Alba Darabi

Alba Darabi

Foto Lajima Silena

Ela tem uma linda história de superação.  É atriz, arte-educadora e yalorixá do Terreiro Ilê Axé Odé Aladé Ijexá. Conversamos com Alba Cristina, a nossa Ya Darabi, sobre a carreira de atriz, o Axé , sua responsabilidade com a espiritualidade e  a importância  da ancestralidade. 

Lu:  Alba, qual foi o seu primeiro contato com o teatro?

Alba: Meu primeiro contato com o teatro foi dentro de casa, mesmo sem nunca ter ouvido falar em teatro. Eu tinha apenas oito anos de idade e ficava no fundo da casa imitando minha mãe e as amigas dela que também eram lavadeiras. Eu ia para a fonte ou para o rio com elas e quando voltava ficava no fundo da casa imitando  e criando personagens. Minha mãe achava que eu não tinha “o juízo certo” e tinha muito cuidado comigo por causa disso. E quando não era assim, eu ficava criando pratos imaginários, tomando fino café, comendo tortas, frutas, e ficava imaginando, pois venho de uma história de muita fome.  Quando eu cresci, comecei  a participar de um grupo jovem de igreja Católica e no grupo da igreja tinham peças de teatro. A primeira peça que eu participei , o grupo ganhou o prêmio. A partir daí não parei mais e entrei em um grupo de teatro.

Lu: Quais são as lembranças que guarda de “Velho Chico” e qual é a importância desse trabalho em sua carreira profissional?

Alba: São lembranças interessantes. Eu estava em casa e recebi um telefonema de uma pessoa se identificando como diretor da Globo,  explicando que organizava o elenco. Ele recebeu uma imagem minha, da pessoa da Bahia que ficou responsável por mandar atrizes/ atores pra o núcleo, disse que o diretor Luiz Fernando gostou muito e queria que eu fizesse a personagem da yalorixá. Só que na época,  eu estava recolhendo pessoas para os rituais de Axé do terreiro e como tenho muita responsabilidade nessa questão da espiritualidade, porque  foi através dela que mudei a minha vida,  eu disse que infelizmente não poderia aceitar. Lembro que ele perguntou se eu sabia quantas pessoas no mundo inteiro gostariam de estar recebendo esse convite e eu  disse que também estava feliz e que gostaria muito de poder aceitar, mas eu tinha um compromisso com o Axé. No dia seguinte,  recebi um telefonema dele dizendo que o diretor queria que eu participasse e que eu não poderia mais fazer a mãe de santo porque ele não poderia esperar, mas, queria que eu fizesse uma freira e pediu para entrar em contato quando  terminasse as coisas que eu estava fazendo. Disse, inclusive,  que minha passagem já estaria comprada para eu ir.  E aí eu fui, fiz a personagem e  foi a primeira novela que eu tive uma participação. E pra minha cor de mulher negra, o comum é fazer personagens de empregada e eu fiz uma freira. Logo na minha primeira oportunidade na TV tive convite para duas líderes religiosas. A primeira yalorixá, que não pude fazer, e a freira. Então tenho lembranças boas dessa novela, foi um trabalho muito importante pra mim. 

Lu: O que mais gosta e o que não gosta na televisão brasileira?

Alba: O que eu não gosto é que as atrizes  e atores negros não têm a possibilidade de explorar o seu potencial da mesma forma que dão oportunidades as pessoas brancas. E isso é uma coisa que nos entristece. 

O que eu mais gosto é esse “poder” que a televisão tem de entrar em sua casa e poder trazer informações, mudanças e alegrias. Embora estejamos  vivendo um momento de tristeza, ainda tem muita coisa boa. 

Lu: Como faz pra conciliar o chamado da fé e da religião com a carreira de atriz?

