Joana Lebreiro

Joana Lebreiro

Ela transita muito bem pelas três vertentes de trabalho que mais ama: dirige peças, dá aulas na universidade e trabalha com preparação de atores. Esteve em cartaz por cinco meses no Rio de Janeiro dirigindo a atriz  Miá Mello no monólogo “Mãe Fora da Caixa”. A peça, que foi sucesso absoluto na temporada carioca, volta aos palcos em São Paulo, a partir de Janeiro. Com o carisma e bom humor que são inerentes a sua personalidade, tivemos o prazer de conversar com Joana Lebreiro sobre a peça, a carreira, a maternidade e sobre a importância da arte como ferramenta educacional.

NJ: Joana, qual foi o seu primeiro contato com o teatro? Como tudo começou?

Joana: Na verdade, eu sempre quis trabalhar com teatro, quando criança já brincava de fazer peças. Eu morava em Niterói e fui assistir uma montagem do “Roda Viva”. Era uma montagem muito boa, muito bem feita, muito bem dirigida. E eu fiquei muito emocionada, não conhecia o texto, apesar de já amar Chico Buarque. Eu lembro que voltei pra casa e chorei muito porque eu queria fazer teatro. Foi ali  que entendi que eu não ia conseguir ver teatro sem fazer teatro, mas a minha trajetória começou mesmo na faculdade. Engraçado você perguntar isso hoje porque fui na sexta-feira assistir a nova montagem de “Roda Viva” aqui no Rio e saí de lá muito emocionada, passou um filme na minha cabeça porque essa peça marcou uma virada na minha cabeça e na minha vida. Eu estudei Direção Teatral na UFRJ porque achei que seria bom pra mim ter a formação como diretora, mas eu ainda queria ser atriz. Só quando comecei realmente a dirigir os exercícios, me apaixonei perdidamente pela direção  e percebi que realmente era aquilo que me completava. Depois  trabalhei como Assistente de Direção em uma Companhia por uns 4 anos até que dirigi o meu primeiro espetáculo adulto que se chamava “Antônio Maria: A Noite é Uma Criança”, um espetáculo sobre Antônio Maria e as noites de Copacabana. Foi muito legal, teve uma receptividade muito boa. Deu certo, sabe? E a partir dali veio uma sequência de vários espetáculos musicais. Depois eu fiz também um mestrado em Memória Social e comecei a dar aulas, sempre dirigindo muitas peças e fazendo preparação de atores simultaneamente. Mas eu comecei a estudar teatro praticamente na faculdade mesmo e eu gostaria de ressaltar a importância desse curso em uma universidade pública porque eu não teria condições de pagar uma faculdade particular. Eu valorizo muito essa oportunidade e a importância de cursos direcionados a arte em universidades públicas. 

NJ: Você dirige “Mãe Fora da Caixa”em cartaz no Teatro Fashion Mall, em São Conrado. Como foi dirigir a Miá nesse monólogo? Já trabalharam juntas em outros projetos? 

Joana: Dirigir a Miá foi uma experiência incrível porque foi um encontro mesmo da gente. A gente não se conhecia e eu fiquei muito feliz com a entrega dela, com a generosidade, com a alegria, com o talento porque é muito bom a gente ver um ator feliz em cena, com gana, com muita vontade de fazer. E foram muitos os desafios. Os momentos de inseguranças são normais, os momentos de dúvidas são normais, mas é importante que o ator esteja ali aberto, querendo jogar. A Miá é essa atriz que está ali pra o jogo, com escuta e sempre de bom humor. Mesmo nos momentos mais difíceis a gente ria das dificuldades. Foi um processo muito prazeroso e é esse teatro que eu gosto, com prazer,  porque na natureza da criação já tem o sofrimento intrínseco das dúvidas, da labuta. A arte exige muito trabalho, então, o trabalho tem que ser muito prazeroso. Foi um encontro que transcendeu e virou bela amizade. 

NJ: Quais são as sensações e reflexões que espera despertar no público através do espetáculo?

