Jonas Bloch

Jonas Bloch

Não há como acompanharmos sua trajetória artística  sem ficarmos maravilhados com tantas realizações. São inúmeros personagens marcantes  que consolidaram a carreira no cinema, no teatro e na TV. Mas o que nem todo mundo sabe é que Jonas Block divide seu tempo entre a arte de interpretar, as pinturas e esculturas. Foi com muito carinho, tranquilidade e delicadeza que  o ator, diretor e artista plástico abriu as portas do seu apartamento, no Rio de Janeiro, para a nossa equipe.

NJ: Jonas, o que mais o interessa no processo de construção de um personagem?

Jonas: O que me interessa é o processo de aproximação com o personagem, a gestação e o parto. A construção de um personagem é diferente para cada ator. Alguns fazem um trabalho racional, criam formas, etc. No meu caso, eu procuro apreender, através do texto o histórico do personagem, seu objetivo na vida, suas reações, e vou absorvendo esses dados, tentando compreender suas atitudes sem nenhum preconceito ou crítica e, na repetição das cenas, esses dados e a intuição me guiam, vão se misturando comigo e começo a agir como o personagem.

NJ: Além de ator, você também é artista plástico. Afinal, o que a arte significa pra você?

Jonas: A arte tira as pessoas da sua vida cotidiana, viciada, onde tudo é visto com um olhar de utilidade, vivendo um comportamento padrão. Quando estão diante da arte, elas podem viver um olhar diferente, onde não conta a utilidade, mas algo que toca sua sensibilidade, ativa a imaginação, que pode influenciar a mudar seu modo de ver a vida e o mundo, e traz a beleza que não encontra nas ruas, toca os sentimentos mais íntimos, o que há de mais individual.

NJ: A autocrítica interfere na criatividade?

Jonas: Interfere, mas é ruim, aprisiona, tira o que aconteceu espontaneamente. O primeiro impulso é importante, verdadeiro, e deve ser respeitado.                                                                                           

NJ: Como funciona o seu processo de concentração antes de entrar em cena?

Jonas: Se o ator faz um trabalho mais aprofundado, ele chega carregado de propostas para a cena, o que ocupa sua cabeça, sua emoção, não deixando espaço para outras coisas, e fica naturalmente concentrado.

NJ: Você iniciou a carreira na década de 60, época de muita combatividade política em relação à arte. E chegou a enfrentar e sentir na pele a ditadura militar. O que acha desse discurso tão forte nos últimos tempos que absurdamente tenta minimizar os efeitos da ditadura?

Jonas: As pessoas não têm ideia do que era viver naquela época. O medo estava em todo lugar. Temia-se conversar com alguém, com o temor de ser um informante. Era proibido um pequeno grupo na rua. Se o seu nome constasse na agenda de uma pessoa que tinha sido presa, você era preso e torturado. A peça que escrevi junto com Jota Dangelo, sobre a História do Brasil sofreu cortes durante a temporada e depois foi totalmente censurada.

NJ: Conte-nos um pouco sobre a censura com a música “Peixe Vivo” em um espetáculo seu.

Jonas: Num espetáculo sobre a História do Brasil, fazíamos um paralelo da história atual, com a história do passado. Na ditadura, muitos foram exilados. Para fazer uma relação com os exilados da Inconfidência Mineira, eu lia uma carta de Juscelino Kubitschek, enviada de Nova York, onde ele se encontrava exilado. Na época, as pessoas sabiam que a música “Peixe Vivo” era a preferida de Juscelino. Nós colocávamos um coro cantando, enquanto eu dizia o texto da carta. Quando fizemos o espetáculo em Brasilia, a censura mandou cortar o “Peixe Vivo”. Os jornais publicaram que havia essa censura. Foi quando apareceu um grupo de estudantes me perguntando como era a cena. Eu expliquei. Durante toda a temporada, nós não cantávamos a música, mas havia, em todas as sessões, um grupo de estudantes que cantava na plateia.

NJ: Seu trabalho mais recente na TV foi o Eric de Bom Sucesso. O que mais o empolgou nesse trabalho?

Jonas: Já havia feito vários vilões, mas no caso do Eric foi diferente, porque além de vilão, ele era vítima também, suas atitudes não eram por dinheiro ou poder, como é comum nos vilões, isto ele já tinha. Era para expurgar algo que ficou engasgado. Foi muito gratificante conviver com um elenco, direção e produção afetivos, alegres e talentosos. Os autores dão um show de criatividade, inserindo textos de literatura, enfocando a alegria de viver, uma comunidade afetuosa, solidária e alegre.