Alba: A minha forma de conciliar é estar sempre presente de corpo, alma e coração nas duas coisas. Então, nos momentos em que eu estou dentro do meu sagrado religioso, estou por inteira. Nos momentos em que eu estou dentro do meu sagrado artístico eu também estou por inteira. Então, isso me dá um equilíbrio.

Lu:  Sobre a casa, o terreiro, a aldeia, como o define? Porque escritores, antropólogos visitantes falam abordam de formas distintas. Trata-se de uma casa religiosa? Tem semelhanças com uma escola, uma casa terapêutica, onde as pessoas buscam cura? Qual é a forma correta de definição do terreiro? Pode-se dizer que é uma família?

Alba: Essas são linguagens usadas pelos nossos antepassados, nossos ancestrais. Tem muita gente que chama de “Casa de Axé”, outras pessoas chamam de “Aldeia”. A aldeia é mais ligada para as pessoas que trabalham com os caboclos. E todas essas  terminologias trabalham com a religiosidade e todas as duas estão corretas. Toda aldeia, todo terreiro, toda casa de Axé é uma escola, um lugar onde se aprende todo dia e a todo momento. Se aprende com a criança, se aprende muito com a biblioteca viva que são os nossos mais velhos. E os ensinamentos se diferenciam dos livros porque são saberes ancestrais. É uma escola, é uma universidade. E claro que é um lugar terapêutico porque quando a pessoa procura um lugar como esse, que trabalha com a espiritualidade, ela vai em busca de uma cura e muitas vezes essa cura vem através de um caminho. Algumas vezes tudo é resolvido ali dentro e outras vezes é preciso que a pessoa tenha um acompanhamento com um profissional da área de saúde, por exemplo. Um terreiro de Candomblé é, de fato,  uma família. Uma família, inclusive, que tem um aprendizado muito forte porque não se trata de uma família biológica, do sangue; são pessoas de várias naturezas, de naturezas diferentes. Então, é um lugar onde você aprende a viver e conviver. É onde mais existe resistência, no sentido do aprendizado para compreensão e tolerância do outro. 

Lu:  Vivemos em um país laico, de liberdade religiosa. Mas, infelizmente, ainda acontece muito preconceito em relação às religiões de matriz africana. De acordo com sua vivência e opinião, por que isso ainda acontece e o que poderia ser feito para reverter, ao menos parte dessa discriminação?

Alba: Infelizmente nós vivemos essa questão séria que é o preconceito com tudo, com a cor, com a nossa religião e o que não pode acontecer é a gente perder a nossa fé. A gente tem que continuar lutando, resistindo, combatendo. O que não pode é nos trancarmos em nossas casas e não falarmos o que acontece. Nós podemos ver quantos terreiros foram e ainda estão sendo destruídos. Isso tudo é reflexo de uma política suja, de uma política perversa. É preciso que haja união do povo negro, do povo do axé. A gente precisa acreditar na gente e votar em gente como a gente. Só assim a gente vai fazer uma grande revolução  e uma grande mudança.

Lu:  Fale-nos um pouco sobre a resistência através da religião. 

Alba: A nossa resistência está  em assumir que somos do Axé, em assumir a nossa cor, assumir o nosso cabelo, nossas vestes e em a gente estar sempre lutando pela paz. É aí que está a nossa resistência. 

Lu: Um ponto  bastante discutido hoje em dia diz respeito ao sacrifício dos animais, inclusive,  recentemente temos ouvido falar muito em “Candomblé vegetariano”. Dentro do contexto religioso existe, de fato, a possibilidade dessa transição?

Alba: Eu não entro nesse mérito porque eu prefiro trabalhar com o que os meus antepassados deixaram. Sangue é vida, é energia, é vitalidade. Eu me pergunto se essas pessoas não comem carne, não comem aves. Eu vejo mais como uma implicância para as pessoas da religião afro-brasileira. Agora, respeito quem dá esse seguimento do vegetariano porque acho que cada um tem a sua fé. 