Joana: A peça é inspirada na obra da Thaís Vilarinho e uma das coisas que a gente sempre desejou é que além da identificação, o espaço da peça despertasse uma mistura do acolhimento do livro da Thaís com possibilidade da gente rir disso tudo que a gente vive. É como se fosse colo com gargalhada. Sempre houve esse desejo de despertar o riso e a emoção ao mesmo tempo. É pra ser divertido mas é também pra tocar o público e  não é um espetáculo somente para mães, é uma peça sobre maternidade. E falar sobre maternidade é falar sobre todos nós porque todo mundo tem alguma relação. Ou é mãe ou é filho, ou as duas coisas. Muita gente fala isso pra gente,  que não tem filho, mas que se sentiu tocado pensando na mãe, imaginando as situações que ela passou. Esse reconhecimento também é importante. Hoje existem muitos espaços de discussão sobre maternidade real, mas eu acho que no teatro ainda não tinha e é uma necessidade transformar essas questões em arte. O espetáculo conta uma história e também promove uma relação da plateia sabendo que cada  dia é único. A cena de plateia não coloca ninguém constrangido, é uma cena de amor, de acolhimento.

NJ: Como definiria o espetáculo?

Joana: É um monólogo de humor e amor sobre maternidade. Acho que essa é uma boa definição. A gente ri e se emociona, se identifica e reconhece os nossos.

NJ: Como têm sido a reação do público?

Joana: A reação do público tem sido incrível. A estreia foi sensacional, fiquei muito tocada por tudo que as pessoas vinham me falar. A gente recebe muita mensagem e ainda tem o bate papo no final. Os áudios que recebo dos amigos também são muito gratificantes. O público tem percebido esse olhar pra a mãe. Se fala muito de filho, de maternidade, mas esse olhar para a mãe ainda não se fala muito. As mães se emocionam muito porque se sentem muito acolhidas e ainda tem o momento de gritar junto na plateia. As pessoas voltam muito, trazem amigos, marido, família. Alguns voltam e levam filhos adolescentes ou a própria mãe. É uma peça que promove conversas, debates. O marido de uma amiga minha brincou chamando a peça de “clube da Luluzinha” mas logo depois ele me agradeceu e falou com vários amigos para irem assistir.  Teve um que chegou a postar no grupo do futebol para os amigos assistirem alegando que tem muitas coisas que a mulher passa que o homem sequer imagina, mesmo sendo um pai presente. Isso tudo é muito gratificante, eu acredito que quando um espetáculo prorroga o que foi abordado pra fora do teatro faz muito mais sentido porque a arte está aí pra isso. Ela nos encanta, nos provoca, nos faz pensar pra depois reverberar na nossa vida.

NJ: O que a deixa fora da caixa?

Joana: Tem uma coisa que a maternidade traz que é o aprendizado de que a gente não tem o menor controle sobre nada e essa sensação de não ter o controle das coisas da vida me deixa meio fora da caixa. Tanto em relação as coisas grandes quanto algumas pequenas também. E a maternidade ensina isso desde quando seu filho começa a chorar muito e você não sabe o que é, não importa o que você faça. Isso de você não conseguir ter o controle das dores dos filhos, sobre as decisões que eles vão ter que tomar. Falando isso parece que eu sou uma pessoa extremamente controladora, acho que não sou na prática porque me policio muito para não ser, mas no fundo, eu sou. Seu filho vai se frustrar, vai errar, ele não vai seguir o que você imagina. Essas são as coisas grandes mas também existem as  pequenas coisas, por exemplo: você vai sair e vem aquela confusão das coisas, dos filhos, é uma falta de controle do seu tempo, das suas escolhas e da sua liberdade. Isso me deixa um pouco fora da caixa e eu acho que uma das maiores lições que a maternidade traz pra a gente é aprender a lidar com a culpa e aprender a lidar com o fato de você não ter controle. Eu aprendi que o controle é uma ilusão. Isso me deixa fora da caixa mas é um aprendizado.

NJ: De todos os projetos que já atuou, qual você mais gostou de dirigir e por qual motivo?

