Marcelo Valle

Marcelo Valle

Marcelo Valle se define como um homem em busca do auto-aprimoramento. Seu papel mais recente na TV foi Murilo, jornalista sensacionalista de “Verão 90”. Conversamos com ator sobre a carreira, o papel da arte na formação do indivíduo, a totalidade do processo de construção teatral e seus planos profissionais mais imediatos.

Lu: Marcelo, quando decidiu que queria viver da arte? Como tudo começou?

Marcelo: Na verdade, acho que a vida decidiu por mim. Eu frequentava a Faculdade de Jornalismo e um amigo me disse que o Damião – professor do Tablado e diretor queridinho dos elencos jovens – estava aceitando candidatos pra um espetáculo que teria 40 atores jovens no elenco. Fui, me candidatei, entrei e nunca mais saí (risos). Percebi que aquele era o meu lugar no mundo: num palco de teatro. Aprendi que o teatro é uma arte coletiva, colaborativa. Fiz Escola de Teatro depois, mas nunca esqueci a forma como fui apresentado ao fazer teatral.

Lu: Como você enxerga o papel da arte na formação do indivíduo?

Marcelo: Fundamental. A arte dialoga com o indivíduo num plano mais subjetivo, ela é capaz de acionar mecanismos que não são acionados pela linguagem do nosso dia a dia. Além disso, pela sensibilidade, nós os artistas desenvolvemos uma espécie de antena, que dialoga com o inconsciente coletivo; nós nos conectamos com questões latentes da nossa sociedade e as tornamos manifestas através da criação artística.

Lu: O que mais o interessa no processo de construção teatral?

Marcelo: A experiência em sua totalidade: a elaboração de questões pessoais, o processo colaborativo, a subjetividade dos personagens, a pesquisa sobre o universo, a descoberta da linguagem daquela obra…

Lu: Seu papel mais recente na TV foi o jornalista Murilo de “Verão 90”. Quais foram as suas inspirações para compor esse jornalista sensacionalista e o que mais o empolgou nesse trabalho?

Marcelo: Foi a minha memória dos anos 90: o baixo Leblon, o inicio da carreira artística, a relação com a mídia na época, acontecimentos como o aparecimento do celular e dos clipes da MTV… a vida era outra naquela época. E também o caráter duvidoso do Murilo, representando um lado pervertido da mídia, me inspirou muito, pois fazer personagens politicamente incorretos é muito, muito divertido. Foi o meu primeiro trabalho em parceria com a autora Izabel Oliveira, que eu já conhecia há bastante tempo, pois havia estudado comigo na escola de teatro. Ah, e também ser dirigido pelo Jorginho, que era um sonho da vida toda!

Lu: No cinema você integrou elenco de filmes importantíssimos pra a história do cinema nacional como “Madame Satã” (2002), “Tropa de Elite” (2007) e “Entre Abelhas” (2015). Quais são as lembranças que guarda desses trabalhos e o que mais aprendeu com eles?

Marcelo: Bem, foram trabalhos bastante distintos, em momentos muito diferentes da carreira. Além do delegado de Madame Satã ter sido o meu primeiro personagem no cinema, foi especialmente bom contracenar com o Lázaro Ramos e ser dirigido pelo Karin: eu estava entre amigos, fazendo um trabalho que sabia ser especial. O “Tropa de Elite” foi fantástico, uma experiência muitíssimo rica: primeiro pela forma como foi filmado – os atores não leram o roteiro, não ensaiaram os diálogos das cenas,  havia no set a preocupação com a espontaneidade dos atores, filmar era muito, muito bom! “Entre Abelhas” foi um convite do Fábio Porchat, com quem eu já tinha feito dois filmes e duas temporadas de uma série no Multishow; era um filme cujo tom não era óbvio, então, por isso, havia um desafio no set; foi ótimo fazer!

Lu: Você participou do espetáculo teatral “Não Vamos Pagar!” que apresentava com bastante humor a realidade de muitas famílias brasileiras que dão duro para conseguir pagar as contas no final do mês. Uma comédia de riso franco que colocava todos os personagens em uma posição delicada. Acredita que todos os seres humanos podem agir como vilão ou mocinho dependendo da situação?

Marcelo: Com certeza. O ser humano é humano, antes de ser bom ou mau. Além do que, ninguém é realmente só uma coisa ou outra. O limite é que é variável, de acordo com a moral, a ética de cada um.

NJ: Foi na pele do produtor de moda Osmar, de “Viver A Vida” que você ganhou mais projeção na teledramaturgia. Como avalia esse primeiro trabalho de grande repercussão na TV?

Marcelo: Adorava fazer. O Manuel Carlos tem um texto muito gostoso de dizer, pois é a expressão do cotidiano, uma crônica do dia a dia. E era uma gincana também, pois o texto chegava muito em cima da hora, a gente decorava ali, na hora, meio no estúdio mesmo e mandava ver. Tinha um risco. E muita diversão ao lado da Aline Moraes, da Thaís Araújo, da Lília Cabral, Bárbara Paz, Zé Mayer, Thiago Lacerda… só gente bacana!

Lu: Em ”Insensato Coração” você viveu Júlio, o que mais marcou nesse trabalho?