Lu: Nas comunidades religiosas nagôs, as mulheres têm um papel muito importante, diferente do que acontece  em outras organizações religiosas. Por que isso acontece e por que elas têm esse papel?

Alba: Nós mulheres de Axé,  trazemos essa força de nossa ancestralidade…. sempre fomos uma sociedade organizada  e tudo isso acontece  porque sempre tivemos que enfrentar batalhas nas cozinhas das patroas, na beira de rios lavando roupa, em roças de cacau, tabuleiro de acarajé, amamentando filhas das patroas e por ai vai. E quando assumimos a casa de nosso Orixá,  não queremos ver desordem nem desrespeito,  embora não estamos livres de certas coisas acontecerem, afinal  estamos lidando com humano. 

Lu:  Qual é a importância do uso da roupa branca dentro do Candomblé?

Alba: A roupa branca é símbolo de paz e se refere aos orixás funfuns e  o pai Oxalá puxa essa força.

Lu:  Você participou recentemente de dois clipes do cantor e compositor Del Feliz. O primeiro,  “A essência dela”, é uma homenagem às mulheres (clique AQUI). O segundo, “Mais um de nós”(clique AQUI), traz uma mensagem forte, impactante. Aborda o amor, a diversidade e o espírito coletivo, além de  falar da responsabilidade de cada um na construção de um mundo melhor, mostrando que todos somos elo nessa corrente. Como foi pra você, participar desses dois projetos?

Alba: Esses convites me deixaram imensamente feliz. Del Feliz nos passa alegria, energia boa e sobretudo consciência.  Ele faz a valorização da cultura popular e também o respeito a todas as categorias e minorias e essa representatividade é fundamental. Inclusive, quando ele junta a força feminina de todas as classes, etnias  e profissões, nesse mundo onde a mulher é tão desrespeitada… ele traz uma chuva de alto estima! Participar desses dois projetos tão bem elaborados me deixou muito feliz, honrada e agradecida pela confiança.

Lu:  Você participou do Bastad Brasse Velka, na Suécia, cuja proposta é levar um pouco do que acontece todos os anos em Salvador, na Lavagem do Rio Vermelho,  em homenagem a orixá Iemanjá. Como avalia a importância de eventos como esse, considerando que o respeito ao sagrado possibilita a conservação da cultura afro-brasileira?

Alba: Esse é um projeto que o  produtor Joel Ferreira tem  na Suécia junto com Isa Prayer, que é dançarina.  Ele reúne artistas brasileiros para mostrar a nossa cultura. Eu acho muito importante levar para Europa a tradição afro-brasileira, como é a lavagem de Iemanjá, que acontece no Rio Vermelho. Precisamos cada vez mais ter oportunidade de falar do nosso sagrado através da arte para povos que não têm  vivência, mas que passam a conhecer e serem capazes de avaliar aquilo que é dito pelos preconceituosos. Passam a ver a beleza que é, o som dos tambores, o ritmo da dança, a história dos orixás. Isso é de extrema importância.

Lu:  Um dos grandes perigos do mundo moderno é a facilidade das pessoas de aceitar ideias gerais como sendo próprias. A internet, apesar de necessária, é um risco em relação a isso. Como enxerga essa era digital?

Alba: Eu acho a internet muito importante, inclusive acho que é um avanço trazido por Exu e por Ogum, a tecnologia do ferro. Lógico que para quem usa para o mal, ela tem uma força incrível. Mas para quem usa para o bem, traz grandes benefícios, inclusive para o povo do Axé. 

Lu:  Como avalia a Lei que determina como obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas e que mesmo após 16 anos ainda enfrenta obstáculos em sua implementação?

Alba: Com certeza é uma demora muito grande e a gente precisa falar da gente porque a gente não tem quem fale da gente. A gente precisa falar disso.

Lu:  O que mais lhe marcou nos tempos de criança?