Joana: Isso de qual mais gostou é igual perguntar de qual filho gosta mais, complicado. A gente ama cada um de um jeito diferente. Mas como não é exatamente ‘filho’ tem os assim mais ‘xodós’ né? o primeiro a gente nunca esquece que foi o “Antonio Maria: A Noite é uma Criança”, que foi muito especial e me abriu muitas portas, todas praticamente, até a minha escolha de mestrado que definiu tantos caminhos também. E outro muito marcante e especial na minha carreira foi “Meu Caro Amigo”, que era um monólogo-musical todo inspirado em canções do Chico Buarque, com a Kelzy Ecard, que é uma atriz deslumbrante, uma deusa do teatro e minha amiga, uma das pessoas mais maravilhosas que eu conheço. Foi um projeto gestado enquanto eu estava grávida do meu primeiro filho, ensaiei grávida, demos uma pausa para o parto e voltei a sala de ensaio com Vicente com dois meses, amamentando. Estreamos  quando ele não tinha nem seis meses, foi uma experiência que definiu muito a minha maternidade também. Ficamos uns cinco anos em cartaz, viajamos o Brasil inteiro, foi demais. A última vez que nos apresentamos em um festival aqui no Rio eu já estava grávida da Cecilia, foi em 2016, uma curtíssima temporada depois de um tempão separados. Então foi muito doido reensaiar grávida de novo (risos). Mas poxa, foram tantos tão legais. teve os infantis, o “Bisa Bia Bisa Bel” que foi a realização de um “sonho”meu de adolescência de adaptar esse livro pro teatro. E teve também esse último, o “Saia”, que é um texto deslumbrante da Marceli Torquato, um dos melhores textos que já li e uma experiência muito forte de processo de ensaio e temporada.

NJ: Esse não é o primeiro espetáculo que dirige sobre maternidade. A metáfora da saia para mães superprotetoras e o mito grego de Aquiles foram a fonte de inspiração de “Saia”. Abordar maternidade real e instinto materno no teatro é garantia de sucesso, uma vez que esses temas geram identificação imediata?

Joana: Não acho que seja “garantia de sucesso”. Acho que nada é garantia de sucesso e nem de qualidade na verdade – até porque nem sempre estão juntos, as vezes sim, as vezes não. Mas acho que o tema tá latente, é algo que quer ser dito, sobre o qual há muito o que ser dito e de muitas formas, sob muitos aspectos, é gigante, é infinito.

NJ: Pra você, a arte está em crise?

Joana: Acho que a crise faz parte do caminho. Acho que o país esta em crise e a arte está respondendo e se entendendo, se reinventando.

NJ: É correto o uso do termo preparação de atores?  Como ela acontece?

Joana:  Eu tenho pensado cada vez mais nesse termo “preparação de atores” porque é um termo polêmico,  carrega uma ambiguidade de sentidos, principalmente no cenário da atuação dos últimos anos. Pode parecer que o preparador é aquela pessoa a qual sem ela o ator não vive. E eu acho que não é isso. A preparação do ator pode ser feita sobre muitos aspectos e de muitos ângulos, mas o trabalho mais difundido é o preparador para o audiovisual (pra TV e cinema). Embora haja também preparação no teatro, mas nesse último,  geralmente ela é  realizada  durante os ensaios. Já no audiovisual é mais comum ter essa figura do preparador que as vezes é alguém do contratado que faz parte do projeto ( e nesse caso a preparação é mais tranquila pois preparador e diretor trabalham juntos) ou alguém que prepara o ator independente do produto e é um trabalho mais delicado. Eu faço muito isso, inclusive. E eu tenho refletido cada vez mais sobre isso porque eu entendo a preparação como uma condução, um acompanhamento do ator. Então é acompanhar esse entendimento e os olhares possíveis que o ator vai ter pra o personagem e para o próprio processo de ensaios.

NJ: Como funciona o trabalho de preparação de um ator? 

Joana: A preparação é uma troca real de experiências. Ela se dá no tempo presente e nas condições específicas de cada trabalho.  Dependendo do trabalho, eu acompanho desde a pesquisa, que envolve tudo que o ator vai levar para o trabalho de preparação. Eu trago, referências, leituras. A gente lê os textos e discute as primeiras ideias, vou ajudando o ator nessa busca de material, incito esse trabalho de pesquisa. Conduzo esse início porque quando o ator se prepara, ele precisa se cercar de tudo que pode servir de inspiração. Além disso,  tem também o próprio acompanhamento do trabalho. 