Marcelo: O desafio de fazer um papel grande, numa novela do Gilberto Braga. Cresci vendo as novelas do Gilberto, que me encantaram durante minha juventude. Tinha muita expectativa no início do trabalho e fui relaxando aos poucos. Era muita gente boa junta: Antonio Fagundes, Natália do Vale, Deborah Evelyn, Beth Mendes… as relações que fazemos numa novela são muito importantes, definem bastante aquele tempo.

Lu: Como você avalia a atual política cultural brasileira?

Marcelo: Uma tristeza! Atualmente, para além de não haver apoio nenhum do governo, nós, os artistas, viramos alvo do ódio. Certamente porque a cultura e a arte andam de braços dados com a educação e o governo quer o povo ignorante. Além disso, parece que os políticos brasileiros, quando há eleição de novos governos, fazem sempre questão de não dar continuidade aos projetos do governo anterior.

Lu: Algumas pessoas defendem que o artista não deve posicionar-se em relação à política. O que pensa em relação a isso e como enxerga o nosso atual quadro político?

Marcelo: Bem, não entendo isso. Acho que atualmente, quem não quer se posicionar politicamente é porque não quer perder seguidor nas redes sociais, ou patrocinadores cuja posição política seja divergente da sua. Aí, sinceramente, vai da consciência de cada um. O quadro político atual do Brasil é lamentável. Um retrocesso absoluto!

Lu: Conte-nos um pouco sobre a sua Companhia de Teatro.

Marcelo: A Cia dos Atores é um projeto de vida! É a árvore que eu não plantei, o livro que eu não escrevi e o filho que eu não tive. Aliás, mentira: o livro eu escrevi sim, em parceria com meus companheiros, por ocasião dos dezoito anos da Cia. Fundamos a Companhia quando eu estava ainda na escola de teatro e continuamos trabalhando juntos até agora, mais de trinta anos depois. E o melhor: muito provavelmente, continuaremos juntos vida afora. Atualmente administramos uma sala de teatro, que não tem apoio nenhum do governo, ou seja, trabalhamos pra mantê-la aberta. A Cia dos Atores é minha família artística.

Lu: Como você lida com as críticas?

Marcelo: Os artistas se expõe muito quando estão trabalhando. Então, pra mim, normalmente, não é fácil ser criticado. Especialmente porque as críticas atualmente são emissão de opinião, tipo gosto ou não gosto, é bom ou ruim. Não há diálogo construtivo.

Lu: Há um provérbio árabe que diz “ o maior erro é a pressa antes do tempo e a lentidão ante a oportunidade”. Considera-se uma pessoa ansiosa? Arrepende-se de alguma oportunidade perdida?

Marcelo: Sim, eu sou bastante ansioso. Mas medito diariamente, pois é uma forma de controlar a ansiedade um pouco. Não me arrependo de nada, a não ser de ter abandonado a faculdade antes de me formar. Era jovem e estava encantado com o mundo do teatro. Mas ainda dá tempo de rever essa situação…

Lu: Qual é o  papel da religião em sua vida?

Marcelo: Atualmente, não sou religioso, mas sou bastante espiritualizado. Já fui católico, espirita e budista, pois sempre me interessei pelo mistério da vida. Mas hoje vejo que a religião como instituição falida. O melhor lugar que Deus pode ocupar no mundo é dentro do coração das pessoas. Esse negócio de relações verticais tá caído, a parada são as relações horizontais!

Lu: Em sua opinião, qual é a maior virtude que um homem pode ter?

Marcelo: Compaixão.

Lu: O que é felicidade pra você?

Marcelo: É, principalmente, estar em paz com as minhas escolhas. Ter saúde e perspectiva de vida. Estar em família e com os amigos.

Lu: Quais são os seus planos profissionais mais imediatos?

Marcelo: Em primeiro lugar, voltar a estudar: entrei para um curso de formação em Gestalt terapia, que tenho certeza vai me ajudar no meu desenvolvimento como ator. Talvez também volte pra faculdade, pra me formar no terceiro grau, já que minha formação universitária é incompleta. Vou me dedicar à minha companhia de teatro e já tenho 2 projetos teatrais incentivados pro ano que vem. Mas sigo aberto a convites pro cinema e televisão.

Lu: Como foi a experiência de participar do “Cinderela Pop”, um clássico conto de fadas com um ritmo diferente?

Marcelo: Uma delícia: foi um filme leve, divertido de fazer. Adoro ver os clássicos revisitados.

Lu: Uma frase

Marcelo: “Torna-te quem, tu és”, Nietzsche.

Lu: Um sonho

Marcelo: Ter um fim de vida tranquilo, com a certeza de ter cumprido o meu propósito.

Lu: Um lugar

Marcelo: A praia! Mais especificamente, o Arpoador.

Lu: Um livro

Marcelo: “O Despertar de Uma Nova Consciência”, de Eckhart Tolle.

Lu: Uma música que o faz sorrir

Marcelo: “Há Tempos”, Legião Urbana.

Lu: O que o deixa verdadeiramente emocionado?

Marcelo: As tiradas criativas, engraçadas e inteligentes do meu afilhado Valentim.

Lu: Marcelo Valle por Marcelo Valle

Marcelo: Um homem em busca do auto-aprimoramento.

Galeria:

Lu: Marcelo, muito obrigada por participar da Nossa Janela.

Marcelo: Eu que agradeço, que delícia estar com vocês aqui e com a gracinha da Nina (risos).

Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

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