NJ: Você coleciona personagens marcantes como o Jacques de “Top Model”, o Alemão de “Mulheres de Areia” e mais recentemente o Barão Wolfgang em “Novo Mundo”. Quais são as lembranças que guarda desses trabalhos?

Jonas: Tive sorte em ser escolhido para bons personagens. Guardo cada um deles com muito carinho. Sorte maior, foi encontrar parceiros talentosos, que contracenavam de uma forma generosa, e tivemos o prazer de interpretar juntos que, acredito, passava para o público.

NJ: Como avalia sua trajetória artística até aqui?

Jonas: Quando eu comecei a minha carreira, os atores não conseguiam sobreviver da profissão, tinham que ter outro trabalho paralelo. Além disso, havia muito preconceito com os atores, principalmente com as atrizes. Quem entrava na carreira, sabia que era difícil e só entrava realmente quem tinha vocação. Conseguir criar minhas filhas com a profissão, já foi um triunfo. A cada novo chamado para um trabalho, e fui muito requisitado, era a confirmação de que eu estava certo em escolher a profissão e ser competente. Tive a sorte de ser chamado para cinema, teatro e televisão, não ficando em um único  veículo, o que me trouxe muitas experiências e alegrias. Ganhei vários prêmios, fiz filmes estrangeiros, recebo muito carinho do público, não posso reclamar.

NJ: Se tivesse que citar dois trabalhos os quais tem um carinho especial, quais seriam eles e por quê?

Jonas: No teatro, “Dois Pontos” que escrevi, atuei e dirigi. “Besame mucho”, pelo processo de criação e o resultado final. “Delírio do Verbo”, com textos de Manoel de Barros, pela beleza de suas palavras, pela identificação que senti. Em Cinema, “O Dia da Caça”, pelo personagem e realização do filme, “Amarelo Manga”, por ser um filme e o personagem fora dos padrões, e “Cabra Cega”, um personagem com sabedoria política. Em TV, “Corpo Santo”, talvez o personagem mais marcante que já fiz. “Novo Mundo”, um personagem com uma integridade enorme, “Se Eu Fechar os Olhos Agora”, um personagem ambíguo, cheio de contradições.

NJ: Como reagiu ao saber que Débora pretendia ser atriz?

Jonas: Fiquei muito feliz e ao mesmo tempo preocupado. Mas a preocupação terminou logo que a vi em cena.

NJ: Como avalia a política cultural brasileira?

Jonas: Atualmente, vergonhosa. Com pessoas de tão baixo nível, o que é que se pode esperar? quem vê cultura com preconceito, só pode ser um primata. São os que, ao mesmo tempo que ficam difamando  as verbas da Cultura, com a desculpa de que é uma artimanha de um grupo que quer uma ditadura de esquerda e, no entanto, eles estão fazendo exatamente isto, querendo o pensamento único, uma ditadura.

NJ: No instagram você fala muito sobre a situação política do país. Como você enxerga a crise política na qual o país mergulhou e como acha que a gente pode superar esse momento?

Jonas: Nós estamos no pior momento de nossa história. Um governo que foi eleito, não por alguma ação que o qualificasse, mas por ser contra o PT. Um homem que elogia um torturador, não merece respeito, é um nojo. Um homem que tem uma equipe para difamar em fake news, deveria sair com um impeachment. Um homem que, para disfarçar sua incompetência, cria inimigos diariamente, mentindo sobre a Lei Rouanet, acusando ongs, etc. Lamentavelmente, existem esquemas de manipulação, difíceis de evitar, e esse tipo de “político” sabe como voltar ao poder.

NJ: Se pudesse se encontrar com o menino que foi no passado, o que diria a ele?

Jonas: Você fez bem, rompeu com o atraso, lutou pelo seu sonho, fez o que queria, fez o que pôde.

NJ: Em sua opinião, o que mais pode sabotar a carreira de um ator, a vaidade ou o excesso de segurança?

Jonas: A vaidade é perigosa, quando em doses exageradas. E o excesso de segurança, é sinal de  que o trabalho não é feito com desafio, pode cair no chavão.

NJ: Você é carioca, mas tem uma relação muito forte com Minas. Por quê?

Jonas: Morei um bom tempo em Minas, fui pioneiro do teatro mineiro, minhas filhas são mineiras. Minha mulher é mineira. Tenho uma casa em Lavras Novas, distrito de Ouro Preto. Sou considerado por muita gente, como mineiro (inclusive pelo Google).

NJ: Como é a sua relação com a religião?

Jonas: Sou ateu, mas respeito e admiro as premissas da algumas religiões.

NJ: O que é felicidade pra você?

Jonas: Uma vida cercada de afetos, uma trajetória em busca do sonho, estar em ação, criar, participar da vida do país, mesmo que seja em pequenas ações, uma família feliz.