NJ: Qual é a diferença entre preparar para uma novela e para uma série, por exemplo?

Joana: Uma série é uma obra fechada e uma novela é uma obra aberta. Na série você consegue ler todos os episódios e traçar o percurso. O trabalho da  preparação é ajudar a traçar esse percurso, explorar o texto, a colocar esse texto pra fora. Eu costumo dizer que eu não sigo um método, sigo verdades com as quais eu me identifico, sigo autores com os quais me afino, uso coisas da minha própria experiência. Eu gosto de ir juntando tudo isso porque cada trabalho vai pedir um procedimento diferente. Cada ator também é diferente, tem uma forma própria de olhar para o seu ofício e reagir a determinadas orientações e abordagens. Eu gosto muito de pensar na atuação como um jogo, onde você tem as condições, o tempo, espaço definido e as regras. Uma vez aprendidas essas regras, você vai jogar livremente. Então, cada trabalho vai ter a sua especificidade. Quando você recebe o personagem pra uma novela, que é uma obra aberta, você recebe geralmente os 25 primeiros capítulos, consegue ter uma ideia do seu personagem baseado em como ele é apresentado e no que os outros personagens falam dele. Aí você vai traçar um panorama. Mas não adianta tomar decisões achando que já conhece” a verdade” do personagem porque você não sabe pra onde vai. Eu sempre brinco muito com esses conceitos de verdade, sempre digo que tem que fazer DE VERDADE, estar sempre ali em jogo. Mas essa ideia de “verdade” do personagem é uma ideia muito delicada e que costuma trazer uma tensão para os atores.  Eu nunca fecho totalmente com o ator na preparação porque é preciso estar sempre aberto para as surpresas. Quando eu faço preparação pra uma novela, eu vou acompanhando com o ator os novos capítulos e sempre lembrando daquele mapeamento que a gente fez no início e a  gente vai lembrando as suspeitas, as dúvidas iniciais vão se resolvendo e  o personagem vai ficando um pouco mais claro. Nada é tão definitivo, é um constante movimento. 

NJ: Você citou a diferença entre trabalhar com “a verdade”  do personagem e trabalhar “de verdade” o personagem. Como isso interfere no processo de preparação de um ator/ atriz?

Joana: Eu gosto muito de propor essa ideia. A verdade é uma coisa estática e definitiva que gera tensão porque o ator fica tentando atingir aquela verdade absoluta que ele acredita existir e isso é impossível. A gente no fundo não sabe a nossa própria verdade, como vamos saber a verdade do personagem? Eu discuto muito isso com os meu alunos, com os atores que trabalham comigo, porque o importante é fazer DE VERDADE seja pra um personagem grande de uma novela ou para um teste. Claro que quando o personagem é maior e tem mais dados sobre  ele, você vai buscando o que aquele texto está trazendo e a sua intuição vai dialogar com aquilo, com as orientações do diretor, com o que o outro ator que está jogando com você vai te dar. Atuação é escuta e escolha. A preparação consiste justamente  nesse trabalho de aguçar a escuta, a inspiração. Abastece o ator de material, explora o  texto, ensaiando, jogando, sem jamais fechar as escolhas.

NJ: São muitas formas de preparação?

Joana: São muitas formas de preparar para muitos tipos de trabalho. A preparação de uma série de humor é diferente da preparação para uma série dramática. A preparação para uma novela das 7 é diferente de uma novela das 9, assim como uma das 6 de época é diferente de uma novela das 6 contemporânea. Os autores são diferentes, os diretores têm pegadas diferentes. E aí entre uma coisa muito importante, uma coisa que eu faço muito na preparação,  além de alimentar e explorar é abrir o canal da diversão porque eu acho que o ator precisa se preparar para estar seguro e conseguir se divertir no set ou no palco. Eu falo muito isso, não importa se sua cena é muito pesada ou dramática, sempre tem um lugar da diversão. Diversão sem tensão. É trocar a ideia de se preocupar , de ter que  fazer certo pela ocupação dos elementos que se tem. Eu sempre falo o seguinte: não se preocupe, se ocupe do que você está fazendo. Porque a preocupação cria uma tensão que acaba lhe tirando do presente. A atuação é escuta e ela só se dá no presente.  E o espaço da preparação também é um lugar de memória. Eu não entendo a memória como algo que é resgatado e sim como algo que sempre é reencontrado, refeito no presente. A memória é sempre uma reconstrução do passado no presente. A memória não é nostálgica, ela é criativa. 