Alba: A fome. A fome me levou uma certa vez a receber a hóstia porque eu sempre ouvi que o corpo de cristo alimenta e eu estava com muita fome. E uma beata meteu o dedo na minha boca e tirou a hóstia porque ela sabia que eu não era batizada e nem havia feito a primeira eucaristia. Isso me marcou muito. 

Lu:  Recentemente acompanhamos uma campanha nas redes com a participação de artistas como Carlos Betão, Carlinhos Brown, Gerônimo, Jackson Costa, Marcos Palmeira e Del Feliz ressaltando a importância que pessoas próximas ao  Terreiro Ilê Axé Odé Aladé Ijexá fiquem em casa cumprindo a quarentena. Como está a situação agora? A comunidade está mais consciente? A campanha surtiu efeito?

Alba: Sim, essa campanha ajudou muito e a participação desses artistas foi muito importante e eu agradeço de coração por estarem comigo nessa campanha. Inclusive,  sou muito agradecida a Del Feliz por ter participado porque ele não me conhecia e aceitou fazer com muita simplicidade e generosidade. E é preciso continuar porque ainda tem muita gente que não acredita nessa doença, nessa praga. Nós estamos vivendo dois momentos terríveis. Um com o inimigo invisível e o outro com o inimigo visível. É uma situação realmente complicada. 

Lu:  Em sua concepção, acredita que teremos um mundo melhor após tudo isso?

Alba: A única coisa que pode mudar essa situação é as pessoas terem consciência porque,  temos um governo que não está preocupado com isso. Mas, infelizmente,  nós vivemos em um país onde as pessoas gostam de “cuspir no chão” e não tem preocupação de contaminar o outro quando estão gripadas, por exemplo. Então, nesse país é difícil porque as pessoas não são educadas para a prevenção de doenças. Mas, ainda assim, eu acredito em uma mudança.  Não tem como não haver essa mudança. 

Lu:  Uma palavra

Alba: Amor.

Lu:  Um lugar

Alba: Onde eu estou, onde o universo me levar, onde meu orixá com sua flecha certeira me lança,  porque eu vivo na ponta da lança dele. Esse é o meu  lugar. 

Lu:  Um sonho

Alba: Sonho também com um mundo melhor,  sonho ver as pessoas se abraçarem de verdade, ver as pessoas se gostarem de verdade. E que ninguém mais passe fome.

Lu: Uma mania 

Alba: De cultuar a vida através de cuidar das pessoas. Outra mania é ler poesia. 

Lu:  Uma música que a faz sorrir

Alba: Um bom jazz, um bom blues, me fazem sorrir de felicidade. Eu sinto na voz de Nina Simone, por exemplo, a revolução e esperança dentro de mim. 

Lu: Antes de concluir, tem algum assunto que gostaria de abordar, alguma mensagem a deixar?

Alba: A mensagem que deixo é para juventude, principalmente a juventude negra que é mais sofrida e que está sendo esmagada perversamente a todo momento  e em todos os lugares do mundo. Mas ainda assim, a minha mensagem é de esperança. A gente tem que acreditar que a mudança acontece e que nasça sempre novas lideranças jovens para lutar a nosso favor.  

Lu: Alba Cristina por Alba Cristina

Alba: Eu digo sempre o contrário do que eu ouvi a vida toda, eu me acho uma negra belíssima, uma mulher guerreira. Eu acredito que enquanto vida eu tiver, sempre vou conseguir o que eu quero. Sempre repito uma estrofe de uma música de Raul Seixas “ O que eu quero, eu vou conseguir e quando eu quero todos querem e todo mundo pede bis e pede mais”. 

Lu: Mãe Darabi, muito obrigada por participar da nossa Janela. Nem sei dizer a alegria que estou sentindo por tê-la aqui conosco e por tanto carinho e cuidado sempre. Axé!

Alba: Também estou feliz. Lu é luz! Axé!

Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

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