NJ: Uma frase

Jonas: “Quando meus olhos estão sujos de civilização, cresce, por dentro deles, um desejo de árvores e aves” Manoel de Barros.

NJ: Um lugar

Jonas: Rio de janeiro, Lisboa, Lavras Novas.

NJ: Uma música que o faz sorrir

Jonas: Tom Jobim, Caetano, Chico, Cartola.

NJ: Um livro

Jonas: Equador, de Miguel Souza Tavares.

NJ: Uma mania

Jonas: Desenhar, esculpir.

NJ: Um sonho

Jonas: Ver um bisneto (a).

NJ: Um medo

Jonas: Que algo ruim aconteça com alguém da minha família.

NJ: O time do coração.

Jonas: Flamengo.

NJ: Você deve ter feito muitas amizades com grandes nomes da TV e teatro, alguma em especial que gostaria de citar?

Jonas: Tenho muitos amigos; Drica Moraes, Caco Cioccler, Totia Meirelles, Henri Pagnoncelli…

NJ:  Quais são os seus planos profissionais para 2020?

Jonas:  Estou filmando no Rio Grande do Sul. O filme se chama “A Cerca”, com direção de Rogério Gomes, diretor da Globo. Em março inauguro minha exposição de desenhos em Lisboa, galeria de Renato Rodyner, na Casa da Guia, Cascais.

NJ: Jonas Bloch por Jonas Bloch

Jonas: Sou uma pessoa que tem a felicidade de ter uma família muito querida, de viver da sua profissão, de ter o carinho do público, que ama seu país e sempre que pode, fez alguma coisa para que ele seja justo e proteja os mais necessitados. Uma pessoa que recebeu mais do que esperava.

Galeria

NJ: Jonas, muito obrigada por participar da Nossa Janela e por ter nos recebido tão bem aqui em sua casa. Muito obrigada também pelo carinho com a minha pequena.

Jonas: O prazer foi meu, Lu. Muito obrigado por terem vindo e por esse bate-papo gostoso. A Nina é uma gracinha.

Lu Leal

Formada em Comunicação Social, atuou na produção do Programa “A Bahia Que a Gente Gosta”, da Record Bahia, foi apresentadora da TV Salvador e hoje mergulha de cabeça no universo da cultura nordestina como produtora de Del Feliz, artista que leva as riquezas e diversidade do Nordeste para o mundo e de Jairo Barboza, voz influente na preservação e evolução da rica herança musical do Brasil. Baiana, intensa, inquieta e sensível, Lu adora aqueles finais clichês que nos fazem sorrir. Valoriza mais o “ser” do que o “ter”. Deixa qualquer programa para ver o pôr do sol ou apreciar a lua. Não consegue viver sem cachorro e chocolate. Ama música e define a sua vida como uma constante trilha sonora. Ávida por novos desafios, está sempre pronta para mudar. Essa é Lu Leal, uma escorpiana que adora viagens, livros e teatro. Paixões essas, que rendem excelentes pautas. Siga @lulealnews

5 Comments

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    Dalia Leal
    28 de janeiro de 2020 at 23:26 Reply

    Estamos diante de um excelente ator! e q show de interpretação na novela Bom Sucesso e em tantas outras! fiquei encantada c seu desempenho!!! parabéns Luciana Leal, amo ler suas entrevistas!!!🌞 🌜🌟👏💋❤

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    Camila Marinho
    29 de janeiro de 2020 at 10:04 Reply

    Jonas Bloch é um gênio! O acompanho desde Top Model.

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    Pedro Aguiar
    29 de janeiro de 2020 at 10:10 Reply

    “quem vê cultura com preconceito, só pode ser um primata. São os que, ao mesmo tempo que ficam difamando as verbas da Cultura, com a desculpa de que é uma artimanha de um grupo que quer uma ditadura de esquerda e, no entanto, eles estão fazendo exatamente isto, querendo o pensamento único, uma ditadura.” Essa é uma verdade absoluta. Só quem não viveu a ditadura pode querer relativizar seus efeitos e apoiar a censura . Não podemos permitir jamais essa regressão. Cultura é vida! Parabéns pela entrevista!

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    Gabi Soares
    29 de janeiro de 2020 at 10:17 Reply

    Ator extremamente competente e a entrevista perfeita!

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    Denize Oliveira
    30 de janeiro de 2020 at 00:54 Reply

    Adoro o trabalho do ator e artista Jonas Bloch! Ator competente e extremamente lúcido! A-d-o-r-e-i a entrevista! Amo o site Nossa Janela! Entrevistas leves, interessantes, importantantes e inteligentes!!! 👏👏👏👏👏👏👏🤗😘😘❤✌💪✊

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