NJ: Como avalia sua trajetória até aqui?

Joana: Eu gosto do meu caminho até aqui, do caminho que eu venho traçando.  Desde que descobri que gostava de dirigir, sempre me interessei pelo trabalho dos atores, sempre tive esse olhar para a atuação. Meu primeiro trabalho de direção na faculdade foi o texto de “Dois perdidos em Uma Noite Suja” com dois atores. Eu quis esse texto porque eu achava que com ele faria um mergulho na direção do ator. Mais do que uma proposta de encenação, eu queria partir do jogo deles e isso me permeou pra sempre. Tudo que eu faço, parto do trabalho dos atores e isso foi me levando naturalmente pra esse trabalho de preparação e é algo que eu sou muito apaixonada. A oportunidade de ver cada ator com a sua singularidade para um papel específico, para um veículo específico, são muitas frentes desse trabalho de preparação. Mesmo quando é “apenas” pra bater um texto, trabalho que eu também faço, ainda assim há coisa pra se despertar um pouquinho, se descobrir, pra se jogar. Eu sou realmente apaixonada por esse trabalho e a cada peça que ia dirigindo, ia me aprofundando nesse trabalho de preparação do ator. E atualmente eu tô bem feliz porque eu tô conseguindo transitar bem nas três coisas que eu mais gosto: dirijo as peças, dou aula na universidade e trabalho com preparação de atores. É uma rede que a gente vai tecendo e uma coisa alimenta a outra. Então eu estou muito feliz na minha trajetória até aqui.

NJ: Pra você, qual é a importância do teatro como ferramenta de ascensão social e como ele pode transformar a realidade de uma criança?

Joana: Eu acho extremamente importante, a arte é uma aliada poderosa da educação. Educação e arte andam juntas e elas fazem parte do crescimento e da formação do ser humano. O teatro tem uma coisa muito especial porque ele é sempre sobre o ser humano, sobre as relações humanas. Uma criança que começa a fazer teatro,  vai pensar melhor sobre as relações humanas,  vai lidar melhor com a sua humanidade e com a humanidade do próximo  e vai aprender a trabalhar em conjunto porque o teatro é uma arte do coletivo, é uma arte onde você precisa do outro. E além de ser uma ferramenta para desinibir, também é uma ferramenta muito poderosa de conhecimento, tanto o autoconhecimento quanto do olhar para o outro. Esse poder de olhar pra dentro e pra fora ao mesmo tempo trabalha a vulnerabilidade, a força, a sensibilidade e pode transformar totalmente a realidade porque a arte aponta caminhos. O artista é um trabalhador da cultura. Muitas vezes quando a gente pensa em teatro pensa só em ator, no máximo diretor. Mas tem toda uma rede de profissionais muito atuantes ali. Muitas vezes as pessoas saem de uma faculdade de teatro como autores, produtores, cenógrafos, sai de tudo. E eu acho que toda criança deveria fazer teatro como ferramenta de ascensão cultural, de inclusão, como ferramenta educacional. É uma arte do coletivo, uma arte que fala do ser humano e uma arte do presente, do contato e do encontro. O teatro é muito poderoso, ele transforma a vida das pessoas. E além de ser também um lugar onde se pode trabalhar muitos questionamentos da sociedade, falar sobre coisas que nos oprimem. Tem uma importância fundamental como forma de expressão, como forma de compreensão. O teatro é realmente muito poderoso.

NJ: Qual seu posicionamento diante do atual momento que o país enfrenta e todos esses retrocessos, especialmente na cultura?

