ou da terra?
Juliane: Terra. Eu sou muito da terra e da água doce.
NJ: Depois da última viagem, confesso que já sei a resposta. Mas preciso perguntar porque os nossos leitores baianos vão amar saber . Como é a sua relação com a Bahia? (risos)
Juliane: Pois é! (risos). Eu sou muito apaixonada pela Bahia, Lu. Eu falo que a Bahia tem um tempo diferente, eu acho que ela tem um tempo mais esgarçado. Eu acho que eu sou muito diferente na Bahia, inclusive mais feliz comigo mesma. Eu tenho uma calma maior, eu tenho mais calma pra realizar e juro por Deus, era o lugar que eu gostaria de ter nascido. Eu sou completamente apaixonada pela Bahia.
NJ: Você prefere assistir drama ou comédia?
Juliane: Ah eu não tenho preferência entre drama ou comédia. Eu gosto de produto bom.
NJ: Como costuma receber as críticas?
Juliane: A gente tem que ter muito cuidado com essa coisa de receber crítica porque a gente tem que saber de onde vem e na era da internet a crítica vem por todos os lados e de inúmeras formas. Então, é muito fácil você se perder se você não parar, olhar e se deixar ser transpassada por sensações ruins de outras pessoas. Eu acho que pra você receber a crítica de braços abertos, você precisa saber de onde ela está vindo. E com responsabilidade, analisando se a opinião dessa pessoa é uma opinião importante pra você. Eu costumo lidar bem com isso, quando sei de onde está vindo, as recebo de braços abertos.
NJ: Qual é o papel da religião em sua vida?
Juliane: Religião, eu criei a minha (risos). Criei o meu próprio ritual de fé que envolve muitas coisas, mas envolve principalmente um caminho de muita positividade. Parece clichê mas é real, esse caminho envolve muita meditação, muita entrega, gratidão e confiança em Deus. E no meio disso tudo eu me considero espírita.
NJ: Quais são os seus planos profissionais mais imediatos?
Juliane: Eu volto para o teatro esse ano, a gente já está ensaiando uma peça, tem uma série também.
NJ: O que não pode faltar na sua geladeira?
Juliane: Queijo. Eu sou fissurada em queijo.
NJ: Uma mania
Juliane: Eu tenho mania de luz apagada, eu sempre tô no escuro. Meu ascendente é escorpião e não sei se isso tem um pouco a ver. Mas eu tomo banho no escuro, eu só acendo luz em caso de necessidade mesmo.
NJ: Uma frase
Juliane: Um trecho da música do Caetano :
“ O que eu herdei de minha gente, eu nunca posso perder” . Eu acho que isso é muito importante, é o que vai definir pra onde a gente vai e saber sobre a nossa ancestralidade também.
NJ: Uma palavra
Juliane: Gentileza. Eu tenho tatuada no braço. Acho muito importante a gente ser gentil. É um movimento contínuo, né? você dá e você recebe.
NJ: Uma série
Juliane: Homeland
NJ: Um filme
Juliane: O Auto da Compadecida.
NJ: Uma viagem inesquecível
Juliane: Chapada Diamantina, que agora eu determinei que vou todo ano e isso é uma certeza.
NJ: Qual música melhor retrata seu momento atual?
Juliane:Todas da Luedji Luna. O álbum “Corpo no Mundo”.
NJ: Juliane Araújo por Juliane Araújo
Juliane: Não sei responder, mas posso dizer que eu sou leonina com ascendente em escorpião e leão. Aí já dá pra saber muita coisa (risos).
NJ: Ju, muitíssimo obrigada! os desencontros aconteceram para vivermos essa matéria linda hoje.
Juliane: Tinha que ser hoje e com a Nina (risos). Foi lindo! estou muito feliz!
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1 Comment
Soneide Maria Barbosa
29 de abril de 2020 at 11:13Linda entrevista, como sempre. Sucesso pra vcs.