Joana: Eu sou uma artista, eu vivo da arte, sou uma trabalhadora da cultura e além de tudo, também sou professora. É com muita tristeza que vejo tudo isso. Eu nunca imaginei que fosse ver o nosso país criminalizando o artista dessa forma. Eu sempre fui muito estudiosa, estudei muito a ditadura na Memória Social, cheguei a fazer vestibular pra a faculdade de História e sempre me interessei muito pela história da segunda metade do século XX.  E é sempre curioso porque eu sempre pesquisei, estudei o assunto, sempre li e assisti muitos depoimentos e eu nunca vi o artista sendo criminalizado dessa forma. É muito grave o que a gente está vivendo. Por outro lado, sinto-me muito privilegiada por estar atravessando esse momento triste, duro, difícil do nosso país trabalhando com arte porque a arte me salva. Por pior que tenha sido esses últimos acontecimentos, em momentos tristíssimos que a gente viveu, eu estava indo pra uma sala de ensaio ou uma sala de aula. E isso me salvava sempre porque o teatro realmente salva. Então, sinto-me muito privilegiada porque apesar de tudo, estou conseguindo trabalhar e respirar arte. A gente está tendo que se reinventar, mas a gente vai resistir, vai seguir fazendo arte e a nossa arte vai ser cada vez mais potente. A gente segue fazendo arte no micro, no macro, a gente simplesmente segue. Isso vai passar e eu tenho esperança que a arte vai sair fortalecida disso tudo. 

Eu falei só da arte aqui mas é preciso falar da educação, da ciência, a gente está vivendo um combate da esfera oficial aos pesquisadores, um combate aos cientistas, aos professores e aos artistas. É algo que eu não consigo conceber tamanha violência, além de toda violência que a gente já vive de desigualdade econômica, o descaso com a saúde, Tudo isso é muito grave e parece que a gente está vivendo um grande pesadelo. Mas eu acredito na nossa geração e nessa geração nova que está chegando. Eu fico estarrecida e quase não consigo entender tudo isso. 

NJ: Se você tivesse o poder de modificar uma única coisa no Brasil o que seria e por qual motivo?

Joana: É tanta coisa que eu queria modificar que é difícil responder isso (risos). Eu acho que a coisa mais grave é a profunda desigualdade social que vem de todo sistema colonial, culminando com a escravidão longuíssima e violenta que prorrogou, se espalhou e deixou tantos rastros até hoje. E a indiferença das pessoas privilegiadas em relação a isso é estarrecedora. Não dá pra se pensar em outra coisa quando se tem fome. As pessoas precisam se alimentar, viver com dignidade. A gente é tão privilegiada, eu sei dos meus privilégios mas eu vivo em um país que há uma profunda desigualdade. Essa massa  não tem acesso ao básico do básico. Não tem comida, moradia, educação, saúde  e cultura. Isso não é luxo, é o básico e todos os seres humanos precisam ter esses direitos garantidos. 

NJ: Há um provérbio árabe que diz “ o maior erro é a pressa antes do tempo e a lentidão ante a oportunidade”. Considera-se uma pessoa ansiosa? Arrepende-se de alguma oportunidade perdida?

Joana: Gostei dessa frase. Sou bem ansiosa, mas me trabalho bastante e acho que melhorei horrores. To ligada (risos). E já  me arrependi de algumas coisas, sim. Mas também não adianta ficar olhando para o passado nessa onda de arrependimento. A gente olha para o passado pra entender o presente, pra ajudar a seguir.

NJ: Quais são os seus projetos profissionais para 2020?

Joana:  Seguir. Seguir com a temporada do espetáculo  “Mãe Fora da Caixa”, em São Paulo, depois por outras cidades, tentar uma nova temporada do “Saia”, seguir com a faculdade e com os trabalhos de preparação. Quero dar prosseguimento a um grupo de estudos com atores que fazia também. E tenho um novo projeto de teatro com dois atores com quem já trabalhei, e que amo de paixão, o Vicente Coelho e o João Lucas Romero, vou dirigi-los em um texto inédito do Rafael Souza Ribeiro que é um autor carioca que admiro muito. Quero também pensar em outro projeto infanto-juvenil, mas não sei ainda qual será (risos) .Não tenho nenhum projeto na manga mas é algo que faz parte da minha trajetória e eu acho extremamente importante fazer teatro pra crianças e jovens. Na verdade fazer teatro, né? Tem essa divisão aí mas eu gosto sempre de pensar que é teatro pra a família porque tem espetáculos que realmente não dá pra criança assistir, mas quando você faz um teatro que é pra a família inteira assistir junta,  é uma experiência incrível. 

NJ: O que o teatro significa  pra sua vida?               

Joana: Oxigênio, amor, alegria. Não consigo imaginar viver sem fazer teatro, sem conviver com a gente de teatro – que é a melhor gente do planeta. Gosto de pensar que teatro é um exercício de humanidade. É a minha vida.

NJ: Uma frase

Joana: “A vida é cheia de abstrações e a intuição é a única maneira que temos de rastreá-las. Intuir é enxergar a solução, reconhecê-la por inteiro.” ( David Lynch, cineasta, de um livro que amo chamado “Em águas profundas – criatividade e meditação”)

NJ: Um sonho

Joana: Xiiii, tenho uma dúzia (risos). Eu podia falar de alguns sonhos profissionais, tenho vários. Mas te respondendo agora pensei no seguinte:  poder fazer uma super viagem por ano em família e outra sem criança todo ano seria um sonho, hein? (risos).

NJ: Um lugar

Joana: Me dá uma varanda com uma rede na beira de uma praia calma e estarei no paraíso. Bem “nordestino” isso, né, (risos). E nem tô “puxando saco” da entrevistadora (risos), quem me conhece sabe da minha paixão de ” alma” com o Nordeste, em muitos aspectos. Só em respirar o ar se lá  já me faz bem, parece que me encontro, é um negócio meio inexplicável mesmo(risos).  Tenho alguns grandes amigos da vida inteira lá. Mas infelizmente quase não vou mais, por mim morava em Recife ou Salvador. Olha aí, mais um “sonho”(risos).

NJ: Um livro

Joana: Putz. Aí é impossível (risos).  Só de “livros da minha vida” tem mais de uma dúzia … Mas o que tô lendo agora é o “No Seu Pescoço” um livro de contos absolutamente fantástico da Chimamanda Ngozi. Fui apresentada a ela naquele que já virou um clássico para mães “Para Educar Crianças Feministas” e me apaixonei, já to comprando o próximo.

NJ: Uma comida

Joana:  “Aí é impossivel – 2”  (risos). Mas amo frutos do mar, qualquer coisa com frutos do mar.

NJ: Uma superstição

Joana: Não considero superstição, mas sempre peço licença, reverencio, quando entro num teatro pra trabalhar. Quando entro no mar também. Sempre reverencio, peço licença e agradeço.

NJ: Uma música que a faz sorrir

Joana: “Aí é impossível – 3 ” (risos).  Trem Azul, do Lô Borges (tocou o refrão “você pega o trem azul, o sol na cabeça…” bem no exato momento em que minha filha nasceu, agora sempre que eu ouço vem um sorriso, um amor do fundo da minha alma).

NJ: O que a deixa verdadeiramente emocionada?

Joana:  De duas “searas” diferentes mas próximas: a emoção simples e maior da vida inteira: O sorriso dos meus filhos. E aquela hora que o ator/atriz ‘descobre’ algo importante da cena, do trabalho, aparece ali um “amor arrebatador” enquanto faz o brilho no olhar, a gente vê aquela faísca que não dá pra explicar com palavras. Me emociona verdadeiramente.  

NJ: Joana Lebreiro por Joana Lebreiro 

Joana: Acho que não sei me definir assim não… sei lá. Eu gosto de viver, de conviver, de ouvir  música e histórias. Gosto de falar. Eu gosto de sol e eu gosto de gente.

NJ: Joana, muito obrigada por participar da Nossa Janela. Muito obrigada também por toda simpatia, bom humor e carinho com minha família. Já falei antes e agora vou repetir pra todo mundo saber: você ganhou uma fã.  Conte sempre comigo e com o site para divulgação de todos os seus projetos 🥰🥰

Joana: Obrigada, Lu.  Adorei dar essa entrevista. Obrigada pelo seu olhar tão atento e tão intenso pra tudo. Beijo grande.

Clique AQUI e confira entrevista completa com Miá Mello sobre a peça “Mãe Fora da Caixa”.

Galeria:

 

Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

1 Comment

  1. Avatar
    Gabi Soares
    29 de janeiro de 2020 at 10:19 Reply

    Eu quero assistir essa peça. Que entrevista linda e cheia de conteúdo! Adorei

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